As receitas dos amigos
Os chefs também prestigiam a comida de outros experts da gastronomia brasiliense. Quatro deles contam onde gostam de comer quando não estão nos próprios restaurantes ou na cozinha de casa
A primeira impressão nem sempre é a que fica, contrariando o ditado popular. No caso de David Lechtig, a percepção sobre o recém-voltado da Europa Marcelo Petrarca mudou ao primeiro contato. “Eu já tinha ouvido falar dele, já o via como uma pessoa proeminente, mas nunca tinha falado com ele. Achava que era daqueles chefs meio deslumbrados”, confessa o sócio e responsável pela rede El Paso, ainda achando graça. Após ser apresentado formalmente em um encontro de cozinheiros brasilienses, em 2009, ele conta que a conversa fluiu, a empatia mútua bateu e a vontade de conhecer a gastronomia que o jovem chef – na época com 21 anos – fazia veio naturalmente.
Algumas relações com restaurantes vêm com o tempo. No caso de Gil Guimarães, a história com o Cru – Balcão Criativo nasce muito antes de Lui Veronese se imaginar à frente de receitas de vanguarda. Filho de um amigo biólogo e gourmet, conhecedor profundo de ingredientes e receitas, o chef do restaurante anexo ao Oliver foi amadurecendo, literalmente, aos olhos do fundador da pizzaria Baco e do Parrilla Madrid.
“São várias coisinhas boas, que fica difícil de falar uma”, diz sobre preferências. “Eu acho o ceviche clássico maravilhoso, o (steak) tartare é fantástico, o ovo trufado também.” Para Veronese, apresentar novas criações ao também empresário se tornou quase um padrão a ser seguido. “Desde o começo, os conselhos que ele me deu foram muito certos”, reconhece o chef. “Ele tem uma ideia geral da coisa muito correta”, considera, tendo como base os 17 anos de experiência do colega no ramo.
O atum selado, servido com molho de gengibre, praliné de castanha-de-caju e fettuccine de pupunha salteado, foi uma das criações que Guimarães conheceu em primeira mão. E adorou. Para o chef do Cru, o aval do amigo, com quem troca experiências frequentes sobre mercado e receitas, funciona como respeito à confiança depositada desde o início. “As minhas raízes eu não esqueço jamais: o Francisco (chef do Dom Fran-cisco, onde estagiou pela primeira vez, ainda adolescente), o meu pai, os dois grandes culpados de tudo. Mas o tronco que me fez crescer, para quem sabe essa árvore um dia dar frutos, foi o Gil Guimarães”, reconhece.
Alexandre Aroucha lembra-se, ainda hoje, do seu primeiro dia trabalhando ao lado de Simon Lau, no antigo Aquavit. “Daqui a pouco, a Alice vem para ajudá-lo”, disparou o chef dinamarquês, pouco antes de os preparos para o jantar começarem. O brasileiro lembra que suou frio. “Eu sabia da amizade dele com a Alice (Mesquita). E imagine, logo no primeiro dia, cozinhar ao lado dela.” O nervosismo durou pouco. A Alice a qual Lau se referia, era uma assistente de cozinha, e não a renomada cozinheira que, por 18 anos, comandou um dos franceses com maior visibilidade na cidade, o Alice Brasserie.
De volta aos dias atuais, a cena ganha vida no misto de bistrô e adega que consolidou a Grand Cru, no Lago Sul. Senta-da à mesa ao lado de Deise Lima, sócia-proprietária, Alice – a chef – se sente à vontade no espaço que mais frequenta quando decide não utilizar a cozinha de casa. Sob os comandos de Aroucha e Leônidas Neto, são os pratos servidos ali que, mesmo de forma surpresa, a agradam todas as vezes. “Eu me identifico tanto com a pesquisa deles”, comenta, deixando perceptível a admiração que mantém desde que conheceu a técnica dos dois. “A cozinha deles é muito original, e saem coisas diferentes, mas não daquelas que você diz: ‘Eu não comeria isso aqui duas vezes”, tenta contextualizar.
Com um menu de jantar volátil, que muda a cada dia, os dois chefs costumam apostar em criações especiais quando sabem que a experiência de Alice estará à mesa. “Tem muitos chefs que são ícones pelo trabalho”, comenta Aroucha, que responde mais pelas criações salgadas. “Ela virou um ícone não só pelo trabalho, mas pela cultura gastronômica que tem”, pondera. Neto concorda prontamente e completa que o fato de terem se aproximado pessoalmente de Alice, como amigos, aumentou ainda mais a responsabilidade ao servi-la. “Ela é muito sincera”, conta, como quem explica o olhar cuidadoso ao apresentar um confit de pato servido no ponto correto ao lado de um couscous marroquino com aspargos e shiitake. “Na verdade, nós tentamos usar o aval dela”, explica, sorrindo, após a aprovação instantânea da cozinheira.
Para Alice, além da relação próxima que se estabeleceu com os chefs e com
Deise – da qual foi, inclusive, madrinha de casamento –, a escolha pelo restaurante sobressai, especialmente, pelo olhar parecido que os três têm sobre a comida. “Os meninos se destacam na cena gastronômica porque eles pesquisam todos os dias”, aposta, garantindo que esse é o grande ponto de diferença dos bons restaurantes. “Aqui eu me sinto em casa. É a mesma coisa que se eu estivesse na cozinha”, compara, para a felicidade da amiga e sócia-proprietária, ao lado na mesa.
De acordo com a especialista em cozinha francesa, que fechou seu negócio na QI 17 há três anos e meio e desde então investe em viagens com descobertas gastronômicas pelo mundo, a escolha recorrente por certos endereços resume-se a uma questão simples. “É muito bom ir a um lugar onde se tem afinidade com a forma de eles fazerem a comida”. Para Deise, o incentivo que a chef deu ao empreendimento desde que abriram, há sete anos, reflete um pouco isso. “Aqui é tudo muito inspirado em tudo o que eu aprendi vendo a Alice construir o restaurante dela”, frisa, sugerindo o ciclo de trocas que move o meio em que atuam.