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Sua majestade, o chá

A arte de preparar infusões oferece experiências sensoriais, culturais e estéticas. Aliado ao sabor, ao aroma e à tradição, o ritual é um estímulo à parte para apreciar a bebida

Dominique Lima - Redação Publicação:09/09/2015 17:15Atualização:09/09/2015 17:16

Conjunto de chá inglês, famoso pela tradição de ser degustado às 17h: ritual faz parte do prazer do consumo (Vinícius Santa Rosa/Encontro/D.A Press)
Conjunto de chá inglês, famoso pela tradição de ser degustado às 17h: ritual faz parte do prazer do consumo
A lenda diz que o chá foi descoberto há milhares de anos, quando folhas da Camellia sinensis assopradas pelo vento caíram na xícara de água quente de um antigo imperador. Seja essa ou não a origem, muitos séculos foram dedicados a aperfeiçoar a técnica. Foram usadas outras plantas, suas folhas, flores e frutos, além de especiarias. A sua produção tornou-se um ritual. Em alguns casos, literalmente uma prática filosófica e religiosa, como a cerimônia chinesa do chá. Cada etapa rende prazeres e experiências muitas. A escolha dos acessórios, o bule, as xícaras, o coador. A escolha da mistura e dos tipos de ingredientes. A preparação marcada pelo cuidado de encontrar a temperatura certa, o tempo ideal para a infusão. “Apreciar chá é pura poesia, arte e delicadeza”, resume a servidora pública Sônia Zaghetto, estudiosa do tema.

Sônia Zaghetto é apaixonada por chás e tem um verdadeiro acervo em sua casa: 'Apreciar chá é pura poesia, arte e delicadeza' (Vinícius Santa Rosa/Encontro/D.A Press)
Sônia Zaghetto é apaixonada por chás e tem
um verdadeiro acervo em sua casa: "Apreciar
chá é pura poesia, arte e delicadeza"

 

A variedade de opções marca a identidade do chá. Ele foi absorvido por muitas culturas ao longo do tempo, sendo adaptado à realidade de cada uma delas. Pode ser consumido quente ou frio, a partir de uma infinidade de ingredientes. A bebida é classificada em três tipos básicos: o chá puro, feito apenas das folhas da Camelia sinensis, os blends, em que se mesclam outras plantas ao chá, e as infusões, misturas feitas sem o chá, com ingredientes diversos. Cada uma dessas classes inclui inúmeras possibilidades de combinações e sabores. A adstringência do chá preto, a suavidade da infusão de flores, o adocicado das frutas. E, ainda, o inusitado sabor do encorpado genmaicha, feito com arroz integral torrado, a experiência visual do vermelho profundo do hibisco ou a riqueza de influências do Masala Chai, que leva leite, especiarias e é servido muito doce.

 

A qualidade do chá também varia bastante. As plantações na China, país de origem da Camellia sinensis, são cuidadas num nível comparável ao do cultivo das uvas em vinícolas. Cada região do país produz uma planta com características específicas e algumas safras levam a produtos especialmente bons. A forma como a planta é processada após a colheita leva aos tipos de chá. Há quatro grupos principais: o chá branco, o verde, o preto e o Oolong. Entre boas safras e um processo rigoroso de preparo, alguns tipos de chá tornam-se valiosos e chegam a custar milhares de dólares o quilo.

 

É o caso do raro Pu-erh, duplamente fermentado e envelhecido, prensado em moldes, e do chá branco Silver Needle. O Pu-erh é o chá usado na cerimônia de chá chinesa, atividade filosófica e religiosa que envolve o preparo ritualístico da bebida, com cerca de quatro horas de duração. “O Pu-erh deve ser apreciado com calma, como fazemos com o vinho”, explica Sônia. No Brasil, a produção do chá ainda é bastante pequena porque há poucas regiões com as condições ideais para o cultivo. Por aqui, há, no entanto, uma produção importante da planta Ilex paraguariensis, típica do cone sul da América, matéria-prima do mate, infusão muito apreciada no sul do país.

Kléber Sampaio, com Camila, da Vincent Casa de Chás: 'As pessoas estão descobrindo que aquela ideia de chá insosso, um remédio tomado por obrigação, não é regra' (Vinícius Santa Rosa/Encontro/D.A Press)
Kléber Sampaio, com Camila, da Vincent Casa de Chás:
"As pessoas estão descobrindo que aquela ideia de chá
insosso, um remédio tomado por obrigação, não é regra"

 

Apesar de a função medicinal fazer parte da identidade do chá, muitos apreciadores buscam apresentar outras particularidades da bebida. Kleber Sampaio, proprietário da Vincent Casa de Chás, insiste que a bebida oferece um campo vasto ainda a ser explorado no país, principalmente seu potencial para sabores únicos e marcantes. Nos últimos anos, segundo ele, a procura pelo chá e infusões aumentou, muitas vezes in%uFB02uenciada pelo aumento das viagens internacionais dos brasileiros, que têm contato com a cultura do chá e a trazem de volta para o país. “As pessoas estão descobrindo que aquela ideia de chá como algo insosso, um remédio toma- do por obrigação, não é a regra”, diz.

 

A forma como o chá é preparado tem grande in%uFB02uência na quantidade de sabor. Especialistas lembram que é muito importante seguir as recomendações de preparo para cada tipo. Há temperatura e acompanhamentos ideais para cada variedade. “Uma boa experiência com chá envolve algumas etapas: a qualidade dos ingredientes, a preparação adequada e também a apresentação”, explica a dona do Le Calmon Café, Adriana Beltrame. Por conta da importância concedida à apresentação, os acessórios são muito importantes para o consumo do chá. A chaleira, o coador, as xícaras – com ou sem alça –, todos in%uFB02uenciam  muito a experiência. A tradição das xícaras com ou sem alça, aliás, varia de acordo com a cultura. Os ocidentais preferem a versão com, que afasta do calor da porcelana com água quente. No Oriente, as xícaras não têm as asas exatamente para o contato com a alta temperatura, muito necessário nas estações mais frias.

Adriana Beltrame, proprietária do Le Calmon Café e Livraria: 'Uma boa experiência com chá envolve algumas etapas: a qualidade dos ingredientes, a preparação adequada e também a apresentação' (Vinícius Santa Rosa/Encontro/D.A Press)
Adriana Beltrame, proprietária do Le Calmon Café
e Livraria: "Uma boa experiência com chá envolve
algumas etapas: a qualidade dos ingredientes, a
preparação adequada e também a apresentação"

Com tantos elementos envolvidos no consumo da bebida, a experiência se torna única a cada vez que o apreciador prepara o chá. Kléber Sampaio, por exemplo, costuma conversar um pouco com os clientes antes de sugerir uma marca ou mistura. Saber um pouco sobre a história e as preferências de cada um possibilita uma dica mais eficaz. Segundo ele, existe um tipo que combina com cada paladar e estilo. É um dos aspectos dos muitos que atraem Sônia Zaghetto à bebida. “Aprecio o chá por conta de sua história. Também de sua suavidade e requinte do sabor. Ao beber uma xícara de chá, penso nas lendas sobre sua origem, nos grandes mestres de chá do Japão imperial, nas ladies inglesas tomando-o acompanhado de sanduíches de pepino e scones. O chá atravessou os séculos encantando pessoas”, diz.

 

Modos de Preparo

A forma de preparar e apreciar o chá varia de acordo com a cultura, mas há uma regra geral: põem-se as folhas no bule – 2g para 200 ml de água e despeja-se sobre elas a água quente por um período entre 30 segundos e cinco minutos. Usa-se um coador para separar as folhas da bebida. Alguns chás, especialmente o chá verde, o chá branco e o Oolong, precisam de menos tempo. Para o chá preto, em geral a água deve estar a 100°C. A água para chá verde deve estar numa temperatura próxima a 80°C. As folhas de chá são muito delicadas e não devem receber água fervente. Nas infusões, a água pode estar fervendo muito e a infusão pode ficar por muito tempo.

 

Para incrementar o sabor da bebida, é possível usar açúcar ou mel para adoçar. Em chá preto, é muito comum usar o leite, que corta seu sabor adstringente. O limão é outra opção geralmente usada em infusões ara aumentar a refrescância.

A mesa de chá chinesa: é no país oriental que a planta do chá é cultivada. No Oriente, o chá é tomado em copo: a ideia é aquecer o corpo segurando-o com as duas (Vinícius Santa Rosa/Encontro/D.A Press)
A mesa de chá chinesa: é no país oriental que a planta do chá é cultivada. No Oriente, o chá é tomado em copo: a ideia é aquecer o corpo segurando-o com as duas

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