Aos 21 anos, a advogada Bárbara Silveira decidiu comprar um apartamento na 212 Norte: "Escolhas pensadas com cuidado"
Em 2010, eles eram pouco mais de 98 mil. Quatro anos depois, o número de indivíduos que não precisa se preocupar com que lado da cama dormir, que horas chegar ou quanto de louça na pia está por lavar já ultrapassava os 151 mil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE) em sua última pesquisa divulgada sobre os moradores do Distrito Federal. A divisão desse grupo fica entre a parte da população mais antiga a ocupar os eixos – que vem envelhecendo na capital com a melhor qualidade de vida do país, de acordo com pesquisa divulgada pela consultoria Mercer, em fevereiro – e os jovens adultos que, entre os 20 e 39 anos, somam mais de 997 mil (33,5% do total de habitantes).
A mudança no quadro demográfico é gritante. Nos últimos 20 anos, a capital brasileira viu seus imóveis, que antes eram ocupados pela maioria de até cinco indivíduos, mudar para metragens bem menores. Com uma parcela de representantes bem-sucedidos profissionalmente, a conta acaba por fechar nos filhos que escolhem viver a fase adulta em espaço próprio, adquirido ou alugado.
“Eu não sou daqui, meus pais moram em Formosa (GO), e eu vim com 17 anos para fazer faculdade”, resume a advogada Bárbara Silveira, que há cinco anos mora sozinha em um apartamento na 212 Norte. A decisão de comprá-lo veio aos 21 anos, com apoio do pai, após a experiência de morar em uma república de meninas. “Mas, depois que você vai ficando mais velha, vai ficando mais enjoada, né?”, indaga, com certo humor, assumindo a veia de manias e decisões pessoais que tem ficado cada vez mais evidente no espaço individual.
As escolhas, segundo ela, começam desde os objetos vintage, como a máquina de escrever e a mala de madeira do avô que selecionou para decorar a sala, até o dia em que a faxina irá acontecer. “Não tem aquele negócio de pai e mãe, de ter comida todo dia, como é quando se mora com eles”, cita um dos poucos contras que acumula sobre a experiência, há dois anos dividida com Pingo, o cachorro de estimação. O aprendizado, apesar disso, vem acompanhado de morais de história positivas: “Ficamos mais preocupado com as suas coisas”, admite. “Afinal, escolhemos com muito cuidado.”
Bárbara faz parte de um dos perfis mais comuns a viver em pequenos imóveis no DF. De acordo com a demógrafa, estatística e professora da Universidade de Brasília (UnB) Ana Maria Nogales, a ocupação dos chamados arranjos unipessoais, ou seja, com um morador, é dividida primordialmente em dois grupos. “Muitos desses são migrantes”, lista a especialista, que no ano passado publicou um artigo sobre os formatos familiares nas áreas metropolitanas de Brasília. “Vimos, justamente, essa elevada proporção da população que mora sozinha na área central do Distrito Federal”, comenta. As regiões levadas em consideração dizem respeito especialmente ao Plano Piloto e adjacências, como Sudoeste, chegando até Águas Claras. “O que vimos é que, justamente nessa área de mais alta renda, tem-se a questão dos concursos, com a migração de pessoas de alto nível educacional e que vieram nessa última década para o DF”, completa. Do outro lado, estão pessoas que, já graduadas ou em fase de formação superior, têm uma boa vaga no mercado de trabalho. “Esses jovens vão morar mais próximos do trabalho, em áreas que também têm mais oferta de serviços, de lazer, com espaços para encontros”, mapeia a profissional.
O raio-x obtido nos últimos levantamentos que estudam o comportamento dos brasilienses aponta ainda para características muito específicas dessa geração. Chamado de “arranjos da modernidade” pelo grupo de pesquisa de Ana Maria Nogales, o novo modelo de morar ratifica a forte queda no número de filhos e até a opção de não tê-los. “Eles têm cachorros, pets, mas não filhos”, reitera a professora. O novo padrão altera também o modo de se relacionar. “As relações atuais são muito de amizades, em espaços públicos compartilhados”, acrescenta, sobre o posicionamento comum de menos engajamento em se tratando de responsabilidade sobre família. “Com isso, posterga-se a questão da união.”
E a construção civil tem acompanhado esse movimento. O boom de edifícios voltados para cômodos reduzidos na cidade mostram isso. De acordo com o presidente da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi-DF), Paulo Muniz, diferentes regiões da capital respondem à demanda. “O Noroeste tem vários apartamentos de um quarto e quitinetes, na faixa dos 35 m², 40 m², que atendem às necessidades das pessoas que estão começando a vida”, diz. Ele lembra ainda que Samambaia e Ceilândia são dois polos que têm apostado nesse perfil, mesmo mais distantes do centro.
Brasal Incorporações é uma das construtoras que vêm investindo nesses locais, justamente para atender às diferentes procuras que têm movimentado a cena. O diretor Dilton Junqueira conta que o público dos 30 aos 35 anos já representa 27% de compradores da empresa, ao mesmo tempo que as habitações que mais respondem a eles têm média de 77 m². “Essa faixa de cliente valoriza bastante a área de lazer e projetos que possibilitem a personalização dos imóveis”, descreve o perfil, comentando também que o mais comum é começarem por um imóvel menor e depois irem adquirindo unidades maiores.
Pelos números do portal da WImóveis, voltado para anúncios e busca de acomodações fixas, as regiões Guará, Noroeste, Sudoeste e Águas Claras são as que oferecem maior oferta para o público que opta por morar só. Para comparação, enquanto a média de metragem na Asa Sul é de 92 m², no setor vizinho à Taguatinga, conhecido pelos altos prédios próximos uns aos outros, esse número cai para 72 m². Já no Guará, é menor ainda: 62 m² .
As reservas de investimento também flutuam, de acordo com a WImóveis. Em Águas Claras, o valor médio de venda está em 360 mil reais e no Noroeste, o preço fica em torno dos 840 mil.
Atendendo à demanda crescente, o Park Sul foi um dos setores mais recentes a receber investimentos de construções de quitinetes, flats e apartamentos de um quarto. Vanessa Vieira estava com 24 anos, e independente financeiramente, quando escolheu abandonar o CEP dos pais no Sudoeste e partir para uma nova fase no bairro. “Os primeiros meses foram outra vida: você tem sua liberdade, seu espaço, privacidade, seus horários”, lembra a professora de inglês que, há dois anos e meio, se habituou ao espaço alugado de 27 m² no qual tem tudo o que precisa: estante de livros, canto para leitura, frigobar, bancada e mesa de costura, hobby mais forte.
Ela reconhece que inicialmente a decisão vem acompanhada de receios. “Não sabia se daria certo, como seria. Mas, uma vez que eu pisei fora de casa, não teve volta”, garante, satisfeita com o cômodo que foi decorando aos poucos e por conta própria. Papéis de parede comprados pela internet e um sofá pequeno, o xodó do espaço, estão entre os itens que deram identidade ao minimalista quadrado branco.
Vanessa Vieira, professora de inglês, foi decorando aos poucos e por conta própria o apartamento que aluga no Park Sul: "Uma vez que eu pisei fora de casa, não teve volta"
E, mesmo com o valor alto que paga como inquilina – o aluguel custa 1.200 reais, mais condomínio de 200 reais –, Vanessa pondera que a infraestrutura do complexo de prédios em que vive compensa. “Tem muita coisa para quem mora sozinho: lanchonete, pet shop, lavanderia, salão de beleza”, lista os serviços terceirizados. Academia e internet, porém, estão inclusos no pacote que, segundo ela, só pode ser avaliado com o tempo. “Eu acho que existe um risco muito grande de se comprar sem ter morado antes”, pontua a jovem de 27 anos. “É um investimento muito alto sem eu saber o que quero fazer no ano que vem, por exemplo.”
Para o casal Henrique Uchoa e Camila Altavini, a opção por alugar o primeiro apartamento também falou mais alto. Com casamento agendado para 16 de julho, o advogado e a psicóloga concursada apostaram na união antecipada com endereço conjunto para alcançar uma nova etapa que já vinha se desenhando. Na época residente de um hospital próximo à casa do noivo, na Asa Sul, Camila já passava boa parte do tempo no imóvel da sogra. Depois de um período indo apenas pontualmente para Águas Claras, onde a mãe morava, veio a decisão. “Eu quero meu espaço”, repete hoje o pensamento que teve há pouco mais de um ano, e prontamente seguido pelo companheiro. “Já estava em um momento em que precisávamos do nosso espaço”, lembra ela.
O casal Henrique Uchoa e Camila Altavini optou por alugar- e não comprar- o primeiro apartamento: "Precisávamos do nosso espaço"
A procura e a decisão pelo apartamento de um quarto, na 410 Sul, foi rápida e teve como norte um ponto fundamental para os dois: a qualidade de vida. “Como todas as minhas atividades sempre foram no Plano, eu tinha de me programar com uma hora de antecedência, fosse para pegar trânsito ou metrô”, diz ela sobre a experiência na antiga região administrativa, que resolveu abandonar. “Aqui nós temos tempo para aproveitar o que tem ao redor de comércio, área verde e, para nós que adoramos andar de bicicleta, fim de semana tem Eixão.”
“A internet ajuda pelas fotos. Não tem como competir”, observa Henrique a respeito da busca que terminou no único imóvel que chegaram a visitar. “Viemos conhecê-lo e nos apaixonamos”, lembra a psicóloga, que, ao lado do futuro marido, cuidou de ocupar cada detalhe da casa, compartilhada ainda com o lhasa apso Ziggy, o filhote da união. “Nós conseguimos deixar tudo com a nossa cara, tomar as decisões do nosso jeito, definir o quanto gastar com cada coisa”, resume Camila sobre a relação de autonomia que se estabeleceu na casa.
Para quem está querendo a mesma experiência, o casal alerta, entretanto, que algumas coisas precisam ser bem definidas para não errar na escolha que implica uma alteração completa de rotina. “O orçamento e o que é prioridade”, sugere o advogado. Camila, por sua vez, frisa sobre a localização: “Às vezes, você quer ficar perto do seu trabalho, às vezes, de onde você sai.” É preciso levar em conta os objetivos ao se mudar para determinada residência, segundo ela.
A arquiteta e decoradora Walléria Teixeira destaca que, como a maioria dos imóveis escolhidos para primeira moradia são pequenos, a boa disposição da mobília aparece como ponto fundamental. “Nós procuramos fazer um layout bem distribuído, porque isso economiza espaço”, explica a profissional, que responde pelo escritório que leva seu nome. Algumas tendências, como a atmosfera mais vintage do ambiente, também estão em alta, segundo ela. “Os jovens gostam. Você passa a instalação toda por fora, pinta na cor de concreto e acaba que sai uma obra mais em conta”, respalda.
Layout bem distribuído para economizar espaço:
teoria aplicada à prática neste projeto de
Walléria Teixeira
Segundo Walléria, a geração atual carrega consigo também um olhar mais antenado ao estilo. “Eles gostam do móvel de design”, revela, citando especialmente a produção brasileira, bem cotada atualmente. “Antigamente não se valorizava tanto mobiliário, e hoje a coisa mudou de figura. Todo mundo que ter uma obra de arte, uma foto bacana”, diz.
É exatamente nesse perfil moderno que se encaixa o médico perito Gustavo Simionatto, de 38 anos e cliente da decoradora. “Eu queria uma coisa bem convencional”, diz sobre o flat de 47 m² situado no Setor de Hotéis e Turismo Norte, e comprado antes mesmo do lançamento oficial, em 2008. “Quando a Walléria me mostrou o layout, com a cama no meio do apartamento, com uma TV que gira 360 graus, eu aprovei de primeira”, lembra, ainda empolgado. Hoje, com a casa ilustrada por obras de arte, telas e objetos adquiridos em viagens pelo mundo, Gustavo já projeta a mudança para um imóvel maior.
“Eu quero um apartamento na Asa Sul”, antecipa a escolha, que tem como base as construções brasilienses originais da década de 1960. “Eu quero conservar muita coisa nele, mas ao mesmo tempo fazer uma boa reforma: não vou deixar nenhuma parede, só pilastras”, continua. “Vou fazer tudo integrado, com o quarto ao fundo, com porta de correr.” A concretização dos planos, entretanto, só deve acontecer daqui a quatro anos. A espera leva em conta o momento da economia brasileira, que afeta o mercado. Se for possível repetir a fórmula de bom negócio do primeiro imóvel, que comprou por 183 mil reais e hoje é cotado em 600 mil, melhor. “É uma casa nova, mas que tem história”, conclui em relação ao primeiro imóvel em que investiu na vida.
O médico Gustavo Simionatto tem um flat de 47 m2 no Setor de Hotéis e Turismo Norte: o primeiro imóvel em que investiu na vida foi comprado antes mesmo do lançamento