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CULTURA | Música »

Um instrumento desafiante

Trompete ultrapassa as fronteiras musicais de influência norte-americana e aumenta a popularidade entre diferentes ritmos da cidade

Sara Campos - Publicação:30/08/2016 14:40
Gustavo Rocha, trompetista do bloco Divinas Tetas, que 
estreou neste ano no carnaval de Brasília: 'O retorno foi melhor 
do que esperávamos' (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/DA Press)
Gustavo Rocha, trompetista do bloco Divinas Tetas, que estreou neste ano no carnaval de Brasília: "O retorno foi melhor do que esperávamos"
Um dos grandes protagonistas do gênero nascido em Nova Orleans, nos Estados Unidos, o imponente trompete, que aparece brilhante durante apresentações de jazz, contribuiu para difundir o som de artistas ilustres como Miles Davis, Jack Baker e Louis Armstrong. Além da importância inquestionável para uma sonoridade que conquistou gerações, o instrumento tem ganhado cada vez mais força na cena cultural de Brasília, berço de trompetistas talentosos como Moisés Alves, da Orquestra Sinfônica, e Tadeu de Jesus Filho, presidente da Associação Brasileira de Trompetistas, dois nomes vistos como referências que ultrapassam as fronteiras do Distrito Federal.

A maior popularidade do instrumento de sopro tem em sua raiz escolas que apostam nas bandas marciais como opções de atividades entre alunos desde o ensino fundamental. Muitos músicos tiveram o primeiro contato com o trompete em ambiente escolar e com o passar dos anos demonstrariam pelas ruas da cidade toda a sua versatilidade.

O solo de trompete da música Carinhoso na abertura da novela homônima, transmitida pela Globo em 1974, despertou a paixão de Flamarion Mossri, na época com 12 anos, pelo trompete. As aulas iniciaram em 1976, com a banda marcial do colégio Marista. O amplo leque de gêneros enriqueceu a formação musical de Flamarion, que com o trompete tocou forró, baião, MPB e outros gêneros. Posteriormente, o músico direcionou os estudos ao universo da música no Conservatório Dramático e Musical Doutor Carlos de Campos, em Tatuí, no interior de São Paulo, e na Escola de Música de Brasília. Trinta anos depois, Flamarion se tornou professor da banda marcial do Marista, a mesma que o apresentou ao trompete. No espaço, ele dá aulas de musicalização para crianças a partir dos 7 anos.

O músico Renan Smith toca nas bandas autorais Lusco Fusca e Marechal Matilda: 'Quis encarar o trompete para atingir uma maturidade musical' (Raimundo Sampaio/ Esp. encontro/ DA Press)
O músico Renan Smith toca nas bandas autorais Lusco Fusca e Marechal Matilda: "Quis encarar o trompete para atingir uma maturidade musical"
Em um primeiro momento, tocar trompete pode parecer uma atividade simples, mas o instrumento figura entre os que apresentam alta complexidade. “Muitos alunos escolhem o trompete porque ele tem apenas três botões. Ele é difícil justamente por isso, a sonoridade das notas musicais dependem do seu corpo. O trompete funciona como um amplificador”, destaca Flamarion. Para tocá-lo, é necessário ter conhecimento do funcionamento do próprio corpo, como movimentação de lábios, diafragma, garganta e língua. Essa complexidade faz muita gente desistir de tocá-lo”, diz Flamarion.

Além de ser um dos nomes que abriram caminhos para novas gerações de trompetistas brasilienses, Flamarion é um dos músicos atuantes na profissionalização dos grupos carnavalescos de Brasília. Depois de ouvir o chamado de um amigo para a formação da banda do bloco Calango Careta, o músico ofereceu aulas aos participantes, que formaram um grupo amador de trompetistas. “Muitos deles estavam em contato com o trompete pela primeira vez. Decidi dar aulas a um preço reduzido e muitos deles tiveram um bom desenvolvimento ao longo desse tempo”, ressalta Flamarion, que acredita que o movimento carnavalesco da cidade que tem acontecido nos últimos quatro anos foi fundamental para o fortalecimento da cultura trompetista. Segundo o músico, a cidade passa por um verdadeiro revival do carnaval carioca que incentiva a população a participar de maneira mais ativa nos blocos: “O trompete é um instrumento muito brilhante. Seus agudos são fortes. Ao ser tocado na rua, ele chama mais atenção do que os outros instrumentos. As pessoas querem participar dos blocos como protagonistas, e não apenas como espectadores”.

O professor Flamarion Mossri, do Marista: ele dá aulas de musicalização para crianças a partir de 7 anos  (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/DA Press)
O professor Flamarion Mossri, do Marista: ele dá aulas de musicalização para crianças a partir de 7 anos
Ex-participante do bloco carnavalesco em Itajubá, Minas Gerais, o funcionário público Vinicius Almeida viu na chamada do bloco Calango Careta uma oportunidade de aprender novo instrumento musical. “Ganhei um trompete de um amigo de Minas e fui ao primeiro encontro da Orquestra Camaleônica”, relembra o músico amador, que se dedica ao instrumento há um ano e dois meses, três vezes por semana.

Após muitas horas de treino, Vinicius se apresentou pela primeira vez com o bloco no carnaval deste ano tocando ritmos brasileiros como Fogo e Paixão, de Wando, e um pot-pourri de lambadas ao lado de 12 trompetistas do grupo. “O trompete é um dos instrumentos responsáveis pela melodia. A orquestra é heterogênea, o que permite que as pessoas se ajudem e troquem experiências”, diz o artista, que tem apresentação agendada com o grupo de músicos do Calango Careta no festival internacional Honk!, em novembro. “Seremos a única fanfarra brasileira de fora do Rio de Janeiro a participar do evento”, destaca Vinicius, com orgulho.

Integrantes da Orquestra Camaleônica do bloco Calango Careta, da qual faz parte o instrumentista Vinicius Almeida: %u201CSeremos a única fanfarra brasileira de fora do Rio de Janeiro a participar do festival Honk!, no Rio%u201D, diz ele (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/DA Press)
Integrantes da Orquestra Camaleônica do bloco Calango Careta, da qual faz parte o instrumentista Vinicius Almeida: %u201CSeremos a única fanfarra brasileira de fora do Rio de Janeiro a participar do festival Honk!, no Rio%u201D, diz ele
A versatilidade do instrumento de sopro e a necessidade de introduzi-lo em uma banda atraíram o músico Renan Smith ao trompete. Depois de fazer aulas particulares, começou a tocá-lo nas bandas autorais Lusco Fusca e Marechal Matilda. “Já tive contato com gaita e violão. Aprendi a teoria da música e quis encarar o trompete para atingir uma maturidade musical. Esses instrumentos serviram como base para que eu entrasse no trompete mais musicalizado”, diz.

O aprendizado do instrumento possibilitou à banda Lusco Fusca – formada por Louis (voz), Paulet (voz), Owsen (baixo), Hodari (guitarra), Flip (guitarra), Esquema (gaita) e Duzão (bateria) – gravar o primeiro álbum, Descobre, com sete faixas autorais que passeiam entre os gêneros rock, reggae e blues. “Queríamos garantir mais versatilidade à banda. Recebi a tarefa de aprender o trompete, o que garantiu mais diversidade de composição. O trompete ajuda a criar novas linhas musicais”, ressalta Renan, que na banda Marechal Matilda prova que o trompete pode se encaixar em gêneros brasileiros, blues e groove.

A predileção pelo ska da banda The Cat Empire foi o que levou o músico Gustavo Rocha ao mundo do trompete. Após comprar o instrumento, ele tentou tocá-lo por conta própria. “O trompete é desafiante. É preciso ter persistência, porque muitas vezes o som não sai bonito e pode ser desanimador no início”, relembra Gustavo, que está entre os trompetistas que agitaram o carnaval de Brasília no bloco Divinas Tetas, que estreou neste ano no Setor Bancário Sul e teve como foco músicas da Tropicália. “O retorno foi melhor do que esperávamos e foi a primeira vez que me apresentei para tanta gente. Vejo que as pessoas estão gostando de ficar em Brasília nessa época e é gratificante contribuir para esse movimento”, diz.
 
Você sabia?
O trompete está entre os instrumentos mais antigos do mundo. Começou a ser utilizado pelos povos anglo-saxões, sendo confeccionado inicialmente com chifre de animais. O som era associado à boa sorte e muitos povos acreditavam no poder de afastamento de espíritos ruins. Presente em bandas militares, o instrumento é considerado por estudiosos uma evolução da corneta
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