No embalo da vida
Bailes para idosos fazem sucesso no DF, onde a população vive cada vez mais ativamente. Todas as regiões contam com programação gratuita
Nos bailes, a expressão limitadora “não tenho mais idade para isso” não tem vez. Quem lida com problemas de circulação dá um jeito de combinar a meia terapêutica com o vestido de festa. Os que sentem dores nas articulações respeitam o próprio ritmo e descansam entre uma música e outra. Há também os que têm a saúde intacta; não precisam de pausa para se restabelecer e conservam a energia da juventude, aos 80 anos ou mais.
Às segundas, quartas e quintas-feiras, quando o relógio marca 14h, o salão do CCI do Guará começa a receber pessoas em busca de diversão. Funciona desde 1991. São homens alinhados, perfumados, com camisa social bem passada, óculos escuros, sapatos brilhosos e chapéus de vários modelos. Suas companheiras de dança também capricham no visual: escolhem a melhor roupa e o maior sorriso para a balada vespertina. Modesta Fernandes, de 82 anos, é costureira e tem uma banca na Feira do Guará. Chama a atenção pelas bochechas marcadas com blush, as orelhas ornamentadas com brilhantes e o cabelo arrematado com flor. Óculos imitação da grife Prada completam o visual. Ela escapa do trabalho para dançar duas músicas. “É o que o fôlego aguenta.”
Maria do Socorro Rodrigues, de 75 anos, é a organizadora do baile e presidente do CCI do Guará. Promove bingo durante as festas para arrecadar dinheiro. Com a verba, garante a limpeza do espaço, a pintura das paredes, refeições e ajuda a quem precisa. “No começo, era só uma vitrolinha. Hoje, temos música ao vivo”, orgulha-se. Cerca de 200 pessoas frequentam o local. Ela também promove palestras, atendimento médico e oficinas de artesanato, mas nada faz tanto sucesso quanto a dança. “Começamos a nos reunir como um grupo para hipertensos e diabéticos. Virou uma terapia. Muitos idosos vivem sozinhos ou com famílias que não os tratam bem. Aqui, encontram amigos e, com muita frequência, o amor. Afinal, a velhice não precisa se resumir a doenças e problemas”, diz.
A presidente fala com conhecimento de causa. Ela se apaixonou pelo marido, Pedro Xavier, de 91 anos, no grupo. Ele é o mais velho entre os frequentadores; é também um dos mais animados. Juntos, eles promovem excursões entre amigos e viajam para dançar em outros CCIs. O romance não é raro nesse ambiente, onde as mulheres também tiram os homens para dançar e superam as convenções sociais nas quais foram educadas, décadas atrás. Francisco Damásio, de 75, e Teresa Alves, de 70, vivem juntos há três anos. Namoraram no passado, ficaram oito anos afastados e se reconciliaram. “Dessa vez é para sempre”, afirma Teresa, de mãos dadas com o namorado. Os dois têm problemas cardíacos e usam a dança como exercício físico. Moram em Águas Lindas e viajam durante uma hora e meia de ônibus para ir à festa. “Vale a pena. Aqui, somos muito felizes”, avalia Teresa.
Há também quem só deseje observar os passos dos outros no salão. Ao som da música antiga, Augusta Maria da Costa, de 79 anos, sente saudade. Contabiliza cada momento ao lado do marido, Antonio Fernandes: foram sete anos, nove meses e 25 dias. Ele morreu em 1994 e, desde então, Augusta perdeu o gosto pela dança. “Nós não tínhamos nada além de amor, comíamos no mesmo prato. Tudo perdeu um pouco da graça sem ele para me pegar pela mão e levar para dançar junto dele”, lembra.
Há quem só queira dançar sem compromisso, no melhor estilo “girls just wanna have fun”. Arlete Maria Lopes, de 72 anos, já ganhou títulos de Rainha da Primavera e Rainha da Terceira Idade em concursos do CCI. “Sou forrozeira de segunda a segunda, vou a bailes na cidade toda”, diz. “Ela faz coisa que até Deus duvida”, entrega a amiga Dalva Lima, de 70 anos. Divertir-se faz bem para o corpo e a alma. Quando começou a frequentar o baile, Dalva estava em depressão. “Conheci gente diferente, fiz amigos e me lembrei de como era a sensação de aprender e ensinar, que é o bom de estar vivo”, relata.
A dança é recomendação médica. Sebastião Quinto, de 80 anos, dança no baile do CCI de Taguatinga toda segunda-feira, a partir das 14h. “O médico quis saber o que eu gostava de fazer. Eu disse: dançar. Ele falou que era a melhor atividade”, relata. Rita Rodrigues, de 72, e Manoel Adelino, de 74, são amigos e sempre dançam juntos. Eles também enxergam a dança como mais do que diversão. “A saúde melhora muito”, diz ela. O baile de Taguatinga também tem música ao vivo. O tecladista Chico Ramalho, de 67 anos, leva o sobrenome famoso da prima, Elba. Toca desde os 5 anos e é um dos favoritos do público no CCI.
Maria de Lourdes Severino, de 74 anos, é a presidente em Taguatinga. O grupo existe há três décadas. Além do lazer, oferece ginástica, tratamento de saúde e alfabetização ao 350 idosos cadastrados. “Procuramos saber da vida de cada um. Muitos têm filhos maravilhosos, outros são maltratados e nós precisamos intervir para lhes dar qualidade de vida e dignidade”, relata Maria, sempre alerta ao bem-estar dos amigos.
Um dos bailes mais tradicionais e pomposos de Brasília, a seresta do Clube dos Previdenciários, completou 40 anos recentemente. Ali, não se abre mão do glamour. Os convidados devem vestir traje esporte fino e algumas noites são embaladas ao som de orquestra. A festa ocorre toda sexta-feira, a partir das 21h. A entrada custa R$ 40 (sócios têm desconto, assim como idosos, estudantes, policiais militares e professores). O clima do baile é familiar. “Nosso propósito é ser um baile para toda a família, não só para os mais velhos. É uma oportunidade de aproximar as gerações”, diz o organizador Jorge Trindade.
O evento começou com três casais de sócios. Hoje, recebe mais de 500 pessoas por edição. Heber Carvalhedo, de 66 anos, e a namorada, Lesancy Santos, da mesma idade, conheceram-se no Previ, como o local é carinhosamente chamado. “Gostamos daqui porque nos sentimos à vontade, gostamos das músicas. Temos um grupo animado, que vem desde o começo. Gostamos também da regularidade, pois toda sexta é garantido que tem seresta. O ambiente é muito tranquilo, sem confusão”, descreve Heber, entre uma música e outra. A conversa é breve, afinal, é preciso dançar.