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CIDADES | Estrutura »

No meio do caminho...

Buracos, placas, quiosques ou outras barreiras: calçadas precárias comprometem o direito de ir e vir dos brasilienses

Júnia Lara - Redação Publicação:05/08/2016 13:42
Vida de pedestre: não é fácil andar a pé em Brasília sem esbarrar 
com inúmeros buracos e barreiras nas calçadas (André Violatti / Esp. Encontro / DA Press)
Vida de pedestre: não é fácil andar a pé em Brasília sem esbarrar com inúmeros buracos e barreiras nas calçadas
A Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587/12) estabelece que a prioridade nas vias urbanas é do pedestre. Na prática, no entanto, não está nada fácil andar a pé no DF sem esbarrar com inúmeras barreiras que impedem o direito de ir e vir. Obstáculos como carros estacionados, quiosques e placas que impedem a livre circulação, má conservação e falta de continuidade desestimulam os que buscam uma alternativa de deslocamento com segurança pelas calçadas das cidades.

Ao contrário do que muita gente pensa, Brasília foi idealizada para privilegiar o trânsito a pé, e o foco no automóvel surgiu depois, pela falta de estrutura ainda no início da cidade. Lucio Costa, ao discorrer sobre a escala bucólica da capital, previa que os caminhos seriam definidos pela população e consolidados pelo poder público. As tais “linhas de desejo”, ou seja, os caminhos mais curtos escolhidos pelos pedestres, deveriam ser transformados em calçada. Porém, ao longo dos anos, somente em alguns lugares é possível ver a ação do poder público, como no Eixo Monumental, na ligação do canteiro central entre os ministérios. Na maior parte da cidade, “os caminhos de ratos”, trilha de terra em meio a cidade-parque, continuam sendo a alternativa dos pedestres para seu deslocamento.

Ao contrário do que muita gente pensa, a capital foi idealizada 
para privilegiar o trânsito a pé: o foco no automóvel surgiu depois (Divulgação)
Ao contrário do que muita gente pensa, a capital foi idealizada para privilegiar o trânsito a pé: o foco no automóvel surgiu depois
“É inaceitável que ainda hoje sejam cometidos erros por falta de pensar a cidade em sua totalidade física e formal, por falta de respeito à sua forma”, afirma a arquiteta Marilene Menezes, que em seu mestrado pesquisou o espaço do pedestre no traçado da cidade. “As calçadas surgem desordenadamente, não fazem parte de um planejamento único, como ocorre com as vias destinadas aos automóveis. Sem um plano estratégico, os passeios são construídos cada um à sua maneira, não formando conexões inteligentes que favoreçam o trânsito a pé”, afirma a pesquisadora, que durante dois anos, em variados turnos e horários, percorreu as Asas Sul e Norte observando como as pessoas fazem seus caminhos, identificando os fatores que favorecem e dificultam a vida de quem anda a pé.

Calçadas incompletas, danificadas, que não se conectam com outras já existentes e interrompidas, principalmente por invasões de área pública e diferenças de nível no piso, foram os problemas mais comuns relatados. Sem falar na ausência de passeios, em muitos trechos, que obriga os pedestres a usarem as áreas verdes, terrenos vazios, bordas do asfalto e até mesmo a passarem por baixo de viadutos. “A desconsideração para com o pedestre o coloca em situações de desconforto, de insegurança e de constrangimento”, ressalta a pesquisadora.

Insegurança é o que sente a aposentada Miriam Rosário, de 73 anos, moradora de Luziânia que periodicamente vem ao Setor Hospitalar Sul de Brasília: “Sempre tenho medo de cair por aqui. Mas não é ruim só para mim, é para todo mundo. Uma cidade planejada não poderia ter lugares como esse, onde nem passeio existe”, diz ela, enquanto caminha por uma área que deveria ser de passagem, mas que está tomada pelos carros e pela poeira dos caminhos sem pavimentação.

Promessa não cumprida: em várias áreas da cidade, as trilhas 
de terra são a alternativa dos pedestres para seu deslocamento (Divulgação)
Promessa não cumprida: em várias áreas da cidade, as trilhas de terra são a alternativa dos pedestres para seu deslocamento
Na altura da 509/510 Sul, em frente à parada de ônibus, a reportagem flagrou a dificuldade do morador da Estrutural, Adolfo Marques da Silva, para descer do ônibus. Com 46 anos e com a mobilidade reduzida por causa de um AVC, ele conta com a ajuda da mulher, Vera Lúcia Rodrigues, para se locomover, mas mesmo assim teme cair quando desce do ônibus, já que o piso está completamente tomado pelas crateras. “Os ônibus param apressados e, se eu não tomar cuidado na hora de descer, é queda na certa, a cada dia aumentam as crateras”, lamenta ele.
 
“O governo precisa agir, pois as regras já existem e devem ser cumpridas”, entende a arquiteta Tânia Batella, integrante da Frente Comunitária do Sítio Histórico de Brasília e do Distrito Federal. Em agosto do ano passado, a entidade entregou ao GDF um estudo detalhado sobre a invasão de calçadas e outros equipamentos públicos. Dos 1.146 pontos de quiosques, trailers e similares, nada menos que 54,1% ocupavam espaço de calçadas.

Ela defende ampla participação dos moradores na definição de prioridades na construção dos equipamentos públicos.

Uirá Lourenço, com os filhos, reclama: calçadas incompletas, danificadas e falta de respeito de alguns motoristas prejudicam o deslocamento pela cidade (Arquivo pessoal)
Uirá Lourenço, com os filhos, reclama: calçadas incompletas, danificadas e falta de respeito de alguns motoristas prejudicam o deslocamento pela cidade
Um dos criadores do blog Brasília para Pessoas, Uirá Lourenço concorda e dá como exemplo a construção de novas calçadas no Eixo Monumental: “Antes de construir calçadas em canteiros com pouco movimento de pessoas a pé, seria melhor resolver a situação de abandono das calçadas em locais com grande circulação de pedestres, como o Setor de Rádio e TV Sul, setores hospitalares e W3 (Norte e Sul), onde, além das crateras, os pedestres têm de desviar dos carros nas calçadas e nos canteiros”, comenta ele, que costuma pedalar pela cidade com os filhos, e não raro encontra dificuldades para se locomover.

O secretário de infraestrutura, Antônio Coimbra, reconhece que muitas calçadas precisam ser recuperadas e outras, construídas em todo o DF. Ele afirmou que o processo licitatório, que prevê a utilização de recursos da ordem de 54 milhões de reais nos próximos quatro anos, foi adiado temporariamente para ajustes solicitados pelo Tribunal de Contas do DF (TCDF). “Retomaremos a licitação assim que recebermos o parecer do TCDF e acreditamos que em 120 dias será possível iniciar as obras, já que existem prazos legais a serem seguidos”, afirma ele. Coimbra garante que a população está sendo ouvida na definição dessas obras, por meio dos conselhos comunitários e a partir das demandas apresentadas pelas administrações regionais.

Já as calçadas do Eixo Monumental fazem parte de um projeto maior da Secretaria de Gestão do Território e Habitação (Segeth), de requalificação do Eixo Monumental. A obra está orçada em 20 milhões de reais e será feita em etapas. Será instalado um sistema de proteção para garantir a permeabilidade do solo, evitando que as raízes de árvores danifiquem o concreto.

Adolfo Marques da Silva teme cair quando desce do ônibus na altura da 509/510 Sul: o piso está completamente esburacado (André Violatti / Esp. Encontro / DA Press)
Adolfo Marques da Silva teme cair quando desce do ônibus na altura da 509/510 Sul: o piso está completamente esburacado
O GDF informa ainda que, além de sugerir mudanças e obras junto às administrações regionais, o cidadão pode participar da fiscalização usando o 190 para denúncias junto ao Detran, sobre estacionamento irregular de veículos; ou ligando para o 162, da Agência de Fiscalização (Agefiz), no caso de ocupação irregular de área pública.

Mas não é preciso andar muito por Brasília para constatar que há desrespeito às normas na construção de calçadas. Poucos respeitam a chamada faixa de serviço, que deve ter pelo menos 80 cm de largura, para instalação de equipamentos públicos como lixeiras, postes de luz, entre outros. A faixa livre para circulação de pedestres deve ser de, no mínimo, 1,5 m em caso de via local e 2,25 m em via coletora. A norma recomenda ainda que o revestimento deve ter superfície regular, firme, contínua e antiderrapante, e estar nivelado com o meio-fio em todo o seu percurso, com inclinação transversal de, no máximo, 3%.
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