O carro preto sedã com banco de couro e motorista que abre a porta, oferece água e coloca para tocar o estilo de música que você quer ouvir eram motivo de brincadeira entre os amigos do estudante Felipe Brandão, de 18 anos. Quando queriam conquistar uma garota e não podiam pegá-la em casa por falta de carro e habilitação, eles avisavam: fique pronta que meu motorista vai te buscar. O automóvel e o atendimento personalizado, na verdade, eram da Uber, empresa norte-americana que chegou ao Brasil em 2014 para revolucionar o mercado de transporte individual privado e que tem gerado debates acalorados sobre a sua legalidade.
Em Brasília, uma das primeiras capitais a implantá-lo, o serviço vem crescendo vertiginosamente nos últimos meses e conta a cada dia com novos motoristas cadastrados pelo aplicativo de smartphone. Por meio dele, o usuário cadastra um cartão de crédito e toda vez que precisa de um carro para ser transportado tem o valor da tarifa – calculada em média antes da corrida – debitado no cartão No Brasil, há Uber rodando também em São Paulo, no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte, em Porto Alegre, Campinas e, recentemente, em Goiânia.
A novidade encheu os olhos de quem não aguentava mais os carros velhos e malcuidados que circulavam pela cidade, mas despertou a ira dos taxistas por não recolherem impostos e oferecerem preços bem mais atraentes do que o serviço convencional. Por aqui há duas categorias de Uber: a Black, cujos carros são modelos de padrão executivo, e a X, cujos carros não precisam ser sedã, mas devem ser modernos e cobram uma tarifa menor.
A polêmica é tanta que não há consenso nem no poder público quanto à regulamentação do serviço na capital. Os deputados distritais chegaram a proibir que os carros da Uber rodassem na cidade, alegando se tratar de concorrência desleal. No segundo semestre do ano passado, o governador Rodrigo Rollemberg vetou o projeto de lei que proibia o Uber e criou uma comissão que trataria do assunto. Desse grupo saiu um projeto de regulamentação do serviço, impondo restrições como a modalidade UberX e paradas em pontos de táxi ou embarcar passageiros na rua que não tenham solicitado a viagem pelo aplicativo.
A discussão aguarda a passagem por comissões da Câmara Legislativa para então ser colocada em votação em plenário, o que deve ocorrer ainda neste mês. “Não há por que darmos as costas para o projeto e não avançarmos em prol da sua regularização”, defende a presidente da Câmara, deputada Celina Leão. Ela mesma tem em casa uma usuária do sistema: a filha de 20 anos. Para a parlamentar, a urgência na discussão da matéria se dá, principalmente, para pôr fim aos atos de violência praticados contra os motoristas da Uber. “É preciso entendermos a evolução dos serviços já que, naturalmente, as tecnologias estão evoluindo”, observa a parlamentar.
"A concorrência trazida pela Uber é benéfica, até mesmo para tirar da comodidade o serviço prestado pelos táxis de má qualidade que ainda existem", defende Camile Brandão, ao lado do filho, Felipe
Depois de se tornar usuária do Uber em Brasília, os deslocamentos em Salvador acabaram virando um desconforto para a advogada Camile Brandão. Acostumada com a cidade, ela lamenta a falta do serviço por lá, onde os táxis, na sua avaliação, rodam sujos de areia e muitas vezes molhados por quem acabou de sair da praia. Ela é mãe do Felipe, citado no começo da reportagem, e se diz muito mais tranquila com as saídas noturnas do filho – que só agora entrou para a universidade e tirou carteira de habilitação. “A concorrência trazida pela Uber é benéfica, até mesmo para tirar da comodidade o serviço prestado pelos táxis de má qualidade que ainda existem na cidade”, defende Camile.
O arquiteto e urbanista Paulo Gustavo Maciel descobriu o Uber depois que as brigas e agressões aos motoristas da empresa ganharam os noticiários. Ele decidiu, então, baixar o aplicativo e passou a substituir as voltas para casa de madrugada de táxi pelo Uber Black. Para ele, uma das vantagens do serviço é não ter de lidar com o dinheiro, já que a cobrança é feita diretamente no cartão de crédito. “A maioria dos táxis aqui de Brasília não aceita cartão e, quando se pede um que aceita, demora muito mais tempo para chegar”, compara. “O rádio táxi dá uma estimativa de tempo de chegada do carro que nem sempre confere. Já pelo Uber é possível acompanhar pelo aplicativo onde o carro está e em quanto tempo ele chegará.”
"Pelo aplicativo da Uber é possível acompanhar onde o carro está e em quanto tempo chegará", elogia o arquiteto Paulo Gustavo Maciel
Presidente do Sindicato dos Taxistas do DF, Geocarlos Cassimiro de Araújo não aceita a regulamentação por meio de lei distrital, mas, sim, federal. Para ele, como o aplicativo é norte-americano, a sua utilização e prática no Brasil, sem recolhimento de impostos, dão ao serviço a característica de transporte clandestino. “Já temos o serviço de táxi rodando por aqui. Quem não quiser pegá-lo, tudo bem, há opções para alugar carros de todos os tipos em locadoras de veículos”, diz ele.
Presidente do Sindicato dos Taxistas do DF, Geocarlos Cassimiro de Araújo não aceita a regulamentação por meio de uma lei distrital, mas, sim, federal: "A Uber tem características de transporte clandestino", diz
Giancarlo admite que falta organização da categoria, já que cerca de 70% das permissões de táxi estão nas mãos de poucos detentores de concessões que as alugam aos motoristas para rodarem por eles. “Nós não incitamos a violência (contra os motoristas do Uber), mas o governo só vai mesmo tomar providências quando um matar o outro”, diz.
Há quem não dê a mínima para o Uber e aposta no velho e bom táxi como suficiente para atender suas necessidades. O biólogo Rodrigo Antônio de Souza é um deles. Para ele, os preços praticados pela nova modalidade não diferem tanto assim das corridas fixas dos taxistas. “Penso sempre no consumo responsável do ponto de vista social. Apesar de entender que a Uber pratica, de forma velada, a precarização da legislação trabalhista, não é isso que me faz nunca usar o seu transporte. É porque, para mim, os táxis atendem muito bem”, defende.
Dono de uma empresa de embarcação de apoio marítimo e operacional em Salvador, Sérgio Padial resolveu no ano passado experimentar o Uber por uma outra perspectiva: como motorista. Responsável pela parte administrativo-financeira da empresa e com tempo de sobra para fazer isso a distância, em Brasília, ele trocou de carro para se adaptar ao modelo exigido pela categoria Black.
Sérgio Padial elogia a autonomia de estar disponível ao trabalho como motorista da Uber sem que isso comprometa sua rotina de cuidar da área financeira de uma empresa pela internet
Sérgio já foi chamado de pirata quando foi buscar um passageiro na rodoviária, mas diz nunca ter enfrentado nenhum constrangimento maior. Morador da Asa Norte, ele celebra a autonomia de estar disponível ao novo trabalho sem que isso comprometa sua rotina – os motoristas têm um limite de viagens que podem recusar. “Tenho uma rentabilidade interessante e acima da média de muitos trabalhadores por aí”, garante ele, sem revelar qual seu lucro mensal com o serviço. De acordo com a categoria, o motorista repassa à Uber 20% ou 25% do valor da corrida e fica com o restante.
O diretor de políticas públicas da Uber no
Brasil, Daniel Mangabeira, diz que favorece
discussões que sejam esclarecedoras sobre
o serviço no país: participação em debates
O diretor de políticas públicas da Uber no Brasil, Daniel Mangabeira, esteve em Brasília para participar do seminário Dialogar para Liderar, promovido pelo Correio Braziliense no final de fevereiro. Segundo ele, uma pesquisa encomendada ao Instituto Datalfolha para compreender como os brasileiros veem esse novo mercado mostrou que 95% dos entrevistados gostariam que os serviços da Uber fossem regulados no Brasil. Em Brasília, esse número é ainda maior: 97%. O executivo, em entrevista ao jornal, disse que a Uber busca o diálogo com o poder público, com o mercado e com a sociedade civil para criar uma regulamentação que seja benéfica ao nosso cenário, que surgiu com a economia do compartilhamento. “Ao longo de 2015, participamos de dezenas de audiências públicas, debates, palestras e prestamos informações ao Judiciário”, disse. Enquanto a regulamentação não se concretiza em Brasília, a população aguarda tendo pelo menos uma certeza: a concorrência fez bem ao serviço de transporte privado da cidade, o avanço das tecnologias para o bem da sociedade é um caminho sem volta.