Na onda natural
Passada a vez dos cabelos ultralisos, os fios com movimento próprio estão de volta, prometendo um visual mais antenado e saudável. Veja a evolução ao longo das décadas
Em tempos de cada vez mais cuidado com a origem dos produtos – os orgânicos ganharam força – e a moda voltando-se para o natural, os cabelos femininos também acabaram assumindo sua personalidade inicial. Nos salões da capital, o comportamento já é comum e caminha sustentado pela indústria dos cosméticos, que viu o filão criado pelo desejo de originalidade das cabeleiras bem cuidadas.
“Quando a mídia coloca para a mulher do dia a dia algo como um objetivo tendencioso, ela se referencia por esse tipo de beleza, do cabelo, do vestuário”, comenta Gisele Sales, que observa essa realidade no salão da QI 11, no Lago Sul, em que trabalha. Nome escolhido para cuidar de grande parte das noivas que se casam atualmente na cidade, a cabeleireira conta que é nítida a influência das celebridades internacionais e nacionais na cabeça das brasilienses. Em razão disso, talvez, tenha demorado um pouco mais para elas assumirem a identidade múltipla que seus fios têm. “A morena de cabelo escuro, a índia ou a mulher de descendência afro que usa o cabelo crespo sem interferência nenhuma, são como se fosse um diamante bruto”, diz, citando a padronização que acabou dominando os visuais nos últimos anos. “Hoje, a mulher está mais bonita pela naturalidade”, atesta a cabeleireira. “Se essa naturalidade é transformada de um jeito cool, elegante, contemporâneo, a mulher se torna chique e evoluída sob todas as estéticas.”
Segundo Gisele, profissional do Desiderata Hair Institute, que lida há 18 anos com cabelos e não faz procedimentos químicos com o intuito de alisar as madeixas, foi-se o tempo em que o padrão Barbie ou da mulher supermontada estava em voga. Gigi, como ficou conhecida, cita como exemplo uma cliente que passou por sessões de quimioterapia e acabou perdendo parte do cabelo longo, totalmente descolorido, que usou por anos. “Hoje, ela está com o cabelo curto, extremamente rocker, meio Charlize Theron”, compara. “Está usando o tom ruivo, que é dela, com uma tendência atual, e se você perguntar se ela quer voltar a ter o cabelo de antes ela vai dizer: nunca mais na minha vida.”
A escolha pelo cabelo natural, entretanto, é uma questão mais profunda. Tem a ver, principalmente, com autoconhecimento, segundo a especialista. “Toda mulher que não se conhece no espelho tem essa tendência de se sentir feia, que não está bem, que as pessoas vão olhá-la de uma maneira diferente”, observa. Foi o que aconteceu com Ana Beatriz Oliveira, de 24 anos. Acostumada desde pequena a ver a mãe escolher os procedimentos químicos em detrimento das ondas espontâneas, ela também seguiu pe- las chamadas escovas com formol durante 10 anos. “Como eu tinha 13 anos e não sabia cuidar, resolvi alisar. Era só uma questão de saber lidar”, reconhece. Depois de perder boa parte dos fios em consequência dos fortes efeitos causados pelas aplicações constantes, ela decidiu cuidar das mechas de maneira natural e hoje enxerga por outra ótica o comportamento que adotou por anos. “Alisamento só serve para nos escravizar, ficamos reféns sempre que a raiz cresce.”
Atualmente, ela defende o uso de tratamentos e cuidados específicos para o tipo de cabelo de cada um. Assim, é possível desvincular-se de artimanhas para “moldar” os comprimentos. “É muito fácil e mais barato”, garante ela, que segue um cronograma capilar pelo qual, semanalmente, hidrata o cabelo em casa com máscaras para cabelos crespos e faz umectação, procedimento por meio do banho de óleos vegetais puros, prensados a frio, que encontra em farmácias naturais. “Meu couro cabeludo é outra coisa e o cabelo passou a crescer muito rápido”, relata. Segundo Ricardo Maia, responsável pelos cortes e finalizações de figuras como a apresentadora do Fantástico Poliana Abritta, a partir dos anos 2000 os cabelos começaram a se democratizar, com cada mulher explorando mais seu estilo próprio. “Lógico que sempre tem uma tendência, mas passaram a ser várias, e não uma única”, comenta ele, que começou a trabalhar com fios ainda na infância e hoje responde por um dos salões mais respeitados da cidade, na QI 7 do Lago Sul. É no endereço que ele mantém entre 70% e 80% da sua cartela de clientes com o perfil de fios naturais.
Muito procurado por mulheres de cabelos ondulados ou cacheados, ele pontua que não se especializou nesse perfil, mas sempre buscou valorizar o original. Inclusive, o salão não realiza nenhum tipo de alisamento. “Se você tem cabelo cacheado, tem de adequar o corte para usá-lo”, frisa Maia. A dica caminha ao lado das manutenções cada vez mais voltadas para as mechas que fogem do liso. O realinhamento de fios, para reduzir o frizz comum, e a ressurreição capilar, que dá vida nova ao cabelo danificado, por meio de quatro etapas, estão entre os serviços oferecidos para quem deseja ter o balanço dos fios saudáveis.
Sobre a moda dos escorridos pela química, ele duvida de uma retoma- da. “As mulheres que fazem (escova) progressiva dão a desculpa de que é prático. Eu acho que é mais um padrão”, opina, pouco antes de lembrar o resultado real desses procedimentos. “Progressiva tem o efeito maçã do amor: é brilhante por fora, mas, quando você morde, ela está toda podre por dentro”, explica. E a dificuldade fica, principalmente, na retomada de vida dos fios. Para se livrar do alisamento, apenas com a tesoura mesmo, afirma Maia. Entre um corte e outro, porém, algumas iniciativas podem auxiliar. “Usar, pelo menos duas vezes por se- mana, um xampu de limpeza profun- da, para ir tirando o resíduo, e fazer uso de algum leave in para texturizar, deixando voltar a ondulação perdida, ajudam”, recomenda o cabeleireiro.
Uma das profissionais que ostentam belas ondas na equipe da Maia, a hair styling Letícia Lima nunca abriu mão dos cabelos naturais, mas frisa que o segredo está, especialmente, em gostar do próprio fio. “E ter um bom terapeuta capilar, porque ele vai estar sempre ante- nado nos finalizadores e nos tratamentos para o seu tipo de cabelo”, explica.