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GASTRÔ | Pescados »

Peixe do dia

Nem só de salmão, atum, tilápia ou robalo vive a gastronomia brasiliense. Atentos à disponibilidade e de olho na sustentabilidade, chefs buscam alternativas para oferecer variedade e sabor

Rebeca Oliveira - Publicação:28/10/2016 09:39Atualização:28/10/2016 10:06
Milhares de quilômetros de litoral. Centenas de rios. Incontáveis nascentes. A abundância de recursos hídricos faz do Brasil uma referência em pescados. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), até 2030 o país estará entre os maiores produtores de peixe do mundo, quando se estima que a atividade pesqueira deverá produzir 20 milhões de toneladas. Mas essa diversidade não representa o que se vê nas cozinhas locais.

De norte a sul, nota-se uma predominância de pescados como salmão, atum, tilápia ou robalo nos cardápios. Lamentavelmente, o uso desenfreado dessas espécies tem gerado escassez e redução nos cardumes. Na corrente contrária, muitos chefs da cidade têm se mantido atentos à sazonalidade daquilo que vem dos rios e mares.
 (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/DA Press)

Outros, para evitar a mesmice gastronômica, apostam as fichas em tipos exóticos. São menos populares, mas igualmente potentes em sabor. No Soho, o unagui - nome japonês para a enguia - vem de fornecedor paulista e já chega à casa defumado, ressaltando o sabor levemente adocicado.

Importado do Chile, o salmão, para citar um exemplo, teve um aumento de 60% no seu preço nos últimos meses. Ele surge com menos frequência no New Koto, um dos restaurantes japoneses mais bem avaliados de Brasília. "Oferecemos os peixes mais frescos e para que isso seja possível temos fornecedores diferentes para cada tipo de pescado, a fim de aumentar a diversidade no nosso menu", diz o chef Cristiano Komiya.

A preocupação com a sustentabilidade norteia seu trabalho. "Os peixes são nossa ferramenta de trabalho e principal matéria-prima. Prezamos pelo respeito ao ciclo de vida de cada um deles", acrescenta.  Tainha, pargo, peixe-serra, peixe-voador e buri aparecem com frequência entre as sugestões do chef. A ideia é evitar espécies em extinção (linguado, namorado ou cherne, por exemplo) ou que tenham um tipo de pesca agressiva, como a sardinha. A iniciativa vai ao encontro do que recomenda organizações como a WWF-Brasil (fundação internacional de proteção à natureza) e a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). Fora de risco estão exemplares como bonito, baiacu, cavala, cavalinha, espada, lula, manjuba, camarão-branco, carapau, xixarro, sororoca e oveva.

No restaurante Vista Linda, harmonia é palavra-chave. Servido frito, o peroá figura entre as entradas mais requisitadas da casa, conhecida pelo visual impressionante e ambientação bucólica. Coube ao chef capixaba Guto Dias oferecer aos comensais da cidade o peixe muito comum no litoral do Espírito Santo. No entanto, de fevereiro a junho, ele fica em falta no menu para respeitar o período de defeso da espécie. "Precisamos fazer essa adaptação para manter vivos os cardumes", afirma. No ano passado, a exploração petrolífera no litoral capixaba quase ameaçou a subsistência dos pescadores locais. Fato que, para ele, poderia ser contornado com o cuidado e maior fiscalização governamental.

Em funcionamento há mais de 40 anos, a Peixaria Ueda é referência na cidade para quem procura pescados raros, exóticos e, principalmente, frescos - e por um bom preço. Considerada uma iguaria em muitas cozinhas de outros países, a sororoca, pescado da família do atum, tem preço médio de R$ 26,90. Agosto é a melhor época para comprá-la. "É um peixe que poucas pessoas conhecem. Treinamos nossos vendedores para que o ofereçam, por exemplo, a quem gosta de robalo. Ele tem pouco espinho e rende um excelente filé", afirma a gerente Maria do Socorro Rodrigues. Outras espécies, como o peixe-espada, saem ainda mais em conta: é possível levá-lo para casa ao preço de R$ 16,90. "Sua carne parecida com a do linguado", afirma Maria do Socorro. Por não ter tanta procura, essas espécies são vendidas apenas inteiras, diferentemente de outros tipos mais populares, que são encontrados limpos e fatiados em posta ou filé.
 
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Raro e defumado

No intuito de diferenciar as receitas do Soho das demais espalhadas pela capital, o sushiman Edson Gonçalves lança mão de peixes raros, a exemplo do sushi de unagui (R$ 80 - 4 unidades), outra nomenclatura para a enguia. Para garantir a espécie rara, %u2028que custa em média R$ 450 %u2028o quilo, o Soho importa %u2028o peixe dos Estados Unidos por meio de um fornecedor paulista. O pescado já chega com a pele defumada, pronto para o corte. “Ele tem textura peculiar e gosto levemente adocicado. É um sabor único, diferente de outros peixes brancos que podem se passar um pelo outro, como a tilápia e a pescada amarela”, explica Edson, que garante: se o cliente pedir, pode provar também sashimi de enguia, %u2028com preço calculado %u2028na hora em razão da variação de tamanho.
Rara e de sabor exclusivo, enguia - ou unagui, para os japoneses - pode ser encontrada no menu do Soho o ano inteiro: ideia de oferecer espécie exótica partiu do sushiman da casa, Edson Gonçalves (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/DA Press)
Rara e de sabor exclusivo, enguia - ou unagui, para os japoneses - pode ser encontrada no menu do Soho o ano inteiro: ideia de oferecer espécie exótica partiu do sushiman da casa, Edson Gonçalves

Sabor capixaba

Como grande parte dos pescados, o peroá, predominantemente encontrado no litoral do Espírito Santo, não carece de grandes invencionices à mesa. Vale a máxima comum de que menos é mais. Temperado com limão, sal e pimenta-do-reino branca, o peixe frito é guarnecido à moda capixaba no Vista Linda: com vinagrete, fritas e farofa (R$ 74,90, o exemplar com 500 g), acrescida de banana frita, se o freguês desejar. Com carne tenra, o pescado tem sabor peculiar, nem tão forte quanto outros de água salgada, nem tão terroso quanto os de água doce. A teimosia do chef Guto Dias em apresentar ao público o peixe até então desconhecido deu mais que certo: hoje, é um dos itens indispensáveis ao cardápio do restaurante, fundado há três anos no "quintal" da casa de Guto, virado para a serra e com visual para lá de encantador.
 (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/DA Press)

Pioneirismo reconhecido

Não é de hoje que os comensais brasilienses reverenciam a cozinha oriental do New Koto. A história do restaurante começou pelas mãos competentes do saudoso chef Ryozo Komiya, procedido pelo filho, Cristiano, que preza pelo rigor e respeito às técnicas tradicionais japonesas. Ao entrar na casa, o cliente logo tem o paladar desafiado. Tainha, pargo, peixe-serra, peixe-voador, buri. Não faltam exemplares diferenciados no cardápio - são 12, no total -, que geralmente emprestam suas peculiaridades à elaboração dos sushis e sashimis do combinado individual, a R$ 110 (com 25 peças). O corte preciso de Komiya é fundamental, mas alguns cuidados pré-preparo os deixam ainda mais suculentos. Primeiramente vão à brasa com a pele e depois são colocados em gelo, choque térmico necessário antes de serem fatiados, com o menor desperdício possível. "No Japão, os pescadores têm a consciência ambiental de usar todas as partes do pescado. Quase nada vai para o lixo. Além do mais, eles também congelam as espécies em nitrogênio, o que mantém as propriedades nutricionais", explica.
 (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/DA Press)

As aparências enganam

Desprezado no Brasil, o peixe-sapo, também conhecido como tamboril, tem status de iguaria em muitos países, como a França. Um dos raros locais onde o pescado encontrado no litoral do Rio Grande do Norte pode ser degustado é no Croissanterie. O arroz de tamboril (R$ 46) traz o filé do peixe mais camarões, pimentões vermelhos e amarelos, tomate e coentro. Marinado no limão para tirar o aroma intenso, ganha um sabor sutilmente cítrico. Uma receita que a chef Francisca Ramos acompanha minuto a minuto. "O peixe-sapo deve ser cozido por exatos 25 minutos. Mais que isso, fica borrachudo", conta a mineira de Unaí. Cerca de 40 kg de peixe-sapo são usados por semana no café e bistrô, oriundos da Peixaria do Guará, na Feira do Guará. "É um peixe de águas profundas, de difícil acesso. Para abastecer nosso estoque, precisamos reservá-lo com duas semanas de antecedência", diz.
 (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/DA Press)
 
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