Temperadas e charmosas
Produtos do cerrado, especiarias, plantas, frutas e muito mais. Não há limites para criar cervejas que desafiam o paladar. O resultado das misturas agrada aos mais exigentes
Apesar do mercado cervejeiro em formação, a capital federal conta com surpreendentes exemplos de rótulos feitos com “temperos” da Região Centro-Oeste. É o caso do Restaurante Jambu, na Vila Planalto. O dono, chef Leandro Nunes, e o mestre-cervejeiro Fábio Caldas se uniram para criar uma pilsen com jambu e uma porter com cascas de ipê-roxo. “Começamos a produzi-las uns seis, oito meses antes de abrir a casa, em julho de 2014. Fizemos os testes, e a de ipê saiu quase perfeita desde o começo. A de jambu demorou um pouco mais. Mudamos três vezes a receita”, revela Leandro.
Ambas chamam tanto a atenção no restaurante quanto a farofa de formiga maniuara. Tem cliente que aparece só para comprar ou experimentar as cervejas especiais. “O retorno é excelente. Por isso, estamos conversando para ampliar esse negócio. A ideia é manter apenas rótulos artesanais no cardápio”, adianta o proprietário do Jambu.
Para o brasiliense Fábio, que produz artesanalmente há quatro anos a Käfer (besouro, em alemão), as experiências são o grande barato da prática cervejeira. “É o mais divertido, pois não há limitações. Já fiz dezenas de estilos e com inúmeros ingredientes: ovomaltine, jatobá, cagaita, mangaba. O que deve ser levado em conta é a cautela. Se vou usar algum insumo pela primeira vez, começo com pouco, sempre errando para menos, até chegar ao sabor ideal”, detalha.
Para explorar com mais afinco o universo cervejeiro, o também analista de sistemas formou-se sommelier de cerveja pelo Senac-SP, que mantém uma parceria com o Instituto Doemens, da Alemanha. “Sempre gostei de cerveja. Em um aniversário de casamento, ganhei a Larousse da Cerveja e participei de uma palestra do autor, o Ronaldo Morado. Percebi que o uni- verso é gigantesco e estava restrito a alguns rótulos”, explica.
Experiência com elementos do cerrado também ocorrem nas proximidades de Brasília. A Cervejaria Goyaz, de Goiânia, tem nove rótulos especiais, todos da marca Colombina. Três deles ganham destaque pela ousadia: a Saison do Pé Rachado leva pequi; a India Pale Ale (IPA) abraça rapadura moça-branca; e a Poema Au Chocolat radas” moça-branca; e a Poema Au Chocolat experimenta castanhas de baru. “Pensamos em valorizar os ingredientes do cerrado e tem dado muito certo. As alternativas são enormes”, conta Alberto Nascimento, sommelier da empresa.
A cervejaria familiar existe há 14 anos. Desde janeiro do ano passado, aposta forte no mercado cervejeiro artesanal, com enfoque nas receitas “temperadas” — além das três citadas acima, há a pale ale com murici, outra planta do cerrado. A distribuição da Colombina chega às regiões Centro-Oeste, Sudeste, Sul e Nordeste. Estrategicamente, segue os passos de gigantes como a Companhia de Bebidas das Américas (Ambev), que perceberam a expansão desse mercado. Em julho, a multinacional comprou a fábrica da artesanal Colorado, de Ribeirão Preto (SP). Dois meses antes, lançou, por meio da marca Bohemia, três rótulos: Bela Rosa, witbier com pimenta-rosa; Jabutipa, india pale ale (IPA) com jabuticaba; e Caá-Yari, belgian blonde ale com erva-mate.
A busca por cervejas especiais atrai gente dos mais diferentes perfis. Os amigos Tiago Figueiró, Morenno de Macedo, Luiz Marujo, João Paulo Perfeito e Lucas Rabelo estão sempre à procura de novidade quando esse é o assunto. Desde que participaram do Piribier, festival que ocorreu em Pirenópolis (GO) entre 29 de abril e 3 de maio, os colegas de Caixa Econômica Federal se apaixonaram pelas receitas inusitadas. ”Queremos sempre algo novo, diferente”, conta Tiago, que prefere as IPAs e já experimentou cerveja com hibisco.
Os cinco se dedicam agora a cumprir roteiros cervejeiros. No início de agosto, eles estiveram no CasaBier, evento de cervejas artesanais promovido para comemorar os 15 anos do CasaPark. Com o mesmo propósito do grupo de servidores públicos, as amigas Ana Paula Salim, Alessandra Ramos Ferreira e Mônica Azevedo marcaram presença logo na inauguração da feira só para degustar algo diferente. “Gostamos de experimentar. Das mais diferentes que tomei até agora, gostei bastante das apimentadas e de uma com mel, que bebi em Buenos Aires”, conta Ana Paula.
O diretor presidente da Associação dos Cervejeiros Artesanais do DF (Acerva Candanga), José Carlos Ribeiro Reino, o Zeca, explica que o mercado e o consumidor brasileiro chamam a atenção mundialmente pela variedade e pela falta de preconceitos. Bem ao contrário da Alemanha, cuja Lei de Pureza limita a produção cervejeira ao uso de malte, lúpulo e água. “Fazemos tudo por aqui. Eu mesmo produzo há três anos e sou aberto à criação”, diz. Segundo Zeca, o uso de ingredientes como ervas, frutas, chocolates e castanhas exigem ainda mais atenção e dedicação por parte dos cervejeiros. Não é fácil, por exemplo, encontrar o equilíbrio de todo o processo e alcançar um resultado atraente logo na primeira tentativa. O representante da Acerva Candanga arriscou-se com morango, cereja e chá-verde. Em breve, tentará uma cerveja com coco ralado. “Também incentivo bastante a produção com elementos do cerrado”, afirma.
Além disso, o charme na produção artesanal pode começar pelos elementos básicos. No Point do Cervejeiro, na Quadra 104 do Sudoeste, é possível criar inclusive a partir da variedade de malte oferecido no local, a maioria importado da Alemanha, da Inglaterra e da Bélgica. Há 15 opções no total, além de lúpulo e leveduras — os equipamentos podem ser pedidos sob encomenda. “A loja abriu há quatro meses pela necessidade da compra de insumos em Brasília. Muita gente recorre a sites especializados, mas nada se compara a ir à fonte, sentir o cheiro e tocar no produto”, defende o proprietário, Josias Campos Dias.
Formado em informática, Josias também faz cerveja. Produz há um ano e dois meses para consumo próprio e para amigos e familiares. Como ele entende do negócio, muitos clientes aproveitam a chance para trocar ideias. “Muitos estão aprendendo o ofício em Brasília e mostram disposição em inovar. Acabo dando dicas — e recebendo também — para a própria clientela, que realmente quer fazer algo diferente”, revela.