Era final da década de 1960 e um oftalmologista americano pesquisava soluções não cirúrgicas para tratar o estrabismo. A toxina testada, que consiste em complexo proteico produzido por uma bactéria, tinha o efeito de bloquear um neurotransmissor, impedindo assim que o músculo se contraísse. A experiência foi bem-sucedida e em 1973 Alan B. Scott publicou o primeiro artigo sobre o assunto, legitimando o uso da substância para diminuir o desalinhamento dos olhos.
"Nós marcamos onde estão as glândulas
sudoríparas, que produzem mais suor,
e aplicamos ali a toxina", explica o
dermatologista Erasmo Tolarski
A partir daí, as descobertas foram crescentes (confira na página ao lado os diagnósticos que podem ser tratados). Ao ver o marido usar a toxina – popularmente chamada de botox, uma das marcas mais conhecidas do produto –, a dermatologista canadense Alastair Carruthers percebeu a melhora de rugas próximas à região em que pacientes recebiam as aplicações terapêuticas. Os estudos continuaram com bons resultados também na estética, e desde 1996, então, explora-se seu uso também cosmético.
“Foi-se descobrindo aos poucos, ao acaso”, conta o dermatologista Erasmo Tolarski, atual presidente do Instituto Centro-Oeste de Educação e Pesquisa. Desde 1996, ele aplica a toxina botulínica tipo A para fins estéticos e, posteriormente, também para tratar hiperidrose. “Nós marcamos onde estão as glândulas sudoríparas, que produzem mais suor, e aplicamos ali a toxina”, explica o processo, que é combatido principalmente em mãos e axilas, mas também tem ação nos pés. “Com isso, o músculo não contrai, porque ele não está recebendo estímulo, e não produz suor”, detalha o especialista.
“É muito rápido, instantâneo quase”, relata o advogado Fabrício Colaço, paciente de Erasmo Tolarski, sobre o resultado, após fazer a segunda aplicação. “Desde os 18, 19 anos, eu ficava muito incomodado com o suor, e não fazia ideia que tinha essa forma de tratamento”, conta. A ação do botox, assim como no uso estético, tem efeito passageiro. Em aproximadamente quatro, cinco meses, os estímulos vão voltando ao normal, tornando necessária uma nova aplicação, a depender do caso. Mesmo pagando 2 mil reais por encontro com especialista, Fabrício Colaço considera o efeito bastante válido. “Para quem sofre de excesso de sudorese, é sensacional. E, pelo resultado, não acho caro”, pondera.
Fabrício Colaço notou os resultados da aplicação de botox para o tratamento de sudorese desde a primeira sessão: "É rápido"
Segundo Erasmo Tolarski, o conhecimento cada vez mais aprofundado por parte dos médicos e a experiência no uso da toxina ajudaram na difusão dos tratamentos. Ele conta que na Unipele, clínica onde atende, a procura é grande, com cerca de 80% dos pacientes fazendo sessões com o produto.
No Centro Clínico Orthopectus, o fisiatra e especialista em reabilitação e medicina esportiva Moacir Neto faz uso do botox para melhorar diferentes distúrbios neurológicos de movimentos e espasticidades. Ele destaca que alguns estudos apontam resultado até em artroses de joelho e tendinite, por exemplo.
O fisiatra Moacir Neto faz uso do botox
para melhorar diferentes distúrbios de
pacientes: resultado até em artroses
de joelho e tendinite
O diagnóstico, de acordo com o médico, é clínico, por meio de exames físicos. “Você faz o estiramento rápido do músculo e, quando a pessoa tem dificuldade, ele fica mais tenso, rígido, não fazendo o movimento com a harmonia normal”, descreve, acrescentando que existem escalas para definir o grau da espasticidade. “A partir desse exame, é calculada a dose a ser usada, bem como músculo e local inde será aplicada a substância”. O campo de atuação da toxina, também no âmbito neurológico, é extenso. Ela consegue atingir desde músculos da cabeça, para enxaqueca, cefaleia crônica e paralisias faciais, até membros de forma geral, como braço, perna, pé, mão e coluna.
“Começamos a ver um bom efeito dela em torno de 15 dias, aproximadamente, e vai durar uma média de três a seis meses, variando de acordo com o paciente”, pontua Moacir Neto. De acordo com o fisiatra, para algumas patologias, a melhora é tão boa que o paciente chega a não precisar de mais aplicações. Outra vantagem, especialmente em relação aos medicamentos orais, é que a toxina não tem efeito em determinado órgão ou sistema.
As contraindicações costumam ser comum a todas as áreas. A especialista em dermatologia e medicina estética da clínica Inove Joana Morimitsu destaca que, em geral, gravidez, infecção no local, intolerância à dor e certas doenças neurológicas, como miastenia grave (distúrbio crônico neuromuscular caracterizado pela fraqueza muscular e fadiga rápida quando o músculo é exigido), são alguns dos impedimentos para o uso da toxina botulínica. Adepta do trabalho com botox há um ano e meio, ela realiza sessões para bruxismo, com recomendação odontológica, e para correção de assimetrias faciais. “O efeito da toxina é diminuir a contração muscular. Se um lado é menor do que o outro, eu tento compensar, relaxando-o”, explica. E para os mais medrosos, ela frisa: “Na maioria dos casos, não é usado sequer anestésico”.
Joana Morimitsu aplica botox para aliviar os sintomas de bruxismo da paciente Cleici Kallai: o método eliminou um problema de mais de 10 anos
Para a empresária Cleici Kallai, o método terapêutico eliminou o problema de mais de uma década. Até a primeira sessão, ela já estava acostumada às reclamações do marido sobre o ruído que fazia todas às noites ao dormir, com o ranger de dentes. “O bruxismo dela é tão forte que ela já desgastou a placa que utilizava”, explicou o filho ao acompanhá-la para as aplicações. Pouco mais de um mês, a melhora foi perto de 90% nas dores e no barulho, segundo ela. “Daqui seis meses vou fazer de novo”, planeja ela, satisfeita.
Avanço: o dentista Marcos Cunha
diz que, até antes do botox, o
sorriso gengival só era resolvido
com cirurgia periodontal
Na clínica odontológica Smile Center, as intervenções aparecem ainda para tratar excesso de salivação, dores de cabeça em razão de estresse excessivo da musculatura mandibular e até correção do sorriso gengival, aquele em que aparece bastante a gengiva. Este último é considerado um avanço para os médicos, como conta o dentista Marcos Cunha: “Até antes do botox, só se fazia cirurgia periodontal para resolver por definitivo o sorriso gengival”. E apesar de serem tratados com a mesma substância, algumas variáveis mudam de acordo com o diagnóstico, que precisa ser sempre de um odontologista. “Para cada quadro, mudam-se os pontos, a quantidade de aplicação e a quantidade de toxina”, informa o profissional. O valor, por isso, flutua: de 1.200 a 1.500 reais por sessão.
E não raras às vezes, o botox volta a ter seu papel inicial. No Hospital Oftalmológico de Brasília (HOB), o recurso é utilizado ainda para o estrabismo e para o blefaroespasmo. A principal diferença em relação ao uso estético é que na esfera ocular o efeito não é tão temporário assim. “Ele causa a mesma paralisia da musculatura, assim como na face, mas, além da paralisia em si, ele age modificando as fibras musculares”, explica a chefe de oftalmopediatria e estrabismo do HOB, Regina Sakamoto. Estudos apontam que essas fibras acabam sofrendo um alongamento, mudando suas estruturas e fazendo com que haja diminuição da contratura da musculatura, que é uma das coisas que acontece com o estrabismo.
"A cirurgia tem os cortes, os pontos. No caso do botox, não. É só uma injeção", diz a chefe de oftalmopediatria e estrabismo do HOB, Regina Sakamoto
A aplicação pode acontecer de duas formas: com um aparelho chamado eletromiógrafo ou uma pinça, com agulha de insulina, que é o método mais fácil, segundo a médica. Para anestesiar o local, pacientes adultos recebem um colírio e crianças, uma anestesia inalatória, que serve apenas para o pequeno relaxar. “É bem rápido”, conta a especialista, completando que essa é outra vantagem do procedimento. “A cirurgia tem os cortes, os pontos. No caso do botox, não. É só uma injeção”, pondera. “Não tem alteração da estrutura e pode-se fazer mais vezes, que não tem problema.”