A preocupação com o futuro dos filhos, somada aos problemas da rede pública de ensino, induz os pais a entregarem pequenas fortunas às escolas particulares. Para complementar o investimento: cursos de idiomas, a prática de esportes e qualquer atividade que contribua para a formação intelectual e humana das crianças e jovens com bom poder aquisitivo. A estimativa é de que cerca de 30% do orçamento de uma família de classe média seja investido em educação básica, em Brasília, de acordo com a Associação de Pais e Alunos das Instituições de Ensino do DF (Aspa-DF).
Dos 1.108 estabelecimentos de educação básica – que engloba ensino infantil, fundamental e médio – no DF, 466 são escolas privadas. Entre os 700 mil estudantes, 190 mil estão em colégios pagos. As matrículas cresceram 6,4% entre 2010 e 2012, quando foi lançado o mais recente levantamento da Companhia de Planejamento do DF (Codeplan) com esse comparativo. O DF é a unidade da federação com maior percentual de alunos no ensino particular proporcionalmente à população. Mais de 13% dos brasilienses investem em educação particular, segundo dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número representa mais do que o dobro da média nacional, pois somente 6,8% dos brasileiros gastam com esse intuito.
Marta Brandão e Júlio Cantuária têm três filhos, Luma, Vinícius (camisa branca) e Enzo: 40% do orçamento da família vai para a escola
Na primeira década dos anos 2000, o ensino público em Brasília (considerando o número de alunos) cresceu 5,6%, ainda segundo o IBGE. No mesmo período, a quantidade de estudantes em creches e escolas particulares teve acréscimo de 55%. O alto poder aquisitivo do brasiliense, com a maior renda per capita do país, e a baixa confiança na educação pública indicam o caminho para a compreensão desses dados.
Atualmente, a rede pública do DF não teria capacidade para suprir toda a demanda do ensino básico, segundo estimativas da Codeplan. Isso favorece ainda mais a privatização do saber. A aspiração a conquistar cargos públicos, um sonho constante, especialmente em Brasília, também figura entre os fatores. “Predomina a ideia de que, quanto mais precoces as crianças entrarem no ensino formal, mais cedo estarão preparadas para vestibulares ou concursos. Em Brasília, há esse grande apelo, que faz com que as famílias escolham escolas que ensinem a fazer provas. Essa escola, porém, pode não ser a que prepara melhor para a vida. É preciso avaliar a aplicação do conhecimento científico aliado ao desenvolvimento humano”, aconselha o especialista em administração da educação, mestre em educação e doutor em psicologia Cleyton Hércules Gontijo.
A prosperidade do setor chamou atenção de investidores nacionais e estrangeiros. Colégios tradicionais foram incorporados por empresas nacionais e internacionais. Os pais, entretanto, questionam a qualidade do ensino oferecido e o preço cobrado. “Quando comparamos escolas do DF com as de São Paulo ou Rio de Janeiro, vemos que muitas vezes estamos atrás deles em questão de qualidade. Os preços, porém, são semelhantes ou superiores”, critica o presidente da Aspa-DF, Luiz Cláudio Megiorin.
Laura Maeda com o marido, Edson, e o filho Gabriel, de 7 anos: "Educação é o melhor presente que podemos dar aos filhos, é investimento na formação da criança, e não um gasto"
Somente uma escola de Brasília, o Olimpo, figura entre as 30 melhores do país, de acordo com a colocação no Enem (Veja no quadro). Ela está na 16ª posição e tem mensalidade de 2.433 reais para a 3ª série do ensino médio. O primeiro colocado nacional, o colégio Objetivo Integrado, em São Paulo, cobra 2.383,46 reais mensais, e o segundo, a escola Bernoulli, de Minas Gerais, 1.629 reais. O terceiro colocado nacional, colégio Pensi, no Rio de Janeiro, tem mensalidade de 1.060 reais mais taxas.
Segundo o Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Particular do DF (Sinepe-DF), uma escola de qualidade regular no Plano Piloto cobra em média, no ensino médio, 1.500 reais mensais. No ensino fundamental, o custo é de 1,3 mil reais e na educação infantil cerca de 2 mil reais. “Existem escolas que cobram 4 mil reais e outras que cobram 1 mil reais, então fazemos uma média de valor”, explica o presidente do Sinepe-DF, Álvaro Domingues. Ele rebate as críticas de quem considera os valores abusivos. “Existem boas escolas particulares fora do Plano Piloto com mensalidades entre 500 e 700 reais. Custo é diferente de valor. É preciso levar em consideração o poder aquisitivo do brasiliense e o custo de vida na cidade. Em São Paulo ou no Rio de Janeiro, um colégio de ensino médio de qualidade semelhante a um brasiliense é muito mais caro”, pondera Domingues.
O casal Verônica Pinheiro e Felipe Rodrigues com os filhos, caio, Bruna, André e Felipe (direita): barganha com as escolas não surtiu grande efeito em descontos
Na avaliação do Sinepe, colégios renomados de fora do DF e comparados com os daqui não têm a mesma estrutura física oferecida pelas grandes e tradicionais escolas do DF. “Esse conceito de escola com muito verde, com amplo espaço físico, é muito brasiliense. Quando visitamos outras escolas renomadas, encontramos prédios pequenos, estruturas muito reduzidas”, diz Domingues.
A Lei Federal nº 9.870, conhecida como Lei das Mensalidades, define parâmetros para a cobrança. O desconhecimento das regras, porém, leva famílias a não negociar seus direitos. Para entender como se chega ao valor final da cobrança mensal, é preciso conhecer os gastos da escola. “O maior custo é com pessoal. A folha de pagamento líquida representa 35% do valor de arrecadação de uma escola. Somam-se a isso encargos e provisionamentos, custos operacionais, locatícios e outros impostos. A lei existe para trazer razoabilidade para a conta. O maior controlador, porém, é o mercado”, esclarece o presidente do Sinepe.
A maior parte dos centros de ensino não divulga os gastos em detalhes nem presta contas aos clientes. Na contramão da maioria, o colégio Seriös, na Asa Sul, pratica a transparência com relação aos gastos da escola. Planilhas de custo estão disponíveis para qualquer pessoa interessada em matricular criança ou adolescente nesse estabelecimento. Basta agendar uma reunião com a diretoria. “Todos os pais são informados de cada uma das rubricas que dizem respeito à prestação de serviço: sobre o aluguel do prédio, custos administrativos fixos (água, luz, material de limpeza e segurança, por exemplo). Todos os componentes são apresentados às famílias para que entendam que aquela mensalidade que elas pagam está em conformidade com o serviço que é prestado”, explica a diretora do Seriös, Kedma Villar.
De acordo com Kedma, a maior despesa do colégio é o salário dos professores. Nessa instituição, os docentes de ensino infantil ganham, em média, 8 mil reais, os do ensino fundamental têm cerca de 9,5 mil reais como remuneração e os educadores do ensino médio, por volta de 13 mil reais. São 792 alunos e 195 funcionários – média de quatro contratados para cada discente. “Nossos professores são muito bem pagos e não precisam ter outros empregos. É um dos nossos diferenciais. Nós oferecemos ensino integral e, por isso, eles têm dedicação exclusiva, o que faz toda a diferença na qualidade do ensino e possibilita maior interdisciplinaridade nos conteúdos ensinados em sala de aula, pois os professores trocam informações e planejam aulas juntos”, afirma a diretora.
Luís Claudio Megiorin, presidente da Associa-
ção de Pais e Alunos das Instituições de Ensi-
no do DF, aconselha: "Pais devem ficar atentos"
As mensalidades são de 3.056 reais (ensino infantil integral), 3.198 reais (fundamental integral) e 2.747 reais (ensino médio semi-integral, recém--inaugurado). A escola dispõe de dois professores por sala de aula – no maternal, são três. São seis aulas semanais de inglês para as crianças, o que dispensaria um curso extra. Há ainda disciplinas obrigatórias, como educação financeira, moda e gastronomia. O valor das mensalidades, segundo a diretora, não é suficiente para cobrir as despesas da escola. Um investidor faz aportes financeiros para mantê-la. “A escola está em seu quarto ano. A previsão é que comece a lucrar no quinto ano de funcionamento”, diz a responsável.
A diretora diz nunca ter recebido queixas sobre os valores cobrados. “Somos uma empresa privada, que busca o lucro, não há nenhuma imoralidade nisso. Os pais se sentem confiantes, pois há transparência e valores justos. Não se podem cobrar dos alunos despesas que não são relativas ao serviço prestado, como modernização de equipamentos, reformas estruturais, marketing ou aquisição de livros para a biblioteca. Os pais precisam ficar atentos a cobranças ilegais na hora de reajustar o valor mensal”, avalia Kedma. O reajuste anual das mensalidades é baseado em índices como INPC, IGP-M e também no aumento de salário dos professores. No ano passado, o reajuste do preço pago pelos clientes do Seriös ficou em 10,5%.
De acordo com a Aspa, os preços de algumas mensalidades de escolas em Brasília aumentaram de 30% a 50%, nos últimos cinco anos. A qualidade do ensino oferecido, porém, nem sempre é proporcional a esse crescimento. “Uma escola particular não é garantia de qualidade. Os pais devem ficar atentos à qualificação dos professores, se eles têm dedicação exclusiva. Se a escola coloca mais de 30 alunos na mesma sala, a qualidade já fica ameaçada. Uma boa escola pública é rara, mas existe, pode ser melhor do que uma particular mediana. É preciso participar das reuniões e sentar-se à mesa para negociar o preço, além de acompanhar de perto o trabalho. A negociação do aumento da mensalidade é garantida por lei”, afirma Luiz Cláudio Megiorin.
Kedma Villar, diretora executiva do Colégio
Seriös, relata que abre as contas da escola
para os pais: transparência total
É preciso fazer malabarismos com o orçamento familiar para bancar os privilégios de uma educação privada. Ana Paula Sisnando tem quatro filhos em idade escolar, todos em colégio pago. A filha mais velha ganhou bolsa de estudos graças ao bom desempenho na seleção, o que facilitou o pagamento das mensalidades dos três irmãos. “Ela ganhou o desconto em várias escolas e pudemos escolher, de acordo com a proposta pedagógica. Ficamos com a escola mais inovadora, que abre diversas possibilidades, como o incentivo a estudar fora do país durante a universidade”, diz Ana Paula.
Os mais novos estudam em período integral e aprendem sobre circo e marcenaria, entre outras disciplinas lúdicas, o que para Ana Paula justifica os custos da mensalidade. “Educação é o melhor presente que podemos dar aos filhos, é investimento na formação da criança, e não um gasto. Abrimos mão de outras coisas para focar o máximo neles. Evitamos gastos supérfluos para poder fechar as contas todo mês. Como a escola é integral, não precisamos mais de babá nem de pagar atividades físicas por fora”, explica a mãe.
A professora Laura Maeda e o dentista Edson Maeda avaliaram diversas escolas antes de escolher um renomado colégio particular em Taguatinga para matricular o filho, Gabriel, de 7 anos. “Na nossa visão, é a melhor no aspecto pedagógico, oferece segurança e tem boa comunicação com os pais. Embora seja muito cara, é investimento”, afirma Laura, sob o mesmo ponto de vista de Ana Paula. Além da escola, a família proporciona aulas de futebol, inglês e natação a Gabriel. “O esporte ajuda no desenvolvimento, na formação da criança, ensina a respeitar o adversário, formar caráter. Por isso, é uma de nossas prioridades no orçamento familiar”, diz a mãe. Cerca de 30% da renda do casal é dedicada aos estudos do filho. A recompensa é ver o desenvolvimento de Gabriel.
Espaços mais amplos e infraestrutura superior: algumas das razões apontadas pelas escolas particulares para justificar os preços mais altos
Famílias com mais de um filho sentem ainda mais os impactos dos custos da educação. A secretária executiva Verônica Pinheiro Teixeira e o analista de sistemas Felipe Veiga Rodrigues têm quatro filhos em idade escolar, todos em colégios pagos e com horário integral. Apesar de os quatro estarem na mesma escola, o casal teve de barganhar desconto. No fim, o abatimento foi pouco significativo. “As escolas poderiam ser mais sensíveis a essa questão, mas não são. Aqui em casa, precisamos estabelecer prioridades por faixa etária. Os mais novos priorizam os esportes e os mais velhos, cursos de línguas, por exemplo”, explica a mãe.
Com os valores cobrados, a família não consegue manter todos os filhos em todas as atividades desejadas. O mais velho, André, faz inglês e aula de vôlei. Bruna matriculou-se na capoeira, Caio, na natação e Felipe, o mais novo, frequenta apenas a escola convencional. “Para manter tudo isso, fazemos um planejamento anual, tudo muito bem definido. Uma viagem de férias, por exemplo, nunca é decidida em cima da hora”, diz Verônica.
Além do colégio e das atividades extras, é preciso somar à conta gastos com moradia, transporte, roupas, alimentação e cultura. Como prioriza a educação, a família opta por passeios gratuitos, com idas ao Centro Cultural Banco do Brasil, e só vai ao cinema durante a semana, quando o ingresso é mais barato. “Abrimos mão de várias coisas para oferecer uma educação melhor a eles. Mais do que preparar para o mercado de trabalho, queremos plantar neles a semente do caráter, de ser uma pessoa de bem”, afirma a mãe.
Os três filhos da advogada Marta Leitão Brandão e do marido, Júlio Cantuária, estudam na mesma instituição particular de ensino. Consomem 40% do orçamento familiar. “As melhores escolas têm professores com dedicação exclusiva e pagam ótimos salários a eles. Não basta olhar a posição de uma escola em rankings. É preciso ficar atento aos valores que são pregados dentro da escola. Não acredito em escola que só visa volume de alunos, com espírito de lucro. Prefiro uma na qual meus filhos sejam chamados pelo nome”, avalia o pai.
Vinícius, de 15 anos, Enzo, de 8, e Luma, de 10, os filhos do casal, frequentam atividades extraescolares, como aulas de música e esportes. “O Estado não fornece opções com a mesma qualidade, então deixamos de fazer algumas atividades para priorizar a educação. Os preços são arrepiantes. Gostaríamos de pagar o preço justo”, afirma Marta.