Manoel Damasceno, sócio-diretor da iFly, empresa que investiu 10 milhões de dólares na unidade Brasília, faz uma alusão exagerada e interessante: "Construímos uma aeronave dentro de um prédio"
Para a maioria dos investidores, não há palavra que desperte mais receio do que o dissílabo crise. Não por acaso, no dicionário, ela é descrita como momento crítico ou decisivo, situação aflitiva, conjuntura perigosa, anormal e grave. No entanto, embora repelida por nove em cada 10 empresários, que enxergam na crise o risco de perder clientes, há quem não perca o sono com momentos de adversidade. Especialmente em Brasília, onde a renda per capita é a mais elevada do país e onde boa parte da força de trabalho tem o setor público como patrão, a desaceleração do país é sentida com menos intensidade. “Não há dúvidas de que, quando a economia está mais fraca, isso em nada favorece os negócios. Mas crise também é sinônimo de oportunidade. Afinal, é quando concorrentes menos preparados jogam a toalha e as grandes barganhas aparecem”, diz o economista e professor de finanças Alexandre Cabral. O especialista explica ainda que clientes que tinham o costume de testar novas opções a cada semana, na crise, mudam suas formas de consumo: “Eles tendem a ser fiéis aos estabelecimentos que valham o dinheiro gasto.”
Pois é justamente pensando em cativar o cliente pelo serviço prestado que um grupo de investidores de Brasília decidiu dar vida ao B Hotel, empreendimento de alto padrão que tem na gastronomia, na arte e, principalmente, no atendimento aos hóspedes os diferenciais para fisgar uma fatia do disputado mercado hoteleiro da capital federal.
Leonardo Oliva, do grupo OLH, é um dos responsáveis por trazer recentemente a Dunkin%u2019 Donuts ao Brasil: em cinco anos, o grupo pretende abrir 25 lojas no DF
Para isso, os sócios do empreendimento – entre eles, a família Bettiol, bastante conhecida em Brasília – não mediram esforços. Com investimento de 68 milhões de reais, o complexo hoteleiro de cinco estrelas terá 306 apartamentos, sendo 42 suítes com banheira de hidromassagem e antessala com closet. Da cobertura, onde funcionará um bar temático e a piscina com borda infinita, o hóspede vai ter vista privilegiada, tanto da Torre de TV quanto do Estádio Nacional Mané Garrincha, que ficam a poucos metros do hotel.
Embora ainda em construção, o empreendimento, que tem inauguração prevista para o segundo semestre deste ano, impressiona pelo requinte de cada detalhe, dos vestiários usados pelos funcionários às louças utilizadas nos banheiros, trazidas da Suíça.
Parece um luxo desnecessário, mas foi apenas uma escolha pelo menor preço e maior custo/benefício, de acordo com a administradora e sócia da Brasília Empreendimentos Ana Paula Ernesto, responsável pela execução do B Hotel. “Quando começamos a cotar os valores de cada material utilizado na obra, fomos atrás de empresas brasileiras. Mas foi nas negociações com parceiros internacionais que conseguimos preços melhores, mesmo considerando custos com o frete”, explica.
"Mesmo que a área de saúde sinta a instabilidade de forma diferente de outros setores, precisamos ter precisão nos investimentos", diz Antonio Vazquez, diretor executivo do laboratório Exame
Idealizado em 2010, o empreendimento foi concebido em um período em que o Brasil havia deixado a condição de patinho feio dos mercados para se tornar queridinho dos investidores de todo o mundo. À época, o país havia acabado de receber o grau de investimento pela primeira das três agências de classificação de risco, a Standard & Poor's, em março de 2008. No ano seguinte, a conceituada revista The Economist estampou em sua capa a imagem do Cristo Redentor decolando, em alusão à ascensão do Brasil como gigante econômico.
Para os investidores brasilienses, as notícias só ajudaram a levar o projeto adiante. Com o mundo inteiro ainda recuperando-se de uma crise, o Brasil ostentava um crescimento econômico da ordem de 7,5% ao ano, o melhor resultado em 24 anos. “Quando começamos o projeto, o cenário para o país e, especialmente para Brasília, era de muita prosperidade e crescimento”, diz Ana Paula.
Não foi por acaso, portanto, que toda a concepção do hotel tenha bebido da inspiração da construção da nova capital, palco de sonhos realizados e de otimismo dos brasileiros. Desde as janelas em formas geométricas irregulares, que lembram blocos do Teatro Nacional, aos corredores iluminados apenas por lâmpadas instaladas nas paredes, e nada no teto – tudo remete ao modernismo de Brasília. Requinte e ousadia que levam a marca registrada do paulistano Isay Weinfeld, consideradoum dos maiores nomes da arquitetura contemporânea na atualidade.
Croquis da cidade aeroportuária que a Inframerica planeja construir na capital: 900 milhões de reais serão investidos nos próximos dois anos
Mas, de todos os atributos que saltem aos olhos de quem se hospedar no B Hotel, nenhum deles aguçará mais os sentidos (no caso, o paladar) do que o restaurante do hotel. Com mais de mil metros de cozinha, divididos em várias etapas, como uma padaria completa, a alimentação será o grande atrativo do empreendimento. “Na maioria dos hotéis de Brasília, a cozinha é terceirizada. Aqui, a gastronomia é o carro-chefe, é o elemento a mais que buscamos oferecer para cativar clientes”, diz Ana Pauta. O paulistano Ramiro Bertassin, que já chefiou as cozinhas do complexo gastronômico JW Marriott, no Rio de Janeiro, é quem vai liderar o time de cerca de 60 cozinheiros.
Todo esse cuidado e requinte, no entanto, podem se tornar problemas caso o hotel não receba o número suficiente de hóspedes quando estiver funcionando. Mas nada que tire o sono dos brasilienses por trás do projeto, diz Ana Paula. “Até por ser nosso primeiro projeto desse porte no ramo hoteleiro, mantivemos nossos dois pés no chão e fomos bastante conservadores no nosso plano de negócios”, conta a administradora, mencionando que a estimativa de retorno do investimento é de até 15 anos. Sobre a crise, ela despista: “Daqui para frente, a tendência é de melhora, especialmente a partir de 2017 e 2018, quando nós devemos voltar a crescer”, projeta.
O requinte e a ousadia do B Hotel levam a marca registrada do arquiteto Isay Beinfeld: janelas em formas geométricas irregulares inspiradas em Brasília crise
É também o que acredita o economista-chefe da Gradual Investimentos, André Perfeito, que faz uma avaliação otimista sobre o futuro da economia brasileira. “Parte do pior já passou, e isso é traduzido em indicadores antecedentes que mostram que o humor de empresários já começou a melhorar, em especial os da indústria, que sofreram bastante com a crise recentemente”, diz o economista.
Ele, no entanto, dá um recado a quem, mesmo diante da crise, decidiu não colocar o pé no freio, a exemplo do que fizeram os investidores do B Hotel. “Por pior que seja tocar um sonho em um momento de desaceleração da economia, a verdade é que eles estão tirando o projeto do papel na melhor hora possível. Afinal, se tivessem lançado esse empreendimento em 2010, quando o Brasil vinha naquela maré de otimismo, seria pior. Porque 2010 foi o ponto de partida da desaceleração da economia que viríamos a ver até este ano. Então, eles (investidores) teriam enfrentado pelo menos cinco anos de economia fraca.”
Algo parecido ocorreu a três jovens brasilienses responsáveis por trazer de volta ao país a rede de cafeterias Dunkin’ Donuts. Quando o grupo iniciou as conversas com a gigante de fast-food norte-americana, por volta de 2010, a rede estava numa situação de indefinição. Apenas cinco anos antes, a loja de rosquinhas havia decidido encerrar as operações no Brasil, após quase duas décadas de resultados decepcionantes no país. Regressar, portanto, era uma decisão que parecia um tanto arriscada, mesmo para uma marca mundialmente conhecida e com faturamento bilionário.
Embora com um pé atrás, um fator novo pesava a favor para que a rede norte-americana mudasse de opinião a respeito do Brasil e do mercado consumidor nacional: a nova condição de potência mundial que o Brasil havia recentemente conquistado à época. “Quando começamos a conversar com o pessoal da Dunkin’, a economia brasileira estava bombando. Era um tempo de muito otimismo com o nosso país, pois parecia que nada poderia tirar o Brasil dos trilhos. Tínhamos dinheiro, reconhecimento internacional e uma nova classe média forte e ávida para consumir”, relembra Leonardo Oliva, diretor de marketing do grupo OLH, franquia responsável por liderar o retorno da Dunkin’ Donuts ao país.
Ana Paula Ernesto, administradora e sócia da Brasília empreendimentos, é responsável pela execução do hotel: investimento de 68 milhões de reais
Entre a elaboração de um novo plano de negócios e a primeira fornada de rosquinhas servidas na primeira loja inaugurada pela marca nessa nova fase, localizada na Asa Sul, passaram-se cinco anos. “Hoje, a realidade que encontramos é muito diferente da que tínhamos em 2010”, diz Leonardo, mencionando a desaceleração da economia e as turbulências do cenário político.
Inaugurada em maio de 2015, a primeira loja da franquia de rosquinhas atraiu público recorde. A euforia, no entanto, durou pouco. À medida que as crises econômica e política iam se acelerando, no ano passado, os consumidores colocaram o pé no freio. Em questão de poucos meses, os resultados que eram “acima do esperado” passaram a ser “bem abaixo do ideal”, reforça Leonardo, que, mesmo assim, mantém o otimismo. “Não dá para dizer que as coisas estão fáceis, mas, mesmo assim, o grupo vai continuar seguindo em frente abrindo lojas, contratando pessoas e investindo pesado em Brasília, mesmo que, nesse primeiro momento, estejamos vendendo menos. Nosso objetivo é um só: estampar a marca Dunkin’ Donuts em todo lugar de Brasília e do Centro-Oeste”, diz o empresário.
A meta é ousada: em cinco anos, o grupo espera abrir 65 lojas na região. Dessas, Brasília deve receber por volta de 25 lojas, considerando unidades que serão abertas também em regiões administrativas do Distrito Federal. Apenas neste ano, serão mais cinco unidades, uma no Sudoeste e duas no aeroporto. Em Goiânia, serão outras 15 lojas, conforme adianta Leonardo, mencionando que parte delas será aberta por parceiros locais. “Depois de abrirmos 10 lojas, todas com capital próprio, teremos autonomia para subfranquiar novas unidades. Para isso, vamos abrir uma holding, que acompanhará a abertura das demais cafeterias no Centro-Oeste”, conta o empresário, que não revela valores das negociações.
Um bom plano de negócios e planejamento a longo prazo foi também o ponto forte de outra empresa que acaba de investir alto no país. Só em Brasília, a iFly, que oferece voos indoor, investiu 10 milhões de dólares em estrutura e equipamentos, de acordo com o sócio-diretor, o brasiliense Manoel Damasceno. Para inaugurar o projeto por aqui (próximo ao shopping Pier 21), em fevereiro, foram cerca de 10 anos de estudos. “A iFly tem 52 túneis de vento, em 15 países. O primeiro foi construído em Orlando, em 1998. Para inaugurar em Brasília e em São Paulo, fizemos um planejamento extremamente detalhado”, conta. Ele, que é graduado em engenharia civil pela UnB e foi paraquedista profissional entre 2001 e 2007, comemora a volta à cidade natal – depois de viver fora do país em diferentes fases – e o sucesso do empreendimento: “Nós construímos praticamente uma aeronave dentro de um prédio. Trouxemos a possibilidade de voar, um sonho que poucas pessoas pensaram ser possível antes”, comenta.
Ramiro Bertassin vai liderar o time de cerca de 60 cozinheiros no B Hotel: a gastronomia é o carro-chefe do projeto
Quem também voou alto, com os pés fincados em solo brasiliense, foi Antonio Vazquez, diretor executivo do laboratório Exame. Com investimento de 25 milhões de reais, a empresa recentemente aumentou em 20% a equipe de atendimento, dobrou o número de unidades na cidade (agora são 50 pontos de atendimento) e reformulou a marca, apresentada em junho. De acordo com o executivo, as mudanças de infraestrutura foram pensadas para possibilitar mais conforto e acessibilidade aos pacientes – e, claro, com isso, atrair novos clientes. “Nós sabemos que crises têm início e fim. Estamos otimistas, mesmo que a área de saúde sinta a instabilidade de forma diferente de outros setores. Se aumentar o desemprego, por exemplo, um número maior de pessoas deixa de ter plano de saúde. Por isso precisamos ser assertivos, ter mais precisão e responsabilidade nos investimentos”, comenta.
Com ainda menos medo de tempos difíceis, a Inframerica, concessionária do aeroporto de Brasília e de Natal, no Brasil – e de outros 54 terminais pelo mundo –, pretende investir 3,5 bilhões de reais em novos projetos só na nossa capital, até o fim da concessão (ou seja, nos próximos 22 anos). De acordo com o presidente da empresa no Brasil, Daniel Ketchibachian, 900 milhões de reais serão desembolsados até 2018. “Falo de uma grande expansão do aeroporto, com geração de 10 mil empregos nas obras e, depois, 13 mil vagas fixas”, conta. Em parceria com outras empresas, a Inframerica planeja construir a primeira cidade aeroportuária da América do Sul: um empreendimento comercial de 303 mil m² que terá, entre outras benfeitorias, um shopping com 280 lojas, um edifício garagem com capacidade para quatro mil vagas de estacionamento interligado ao terminal, dois hotéis, dois edifícios de escritórios, cinema e academia. Dona da sala VIP mais bem avaliada do Brasil, a Inframerica faz planos ambiciosos e elogia o apoio que tem recebido por aqui: “Brasília é uma cidade muito colaborativa. Por ser jovem e planejada, para nós é mais fácil fazer as coisas aqui do que em outras cidades”, finaliza o argentino Daniel Ketchibachian.