João Paulo é um dos organizadores da campanha Somos Todos Nelson Campos
Mais do que selfies, memes e virais, a internet pode ser terreno para a solidariedade. Sites, aplicativos e redes sociais têm sido ferramentas usadas com cada vez mais frequência para a divulgação de campanhas de saúde e vaquinhas virtuais para custear tratamentos médicos. O engajamento é real, rápido e necessário. Não faltam exemplos de situações vividas por gente da cidade que comprovam que a solidariedade vence barreiras, inclusive as virtuais.
O drama de Fabiana Ikeda comoveu Brasília e rodou o país. A paulista radicada na capital federal lutou contra uma leucemia linfoide aguda por mais de um ano. A funcionária pública foi diagnosticada com a doença em outubro de 2014. Impressionada com os números baixos de asiáticos – ela era descendente de japoneses – no cadastro de doadores de medula óssea no país, em vez de conformar-se, ela somou forças com o marido, Daniel Gonçalves de Oliveira, e começou uma campanha no Facebook batizada de #AjudaFabiana. Depois, a iniciativa estendeu-se para o site Cores que Salvam (hoje, chamado de Você Pode Salvar). O internauta imprimia um convite à doação de órgãos e tecidos que podia colorir, personalizar e entregar a outra pessoa.
Em nenhum momento, o casal pensou em pedir dinheiro. A ideia, desde o princípio, foi disseminar informação. Em janeiro deste ano, Fabiana não resistiu às complicações de um transplante de medula óssea, mas a luta dos últimos anos não foi em vão. Embora o Brasil seja o maior banco público do mundo, segundo o Ministério da Saúde, a espera pode levar meses – tempo que muitas pessoas, infelizmente, não têm. Juntos, a página do Facebook e o site fizeram com que fossem incluídos cerca de 3 mil doadores asiáticos e outros 6 mil de outros perfis genéticos no banco de dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca). Virtualmente, mais de 1,6 milhão de pessoas foram alcançadas.
No fim do mês passado, a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional também aderiu às redes do bem com um concerto para levantar fundos para o violoncelista Nelson Campos, que trata um câncer do intestino desde setembro. O músico mora no Chile desde 2005, país onde nasceu, mas tem amigos em todo o Brasil, graças à sua passagem por várias orquestras do país, além das aulas de música que lecionou em algumas universidades brasileiras.
Foi numa faculdade em João Pessoa (PB) que o violinista paulista radicado em Brasília João Paulo de Andrade Júnior conheceu Nelson. Essa ligação afetiva motivou o músico a ser um dos organizadores do show, no qual foram arrecadados cerca de 4 mil reais. “As apresentações foram muito emocionantes”, conta João Paulo. Mas a campanha não para aí. Na internet, estão sendo vendidas camisetas para ajudar no custo do tratamento de Nelson, estimado em 135 mil reais. Há, também, uma vaquinha virtual, por meio da qual internautas podem doar o valor que quiserem.
O mesmo motivo, ou seja, um câncer, fez o bailarino Ary Nunes Coelho pedir ajuda em um site de crowdfunding (ou financiamento coletivo). Um tumor na amígdala que culminou em metástase o obrigou a tomar um medicamento caríssimo. Sem saber como adquirir o remédio, criou o projeto na web e o resultado não poderia ser melhor. Em duas semanas, conseguiu 30 mil reais, quantia que seria mais difícil de angariar se não fosse pelo potencial da internet de disseminar conteúdos de maneira rápida e certeira. O texto e a organização da página ficaram por conta da mulher de Ary, Luísa Günther. “Não foquei em questões como os efeitos colaterais, a perda de peso e a queda dos cabelos. Quando vem o diagnóstico, vamos procurando outros caminhos, acreditamos no amanhã”, afirma ela. Ary não parou de dançar, mesmo com as sessões constantes de um tratamento que classificou como “brutal”. A rotina do bailarino, com as dores e delícias da profissão, pode ser acompanhada em diário virtual no Facebook. Viver, para ele, é um ato de resistência.
Diferentes no contexto, mas iguais em propósitos, algumas campanhas não visam a doações para si mesmo, nem a parentes ou familiares. A psicóloga Adriana Dias e a voluntária Priscila Castello Branco, por exemplo, cansaram de esperar o governo de Brasília agir. Diante da necessidade urgente de uma nova sala de medicação para a UTI do Hospital Materno Infantil de Brasília, fizeram uma vaquinha on-line. O convite foi feito por meio de um vídeo postado no Youtube. “As crianças não podem esperar”, diz Priscila, voluntária da associação Viva e Deixe Viver. Em 30 dias, a vaquinha movimentada no ambiente virtual arrecadou os 9 mil reais necessários. Hoje, já revitalizado e em uso, o espaço beneficiará cerca de mil crianças.
Para dar ainda mais força a iniciativas que atuam on-line e off-line em saúde, meio ambiente, direito dos animais e causas sociais, Jaqueline da Cunha Sá Rego criou o portal Solidário. O site, sem fins lucrativos, arrecada doações em dinheiro para instituições sérias, as quais a administradora conhece pessoalmente antes de indicar no portal. A criação atendeu à percepção de Jaqueline de que muitos queriam ajudar, mas se sentiam inibidos em relação à quantia, ou precisavam de validação sobre a seriedade das instituições. A administradora usa a página, o Facebook e até o WhatsApp para divulgar novidades.
“Fiz isso porque tinha a noção do poder da rede. É mais fácil ajudar com muitas pessoas doando pouco dinheiro do que uma empresa doando muito. Principalmente com uma situação econômica difícil como a nossa. O importante é mobilizar várias pessoas, ajudá-las a se encontrar é o meu slogan, reunir pessoas que querem ajudar com aquelas que ajudam”, resume. Em 30 dias, o site movimentou 16 mil reais.
Parte desse valor vai se destinar à instituição Vida Positiva, criada por Vicky Tavares há 10 anos para assistir crianças e adolescentes que vivem e convivem com o HIV/Aids. A ONG teve um carro roubado no início de novembro, item fundamental para a maioria das ações sociais, como a entrega de lanches, cestas básicas e transporte para atividades escolares e esportivas. Serão necessários 75 mil reais para a compra de outro veículo. Além do site Solidário, um shopping da cidade também está doando 1 real para a Vida Positiva a cada foto tirada com o Papai Noel. “Com a crise, tivemos uma queda de 60% nas doações”, lamenta Vicky. “As redes sociais são nosso principal canal de comunicação”, acrescenta a voluntária.
Para o psicólogo Hélio Machado Lopéz, movimentos como esses, em que milhares de voluntários contribuem com o tratamento de pessoas que as vezes não conhecem, mostram que não se pode generalizar e classificar a sociedade moderna como individualista. “Temos de pensar no caráter simbólico em que essas relações são construídas. Há quem tenha vivência parecida na família e se sinta inclinado a doar. Há quem já tenha recebido muito, como cursado uma faculdade
pública, e entenda que tem uma obrigação de ‘devolver’ aquilo que foi investido. E há quem apenas quer ajudar, sem querer nada em troca”, avalia. Segundo Hélio, existem várias possibilidades para entender esse fenômeno, e cada um tem uma motivação. “O que sabemos, com certeza, é que tem a ver com histórias de vida, que são múltiplas”, diz o psicólogo. Independentemente das razões para colaborar, são elas que dão esperança para acreditar, cada vez mais, que a solidariedade nunca sai de moda, nas redes ou fora delas.