O dono da festa
Há mais de 30 anos à frente dos principais shows da capital, Marcelo Piano vai além das grandes bilheterias e defende a conscientização do público em prol do meio ambiente
Na fatídica apresentação que terminou em confusão no Mané Garrincha, em 1988, o jovem produtor, à época com 20 e poucos anos, fazia sua estreia no mundo do show business, após encabeçar, anos antes, festas que tentavam tirar da monotonia a igualmente jovem capital. “Não existe uma universidade para aprender a produzir um show”, lembra o empresário, que prefere ser chamado de facilitador, por fazer a ponte entre o público e o entretenimento. Pela falta de formação especializada, ele optou pelo curso superior de administração, seguido por uma pós-graduação em marketing. Mas a paixão pela adrenalina envolvida nas projeções de som e luz nunca saiu do cerne. “Só vou deixar de mexer com isso quando sentir que não tenho mais capacidade técnica de entrega”, avisa, no auge dos 50 anos, com um pique invejável.
De lá para cá, as contas se exponencializaram. Em uma soma feita por alto, foram, certamente, mais de 500 shows realizados, incluindo o saudoso e ousado projeto da Micarecandanga. “Foi o embrião, onde todos nós bebemos dessa água fresca”, conta, dividindo a responsabilidade com outros importantes realizadores, que fizeram carreira a partir da festa que reunia milhares de pessoas atrás do trio elétrico pelos eixos brasilienses. “Começou a criar-se uma casta de produtores. Pessoas que, depois, se transformaram em grandes empresários.”
Dessa fase, ele carrega amizades consolidadas através do tempo e de dezenas de contratos fechados, desde então. “O Durval (Lelis) é um grande amigo e irmão”, conta, com carinho perceptível no tom de voz. “Com ele, eu converso muito a respeito de todos os processos musicais, porque, além de ser um grande músico, ele tem um dom empresarial fantástico.” De Bell Marques, por anos vocalista do consagrado Chiclete com Banana, ele aproveita a experiência de levar a música baiana de norte a sul do país. “É um dos empresários mais bem-sucedidos no segmento musical”, constata.
Piano trouxe Saulo Fernandes, ex-Banda Eva, para o meio do Parque da Cidade, no início de outubro, em um show totalmente lúdico. “Queríamos levá-lo para um lugar inusitado. Ele já tinha tocado Na Praia (projeto que ocupou a orla do lago Paranoá, há poucos meses) e nós o levamos para tocar em meio às árvores.” Mas é com o chamado “rei” que Piano diz ter suas principais lições e memórias. “De todos eles, o que mais me ensina é o Roberto Carlos”, destaca. “Quando um artista consegue por cinco décadas ser campeão de venda, unanimidade, se manter longe de escândalos, é algo a se espelhar”, conclui. Apesar de já ter tido na agenda astros internacionais como Shakira e Jack Johnson, o produtor afirma que a apresentação que culmina em uma chuva de rosas após a apoteose ao som de Jesus Cristo é, sem sombra de dúvidas, a mais complexa que realiza.
São 17 anos trazendo esse ícone da música a Brasília; e 17 anos em que a produção precisa ser o mais alinhada possível. “Esse nível de artista também traz um nível de público que é o mais exigente que existe”, acrescenta o empresário. A alma do ofício que exerce, de acordo com Piano, é que as pessoas consigam ter exatamente o que esperam com o dinheiro aplicado. Considerando que tudo o que envolve uma grande produção é delicado – da qualidade do áudio pedida pela equipe do artista contratado ao que ele vai comer no camarim e onde vai dormir –, Piano destaca os três pontos que não podem fugir da mente: “Diversão, segurança e conforto”. A segunda ponta do tripé, entretanto, continua sendo o principal desafio.
Sem o envolvimento de diferentes corporações públicas, como Polícia Militar, Defesa Civil e Juizado de Menores, ele pontua que seria impossível realizar qualquer evento aberto. “Mesmo com eles, não é fácil”, reconhece. O comprometimento com que, claramente, lida com as grandes produções o levou a conceber, há quatro anos, um projeto ligado à sustentabilidade e conscientização da população em relação ao meio ambiente. “Chegamos à conclusão de que era necessário criar conteúdos com uma responsabilidade sociocultural”, recorda. As bilheterias estritamente voltadas para a diversão passaram a ter pouco eco para a empresa que viveu o auge nas últimas três décadas.
Em outubro, o Green Move brindou a sua quarta edição com um público de 250 mil apenas no segundo dia de atividades e sem nenhuma ocorrência policial registrada. “É, hoje, a menina dos nossos olhos. O evento que faz nosso coração bater mais forte”, declara-se, pouco antes de explicar a essência do projeto, que propõe desde a ida ao local da festa de bicicleta até a plantação de árvores e palestras em escolas públicas. “Ele transcende a ideia da troca de um ingresso pela diversão e coloca a atitude da pessoa em prol de um futuro digno para os nossos filhos.” Depois de mais de 30 anos, Piano considera que, com o evento, que teve a última edição na Esplanada dos Ministérios, atingiu a plenitude como produtor. “Naquele momento, facilitamos que a pessoa tenha, de uma maneira extremamente suave e sinérgica, consciência do que é importante”, diz, com uma vibração que facilmente contagia.
Acostumado a vivenciar o sucesso e o crescimento dos mais diferentes estilos musicais, o empresário, atualmente, busca entender as tendências do momento, acompanhando constantemente, em especial, os burburinhos nas redes sociais. “Na década de 1980, era o rock and roll”, lembra. “Depois, nos anos de 1990, veio a explosão do axé music, algo jamais visto”, completa. Hoje, ele garante que tudo na música é cíclico. Segundo o produtor brasiliense que acabou de reunir Almir Sater e Orlando Boldrin em estilo intimista, e tem agendado para dezembro Gal Costa, Brasília é um mercado extremamente comprador de diversão. O detalhe fica por conta de saber quais estilos merecem ser trazidos em determinado momento e onde devem ser apresentados. “Essas sacadas já são evoluções do negócio que vamos tendo ao longo do tempo, e a equipe vai desenvolvendo”, finaliza, mencionando a enxuta staff fixa de mais três pessoas que ajudam a U.Piano a crescer.