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SAÚDE | Terapias »

Um divã para chamar de seu

Saber escolher a linha que mais se encaixa ao seu perfil e às suas necessidades é um diferencial na hora de obter avanços na análise

Ana Letícia Leão - Redação Publicação:02/09/2016 13:47
'Independentemente da linha psicoterapêutica, sempre deve haver fundamento teórico', diz o coordenador da comissão de psicologia jurídica do Conselho Federal de Psicologia, Rodrigo Tôrres (Denis Medeiros)
"Independentemente da linha psicoterapêutica, sempre deve haver fundamento teórico", diz o coordenador da comissão de psicologia jurídica do Conselho Federal de Psicologia, Rodrigo Tôrres
Já é um grande passo decidir fazer terapia. Entender angústias e procurar formas de lidar melhor com elas, então, nem se fala. Quando já está tudo internalizado e você resolveu procurar um nome para ser seu analista, eis que surge mais uma grande dúvida: a linha certa. Mas terapia não é um consultório onde você se deita em um divã e fala até não poder mais e alguém o analisa? A resposta é: em partes. Pois há infinitas formas de isso ser feito. De fato, quando você vai a um consultório – nem sempre há divãs –, há um profissional a sua espera para ouvir e analisar. Mas há várias linhas que trabalham a mente humana. Até porque, como dizia Caetano Veloso, “de perto, ninguém é normal/ Às vezes segue em linha reta/ A vida, que é meu bem, meu mal”.

De acordo com o psicanalista e coordenador da comissão de psicologia jurídica do Conselho Federal de Psicologia (CFP), Rodrigo Tôrres, existem no Brasil, hoje, quatro grandes correntes de psicoterapias verbais, inauguradas desde o fim do século 19: corrente de inspiração psicanalítica, comportamental, existencial fenomenológica e humanista.

Para tratar a ansiedade, Luciana Negreiros começou a fazer terapia na linha comportamental há um ano: 'Conseguimos enxergar nosso comportamento, falar sobre ele na sessão e mudá-lo' (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/ DA Press)
Para tratar a ansiedade, Luciana Negreiros começou a fazer terapia na linha comportamental há um ano: "Conseguimos enxergar nosso comportamento, falar sobre ele na sessão e mudá-lo"
As psicanalíticas, mais fortes no país, surgiram por influência de Sigmund Freud por meio da associação livre de ideias. Nessa técnica, explica Tôrres, o paciente “fala o que vem à mente, sem censura, e parte-se da ideia de que todo ato tem uma causa”.

A analista de tecnologia da informação Renata Rabelo já circulou por algumas linhas psicoterapêuticas desde seu primeiro contato, aos 11 anos de idade. Seus pais a colocaram na terapia ainda criança para ajudar a lidar com conflitos familiares. Passou por vertentes como a bioenergética, aos 24 anos, que era bastante voltada a exercícios corporais para trabalhar emoções e noções de limite; e seguiu pelo psicodrama, em que interpretava, junto ao terapeuta, papéis do dia a dia. Hoje, ela é adepta da psicanálise. “Quero fazer terapia o resto da minha vida. Nós passamos a vida sofrendo e com dificuldades de lidar com algumas coisas por termos aprendido a ser assim. É no processo terapêutico que temos a oportunidade de nos reconstruir, de não ser alguém que aprendemos a ser”, diz.

Marianna Braga, coordenadora da clínica do Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento: 'Os consultórios comportamentais evitam passar regras' (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/ DA Press)
Marianna Braga, coordenadora da clínica do Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento: "Os consultórios comportamentais evitam passar regras"
A paixão pelo autoconhecimento, no caso de Renata, foi tamanha que ela acabou estudando e se formando em psicologia. “Tive vontade de conhecer mais depois de todo o processo e conquistas. É uma área em que pretendo atuar e investir”, afirma.

Em paralelo à associação livre de ideias, a psicanálise estuda profundamente o inconsciente humano, partindo do pressuposto de que ele sempre se manifesta de diferentes formas. Para a psicóloga Daniela Benez Ferreira, é a partir da informação que o paciente leva ao consultório que o terapeuta é capaz de trazer aspectos do inconsciente para a consciência. “O grande diferencial da psicanálise é justamente trabalhar o inconsciente, porque as outras terapias da época de Freud estavam muito mais relacionadas ao sintoma, ou seja, era tratado apenas o que estava visível. Freud comprovou que há muitas coisas que fazemos que são movidas por uma parte inconsciente, que não é a gente que decide, simplesmente aparece”, explica Daniela. Especialista em psicanálise winnicottiana, ela compara a mente humana a um iceberg: “Há uma pontinha chamada consciência, tem uma pré-consciência, que é o subconsciente e abrange sonhos, e o restante todo está no inconsciente, a que não temos acesso. É nisso que trabalhamos.”

'No processo terapêutico temos a oportunidade de nos reconstruir, de não ser alguém que aprendemos a ser', diz Renata Rabelo, que já seguiu diferentes linhas e hoje é adepta da psicanálise (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/ DA Press)
"No processo terapêutico temos a oportunidade de nos reconstruir, de não ser alguém que aprendemos a ser", diz Renata Rabelo, que já seguiu diferentes linhas e hoje é adepta da psicanálise
Outra ramificação dos estudos freudianos é a psicodinâmica do trabalho. Voltada exclusivamente para questões do ambiente organizacional, esse tipo de terapia busca entender como o paciente é avaliado no emprego, a história da empresa e cultura empresarial. Segundo o psicólogo Vitor Barros, especialista na área, no consultório há uma escuta qualificada sobre os conteúdos do trabalho: “Auxiliamos a pessoa a reconhecer o contexto, entender como aquilo afeta o emocional e por que ele não consegue ser tão racional, a ponto de explodir”, aponta. Como método, ele explica, os profissionais “provocam” os pacientes e questionam pontos essenciais que ajudam a formular hipóteses sobre a rotina. “A pessoa conta o dia a dia e, com elementos, já vamos imaginando como ela pode estar se sentindo para ajudar a dar clareza sobre os sentimentos relativos ao trabalho.”

Diferente da psicanálise, as psicoterapias analítico-comportamentais usam a análise funcional do comportamento como principal método nos consultórios. Segundo a coordenadora da clínica do Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento, Marianna Braga de Oliveira Borges, os terapeutas voltados para essa linha procuram identificar em função de que certo comportamento ocorre. “Em princípio, os analistas do comportamento eram associados à aplicação de técnicas de condicionamento e contracondicionamento, mas a prática, hoje, vai muito além disso. Inclui a investigação de variáveis históricas e suas relações com comportamentos”, afirma. Marianna explica que os consultórios comportamentais evitam passar regras e atuam no desenvolvimento de habilidades julgadas, conjuntamente, importantes a serem estabelecidas ao paciente.

A psicóloga Daniela Benez explica que, a partir da informação que 
o paciente leva ao consultório, o terapeuta traz aspectos do inconsciente para a consciência: 'Este é o grande diferencial da psicanálise', diz (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/ DA Press)
A psicóloga Daniela Benez explica que, a partir da informação que o paciente leva ao consultório, o terapeuta traz aspectos do inconsciente para a consciência: "Este é o grande diferencial da psicanálise", diz
A estudante de administração Luciana Negreiros começou a fazer terapia na linha comportamental há um ano. “Procurei porque tinha várias crises de ansiedade. Na primeira sessão, conversamos sobre o ponto principal das crises e na segunda aplicamos a técnica de pensar em um lugar seguro e me imaginar lá”, lembra. Luciana conta que o objetivo era fazer com que, quando se sentisse ansiosa, nervosa ou cansada, fosse capaz de se imaginar no lugar de segurança abordado em consultório. Além de se “transpor” para um ponto de aconchego, a jovem afirma que usa estímulos visuais, sonoros e do tato durante as análises. “A terapeuta me passou os estímulos do comportamento para observar. Passei a anotar, depois discutíamos. A comportamental é bem prática e tangível. Conseguimos enxergar nosso comportamento, falar sobre ele na sessão e mudá-lo”, diz.

Além das correntes psicanalistas e comportamentais, as linhas existencial fenomenológica e humanista também estão entre as mais procuradas nos consultórios. Segundo Rodrigo Tôrres, a primeira usa como método o “ser aqui e agora”. Nela, o que importa é a existência, não a essência. Apesar da complexidade, conforme explica o psicanalista, é uma corrente prática que parte do princípio de que todo ser humano tem um projeto e a psicoterapia deve “descobrir” qual é e lançar uma luz sobre ele, ajudando a concretizá-lo.

Com base na ideia de como a pessoa pode estar se sentindo, a psicodinâmica do trabalho ajuda a dar clareza sobre os sentimentos relativos ao ambiente organizacional, explica o psicólogo Vitor Barros (Bruno Pimentel/ Esp. Encontro/ DA Press)
Com base na ideia de como a pessoa pode estar se sentindo, a psicodinâmica do trabalho ajuda a dar clareza sobre os sentimentos relativos ao ambiente organizacional, explica o psicólogo Vitor Barros
Já as psicoterapias humanistas são focadas, por exemplo, em correntes mais espiritualistas, propondo uma integração com o todo. A linha trabalha com o pressuposto de que há uma hierarquia de necessidades, que vão desde as mais básicas, como alimentação e sono, e avança gradativamente para questões de segurança, amor e autoestima. Não tem aprofundamento na infância, ou em traumas. “O último nível da hierarquia é um contorno de transcendência. No caso, o ser humano consegue ser feliz à medida que avança nas suas necessidades conforme a hierarquia”, diz Tôrres.

Independentemente da técnica escolhida, profissionais alertam que o processo da escolha psicoterapêutica precisa ser pesquisado e estudado com cuidado. “Terapias de vidas passadas e regressão, por exemplo, são contrárias ao Código de Ética da Psicologia”, explica Rodrigo Tôrres. O ideal, segundo o especialista, é pesquisar uma linha em que a pessoa se encaixe, ir a uma primeira sessão, observar a conduta e a seriedade do profissional e, principalmente, questionar qual o embasamento teórico. “Independentemente da linha, sempre tem de haver fundamento teórico”, afirma.

Além de um profissional capaz, é fundamental que paciente e terapeuta tenham empatia, para fazer com que todo o processo flua com naturalidade. “A sociedade promete felicidade o tempo todo e isso é uma ilusão. Não existe felicidade permanente. E não há terapia que faça existir. O sujeito precisa se implicar porque, senão, não há processo que ande favoravelmente”, argumenta o psicanalista.
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