As comemorações dos 25 anos do Instituto Cervantes no mundo e do quarto centenário de morte do autor de Dom Quixote de la Mancha deram uma animação extra à escola de espanhol localizada na 707/907 Sul. Os números que cercam a instituição são majestosos: 80 unidades em 43 países, sendo oito delas no Brasil. Em Brasília, a construção horizontal foi inaugurada em 2007, pelo então príncipe Felipe de Borbón, atual rei da Espanha.
Fachada do Instituto Cervantes em Brasília: a escola foi inaugurada em 2007, pelo então príncipe Felipe de Borbón, atual rei da Espanha
Atualmente, cores de Almodóvar pincelam o Instituto Cervantes de Brasília. Além de um mural retratando Dom Quixote, o vermelho-sangria, temperado pelo creme e pelo cinza-grafite, repete-se nos corredores e nas 13 salas de aula frequentadas por dois mil alunos.
O bom humor está presente nas turmas, como a do professor Jorge Agullo. Com recursos multimídia, a lição sobre comidas típicas atiça os sentidos por meio de um vídeo que ensina como preparar uma paella. Os ingredientes serviram de instrumento para destrinchar um amplo vocabulário graças à gastronomia, parte integrante da cultura de um povo. Idioma e cultura não se desgrudam ali, e os projetos se revezam com assiduidade. Há permanentemente eventos de cinema, teatro, música, gastronomia e literatura.
"Língua é cultura, cultura é língua", ensina a diretora Rosa Sanchez, que está à frente do Instituto Cervantes de Brasília desde setembro, ao lado da coordenadora acadêmica Ana Pelayo e do administrador Tomas Fraile. Nascida em Madri, Rosa trabalhou na Romênia, no Marrocos e na Hungria antes de vir para o Brasil. Na capital federal, conta que a instituição mantém vínculos com as embaixadas da Espanha e de outros países hispânicos: "Trabalhamos todos juntos".
Mérito: a diretora Rosa Sanchez (centro) está à frente do Instituto Cervantes de Brasília ao lado da coordenadora acadêmica Ana Pelayo e do administrador Tomas Fraile
Os 21 professores da instituição não estão ali por acaso ou fazendo um bico. Vieram da Espanha, do Peru, da Colômbia, da Venezuela, da Argentina, do Chile e da Costa Rica e abraçam a profissão com gosto. A experiência e as especializações são sólidas como a monarquia. Formado em filologia hispânica, o espanhol Jorge Agullo tem 33 anos e leciona há 10. Ensinou o idioma na Espanha, na Itália, na Grécia e na Sérvia. Confessadamente tímido, conta que a profissão o transforma: "Você vira outra pessoa dentro de sala". Nesse palco sagrado, ele mantém a turma acesa durante uma 1h40. Gente que vem do trabalho, gente que nem lanchou e vai ficar diante de um caldeirão fervente de paella no vídeo.
Alfonso Hernandez nasceu na Espanha há 40 anos e, atraído pela poesia, formou-se em letras. Como professor do Instituto Cervantes, deu aulas em Portugal, na República Tcheca, na Hungria e no Canadá, antes de vir para Brasília, há nove anos. "Procuro inovação, dinâmica e novas tecnologias", diz ele, doutorando na Universidade de Granada e cuja tese discorre sobre as dificuldades dos estudantes brasileiros com os pronomes em espanhol. "É mito o brasileiro achar que fala espanhol por osmose", esclarece a coordenadora Ana Isabel Reguillo Pelayo, que chegou a Brasília com a família há quatro anos, depois de longas temporadas nas Filipinas e na Índia. Graduada em filologia em Madri, orienta: "É preciso separar os idiomas."
Professor do Instituto Cervantes em Brasília, o espanhol Alfonso Hernandez passou por Portugal, República Tcheca, Hungria e Canadá antes de aportar em Brasília: paixão pelo ofício
O aprendizado parece fluir sem atropelos na turma iniciante de Agullo. Com dois meses e meio, todos perguntam e respondem em espanhol. Nada é traduzido. O r pode arranhar a garganta, e o gênero dos substantivos, confundir: árvore, cor, linguagem e ponte, por exemplo, são masculinos. Mas o curioso foi aprender que bastante não significa muito. É menos que muito. Outro detalhe é a tecla exclusiva presente nos computadores da escola: a letra ñ, que só existe neste idioma.
Além do curso regular, o aluno pode se matricular na aula virtual, com tutor ou sem. Há ainda classes especiais: "No ano passado, tivemos quatro turmas de espanhol jurídico", comenta Ana Pelayo. Existem ainda opções de curso de conversação e de cultura hispânica, e, em determinadas épocas do ano, cursos na Espanha.
O espaço para atividades multimídia do Instituto Cervantes está sempre recebendo visitas de alunos: o aprendizado parece fluir sem atropelos
Atração à parte, a biblioteca de 19 mil volumes e 10 mil títulos online chama-se Ángel Crespo, em reverência ao tradutor de Guimarães Rosa para o espanhol. Em funcionamento inclusive aos sábados, das 9h às 14h (não abre às segundas-feiras), o local é um convite ao universo hispânico. A Historia del Flamenco é contada em cinco volumes, enquanto o Diccioñario de la Música Española e Hispanoamericana estende-se por 10 tomos. Revistas e seção de filmes e de CDs completam o acervo. "Tenho muito amor pela instituição", conta a bibliotecária Norma Silva Peixoto. "Além de Cervantes, temos muitas obras de Gabriel García Márquez e de Federico García Lorca", diz.
Convite à leitura e ao universo hispânico como um todo: a biblioteca tem 19 mil volumes e 10 mil títulos on-line
A programação cultural do instituto é intensa e aberta ao público. Três programas movimentam a biblioteca. Na última terça-feira do mês, ocorre o Conversando em Espanhol, das 18h30 às 20h, com debates sobre temas variados. Destinado ao público mirim, o Cuenta Cuentos encanta a garotada por meio de contação de histórias no segundo sábado de cada mês, das 11h às 12h. Inaugurado em março, o Clube da Leitura promove conversa on-line sobre determinada obra entre sócios da biblioteca e moderadores. A agenda está no site do instituto.
Outra atração é o projeto Aprenda Espanhol Cozinhando, com o chef peruano David Lechtig, que, a cada mês, coloca à mesa a gastronomia de um país hispânico. Outros programas que fazem sucesso são as noites de degustação de vinhos e a série Guitarrísimo - esta convida músicos para apresentações no auditório, que tem capacidade para 134 pessoas.
"Minha mãe queria que eu falasse inglês, mas eu gosto mesmo é de espanhol." A declaração cai muitas vezes nos ouvidos da coordenadora Ana Pelayo, que lida com um público diverso, mas que segue uma motivação. "Talvez eu mude para o Uruguai", explica a iniciante Helena Cunha, da turma da manhã. Aos 9 anos, gosta dos materiais usados na sala e sabe contar até 20. João Pedro Carneiro, de 6 anos, diverte-se com o jogo de bingo na aula: "Estudo espanhol para viajar para a Espanha", responde, como se fosse muito natural.
Os jovens da tarde pensam no futuro e no mercado de trabalho. "Quero ter melhor formação para conseguir um emprego melhor", diz Allan Borela, de 16 anos. "É uma questão de necessidade", concorda a estudante de direito Camila Andrade, de 21, que completa: "Inglês é obrigação e é preciso falar uma terceira língua". Aos 20 anos, Fábio Ramos Passos cursa letras e vem movido pela paixão: "Acho a sonoridade da língua incrível, já penso logo no vermelho, nos filmes de Almodóvar."
"Quero ter formação para conseguir emprego melhor", diz o estudante Allan Borela, que se sente estimulado a aprender a língua de Miguel de Cervantes