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O SUS que o brasiliense não conhece

Com quase três décadas de experiência na área, o Distrito Federal se destaca no país quando o assunto são as práticas integrativas, que previnem e curam doenças de maneira mais barata e eficaz

Glauciene Lara - Publicação:02/05/2016 11:43Atualização:05/05/2016 09:57
 (Raimundo Sampaio/Encontro/DA Press)
 
Saúde pública, para muitos, é sinônimo de filas, hospitais lotados e atendimento ruim. Mas existe um lado pouco conhecido: o da oferta gratuita de terapias alternativas, que previnem e curam doenças. No Distrito Federal, são 14 modalidades disponíveis em 125 centros de saúde – reiki, ioga, automassagem, lian gong, meditação, shantala, tai chi chuan, arteterapia, musicoterapia, terapia comunitária, homeopatia, fitoterapia, acupuntura e antroposofia. Boa parte delas, a maioria das pessoas sequer sabe da existência, muito menos que são oferecidas de graça, pelo Sistema Único de Saúde (SUS). %u2028A massoterapeuta Rosemary Loeffer, que faz ioga no SUS há dois meses, conta que soube da oferta de vagas ao ver a faixa no Adolescentro, centro de saúde para adolescentes na L2 Sul, que tem também turma para adultos, da qual ela faz parte. “Não sabia que o SUS oferecia ioga e, quando conheci, fiquei admirada, porque é algo que funciona e está me fazendo muito bem”, conta. Rosemary sentiu efeitos na redução da ansiedade, melhoria da concentração e do alongamento. Ela passou a divulgar a notícia entre os amigos e acredita que é importante o sistema “priorizar a saúde, e não a doença”. A ioga é uma prática indiana milenar que consiste em desempenhar posturas, técnicas respiratórias e de relaxamento, com o objetivo de integrar o corpo e a mente. “É uma técnica de meditação em movimento”, explica a coordenadora de ioga da Secretaria de Saúde do DF, Isabela Ribeiro Lessa, mais conhecida como Farah. A modalidade oferecida na saúde pública do DF é a hatha yoga, que se preocupa com o correto alinhamento postural e respiratório. Segundo Farah, a prática traz benefícios físicos e mentais que ela mesma sente, como praticante há 23 anos: redução do estresse, sensação de bem-estar, fortalecimento do sistema imunológico, equilíbrio do sono e da produção hormonal. Uma pesquisa da Escola Superior de Ciências da Saúde do DF (Escs) identificou 82% de alteração positiva no sono de 53 praticantes de ioga no SUS.

Isabela Ribeiro Lessa, mais conhecida como Farah, é coordenadora de ioga da Secretaria de Saúde do DF: 'Qualquer pessoa pode ter acesso, inclusive se for de fora do DF e passar por aqui' (Glauciene Lara/Esp.Encontro/DA Press)
Isabela Ribeiro Lessa, mais conhecida como Farah, é coordenadora de ioga da Secretaria de Saúde do DF: "Qualquer pessoa pode ter acesso, inclusive se for de fora do DF e passar por aqui"
 
Em contato com a natureza ou em salas fechadas, a depender dos locais e horários dos grupos, qualquer pessoa pode fazer ioga no SUS, inclusive crianças a partir de 4 anos. Idosos e gestantes, que não fazem todos os tipos de movimentos, têm turmas específicas. Para usufruir do benefício, o interessado passa por uma entrevista com o instrutor, chamada anamnese, sobre suas condições físicas. Hipertenso, por exemplo, não pode fazer todas as respirações. Farah, que é assistente social por formação, foi uma das responsáveis pelo início da oferta de ioga na saúde pública do DF, em 2001, no Serviço Social do Centro de Saúde da Vila Planalto. Em 2011, a ioga ganhou uma portaria que a regulamenta e se expandiu. Hoje, são 25 instrutores formados, que oferecem 30 turmas em 12 regiões administrativas do DF. Inclusive na Papuda há turmas de ioga e de meditação, a pedido dos psicólogos que trabalham na área prisional.

A prática faz parte da Gerência de Práticas Integrativas (Gerpis), com  outras 13 atividades e terapias alternativas oferecidas na saúde pública. Práticas integrativas são as que integram as várias dimensões do ser humano: física, mental, psíquica, afetiva e espiritual. A gerente da área, Valéria Frota, explica que elas são importantes para reduzir dores, insônia, o uso desnecessário de remédios, os efeitos colaterais de tratamentos agressivos como o do câncer e evitar que as doenças apareçam. São indicadas também para prevenir e tratar as chamadas doenças do século XXI: estresse, depressão, síndrome do pânico e transtornos de ansiedade. “É um investimento barato, fácil e eficaz, como confirmam os relatos de usuários”, diz.
 
À frente da Gerência de Práticas Integrativas (Gerpis), Valéria Frota explica que elas são importantes para reduzir dores, insônia e o uso desnecessário de remédios: 'É um investimento barato, fácil e eficaz' (Glauciene Lara/Esp. Encontro/DA Press)
À frente da Gerência de Práticas Integrativas (Gerpis), Valéria Frota explica que elas são importantes para reduzir dores, insônia e o uso desnecessário de remédios: "É um investimento barato, fácil e eficaz"
 
A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece os benefícios e estimula os países-membros a incluí-las na saúde pública. No Brasil, as práticas integrativas foram incluídas no SUS, em nível nacional, por meio de portaria de 2006 do Ministério da Saúde – que o DF ajudou a elaborar, por suas quase três décadas de experiência na área. “Em congressos, chamamos a atenção, porque temos 210 ofertas de práticas espalhadas por todo o DF, número grande em relação a outros estados”, conta Valéria.
 
 
No Brasil, as práticas integrativas foram incluídas no SUS, em nível nacional, por meio de portaria de 2006 do Ministério da Saúde: o DF tem quase três décadas de experiência na área (Raimundo Sampaio/Encontro/DA Press)
No Brasil, as práticas integrativas foram incluídas no SUS, em nível nacional, por meio de portaria de 2006 do Ministério da Saúde: o DF tem quase três décadas de experiência na área

Algumas especialidades são mais conhecidas, mas nem todas elas são praticadas em larga escala por classes sociais menos favorecidas. Fazer acupuntura pelo SUS, por exemplo, depende de encaminhamento médico, do dentista ou do psicólogo da rede pública. Essa especialidade vem da medicina tradicional chinesa e usa agulhas ou calor para estimular áreas específicas do corpo e regular o funcionamento do organismo, e, só no ano passado, foram quase 10 mil atendimentos por aqui. A consulta com um homeopata ou com um médico antroposófico também exige o cadastro no SUS.

A homeopatia usa remédios de origem animal, vegetal e mineral, em doses bastante diluídas, para estimular os mecanismos naturais de cura do organismo. Os 25 médicos homeopatas do DF fizeram mais de 12 mil consultas em 2015. Já a antroposofia é uma área menor, com apenas cinco profissionais atendendo no nosso sistema público. Ela busca uma visão global do ser humano, ao considerar o corpo físico, a vida psíquica e a individualidade do paciente. Tanto a homeopatia quanto a antroposofia receitam remédios naturais, alguns deles produzidos pela Farmácia Viva do DF. Gel de babosa como cicatrizante, xarope de guaco para a gripe e tintura de funcho para problemas digestivos são alguns dos medicamentos da fitoterapia, a primeira prática integrativa do DF, que começou em 1987, com o uso de fitoterápicos na saúde mental. Cem mil frascos de remédios feitos a partir de sete tipos de plantas foram produzidos nos últimos cinco anos, para atender as 20 unidades de saúde que distribuem os fitoterápicos. A plantação é mantida com mão de obra prisional.
 
Nilton Netto, responsável pela Farmácia Viva: tanto a homeopatia quanto a antroposofia do SUS-DF receitam remédios naturais produzidos pelo projeto (Raimundo Sampaio/Encontro/DA Press)
Nilton Netto, responsável pela Farmácia Viva: tanto a homeopatia quanto a antroposofia do SUS-DF receitam remédios naturais produzidos pelo projeto
 
Farah defende a participação de mais servidores na oferta das práticas integrativas, critica o que chama de cultura do adoecimento e pede uma mudança de valores na saúde pública: “Quando se diz que um médico ou um servidor está sendo desviado do trabalho para oferecer práticas integrativas, tem algo muito errado ocorrendo. O SUS deve estar pautado pela saúde, e não pela doença. Com os benefícios das terapias, o paciente vai precisar cada vez menos da consulta médica e das medicações.” %u2028Em relação às atividades, ioga, reiki, automassagem, lian gong, meditação, shantala, tai chi chuan, arteterapia e musicoterapia têm acesso livre, independente de cadastro no SUS.

“Qualquer pessoa pode ter acesso, inclusive se ela for de fora do DF e passar por aqui”, afirma Farah. Em alguns, sobram vagas, como nas turmas de ioga para adolescentes e nas práticas que permitem turmas maiores como meditação, automassagem, tai chi chuan e lian gong. “No Centro de Referência de Práticas Integrativas de Planaltina, temos turmas de mais de 80 pessoas fazendo automassagem”, conta Valéria, que foi coordenadora dessa modalidade, com origem na medicina tradicional chinesa, antes de assumir a gerência.
 
No Centro de Referência de Práticas Integrativas de Planaltina, turmas de mais de 80 pessoas fazem automassagem: trabalho de consciência corporal e respiração (André Violatti/Esp. Encontro/DA Press)
No Centro de Referência de Práticas Integrativas de Planaltina, turmas de mais de 80 pessoas fazem automassagem: trabalho de consciência corporal e respiração
 
 (André Violatti/Esp. Encontro/DA Press)
 
Ela explica que é uma prática muito simples, que trabalha a consciência corporal e a respiração. A pessoa pode aprender nos grupos do SUS e depois fazer em casa, ao acordar, além de ensinar aos familiares. A prática em grupo traz o benefício da socialização, por isso, é ideal para idosos, que costumam ficar muito tempo sozinhos. A shantala é outro tipo de massagem, só que feita pelas mães ou cuidadores em bebês e crianças. Essa prática indiana fortalece os vínculos afetivos, o equilíbrio físico e emocional.

A shantala é um tipo de massagem feita por mães, pais ou cuidadores em bebês e crianças: fortalecimento dos vínculos afetivos, do equilíbrio físico e emocional (Raimundo Sampaio/Encontro/DA Press
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A shantala é um tipo de massagem feita por mães, pais ou cuidadores em bebês e crianças: fortalecimento dos vínculos afetivos, do equilíbrio físico e emocional

Outra modalidade é o reiki, só que com atendimento individual e, em algumas regiões como Guará, Ceilândia e Recanto das Emas, domiciliar. O fluxo de energia aplicado no reiki elimina toxinas e equilibra a energia vital. Atualmente, a Gerpis treina pessoas para aplicar reiki em pacientes com câncer.

Prática que merece destaque, na Candangolândia, a turma de arteterapia trabalha com pintura, desenho, colagem, de acordo com a necessidade do grupo. A coordenadora técnica da área, Alba Sony, estuda atualmente a expansão da oferta. Já no Cruzeiro Novo, o Grupo Esperança participa de diferentes atividades, como automassagem, exercícios meditativos, capoterapia, danças de modalidades diversas, como sênior, circular e sagrada, além de atividades físicas regulares. A coordenadora Glória Freitas diz que tudo é proporcionado de modo lúdico, com muita liberdade: “Conseguimos uma redução de 60% do sobrepeso dos participantes em um ano. Dá para perceber que o perfil melhora a cada mês, e olha que são mais de 100 frequentadores assíduos. Aqui não se fala de adoecimento.”
 
Alba Sony, coordenadora técnica da arteterapia da Secretaria de Saúde do DF: trabalhos com pintura, desenho ou colagem, de acordo com a necessidade do grupo (Raimundo Sampaio/Encontro/DA Press)
Alba Sony, coordenadora técnica da arteterapia da Secretaria de Saúde do DF: trabalhos com pintura, desenho ou colagem, de acordo com a necessidade do grupo
 
Dançando conforme a música: para o Grupo Esperança, no Cruzeiro Novo, diversos tipos de atividades são oferecidos todos os dias, inclusive danças (Raimundo Sampaio/Encontro/DA Press)
Dançando conforme a música: para o Grupo Esperança, no Cruzeiro Novo, diversos tipos de atividades são oferecidos todos os dias, inclusive danças
'Dá para perceber que o perfil dos mais de 100 frequentadores melhora a cada mês. Aqui não se fala de adoecimento', diz Gloria Freitas, que coordena o Grupo Esperança no Posto de Saúde nº 9 (Raimundo Sampaio/Encontro/DA Press)
"Dá para perceber que o perfil dos mais de 100 frequentadores melhora a cada mês. Aqui não se fala de adoecimento", diz Gloria Freitas, que coordena o Grupo Esperança no Posto de Saúde nº 9

Atualmente, 58% dos centros de saúde possuem práticas integrativas, todas oferecidas entre 6h30 e 18h15 por servidores da Secretaria de Saúde treinados para oferecer o serviço em parte de sua carga horária. As práticas também são ensinadas em disciplinas eletivas nos cursos de medicina e enfermagem da Escs, para sensibilizar os profissionais da saúde sobre sua importância, segundo Valéria Frota.

De acordo com a gerente, a difusão das turmas foi tanto por planejamento da gerência quanto por atendimento a pedidos da população, e há, atualmente, equilíbrio entre a oferta e a demanda. A Gerpis não tem dados do número total de usuários do SUS nas práticas integrativas e trabalha na construção dessas estatísticas. Os coordenadores explicam que o número de frequentadores oscila muito, mas há muitas pessoas que começam, gostam e não param mais.
 
 (Raimundo Sampaio/Encontro/ DA Press)
 (Raimundo Sampaio/Encontro/ DA Press)
 
 
Referência no país, serviço gratuito de inseminação está ameaçado
 
O Hospital Materno-Infantil de Brasília (HMIB), bem como o Hospital Pérola Byington, de São Paulo, são os dois únicos do país a oferecer inseminação intrauterina – ou artificial – e fertilização in vitro inteiramente gratuitas, para casais com dificuldades para engravidar. No DF, os casais passam por consulta nos centros de saúde, são encaminhados para o HMIB e entram numa fila, de cerca de três anos de espera, até realizar o procedimento. “Vem gente do país inteiro para se tratar conosco. Essa fila, ninguém fura”, garante a coordenadora do Núcleo de Reprodução Humana, Rosaly Rulli.
 
'Vem gente do país inteiro para se tratar conosco. Essa fila, ninguém fura' (Glauciene Lara/Esp. Encontro/DA Press)
"Vem gente do país inteiro para se tratar conosco. Essa fila, ninguém fura"
 
Os médicos definem qual dos procedimentos é mais indicado em cada caso e os casais têm direito a duas tentativas. As chances de sucesso são de 30%, segundo a médica, índice equivalente a padrões internacionais. O núcleo, que existe desde 1998, já trouxe ao mundo 350 bebês e fez quase 1.700 ciclos, como se chama cada tentativa para engravidar. Cada ciclo custa cerca de 25 mil reais, segundo Rosaly.

Em março, o HMIB terminou os últimos 60 procedimentos e, neste mês de abril, terá de interromper o serviço, por falta de verba. Rosaly conta que entrou com processo emergencial na Secretaria de Saúde (SES-DF), mas não teve resposta. Em nota, a SES-DF informou que ainda não há prazo para a conclusão do processo. Uma solução, segundo a médica, seria cobrar pelos medicamentos, como fazem outros sete hospitais públicos no país, mas, para isso, a Reprodução Assistida do DF teria de se transformar numa fundação. Nesse caso, cada paciente iria desembolsar cerca de 5 mil reais, opção que ela não considera ideal, já que nem todos podem pagar.
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