Em um discurso histórico, o mártir latino-americano Salvador Allende, morto pela ditadura Pinochet, em 11 de setembro de 1973, disse a frase-mantra: “Ser jovem e não ser revolucionário é uma contradição, inclusive biológica”. Em tempos sinistros, a máxima do presidente chileno merecia ser regatada, sobretudo para estancar o crescimento do fascismo e da extrema direita, que ameaçam, sem precedentes, todo o planeta. E é justamente invertendo a lição de Allende que um dos mais brilhantes cineastas em atividade, o italiano Paolo Sorrentino, criou a melhor série televisiva de 2016, The Young Pope, exibida atualmente no Brasil, através do canal Fox Premium 1.
Com a intenção de continuar oxigenando a liturgia católica, o poderoso cardeal Voiello (Silvio Orlando), figura progressista e de grande astúcia política, trabalha para ascender o jovem Lenny Belardo (Jude Law), ator norte-americano de 47 anos, como o novo Sumo Pontífice. O favorito, antes do início do conclave, era o cardeal Michael Spencer (James Cromwell), de ideias conservadoras e mentor, da então incógnita Lenny Belardo.
Todo o xadrez idealizado por Voiello para fazer de Lenny o novo Santo Padre surte efeito, mas o Papa Pio XIII, logo na primeira manhã, já escancara que progresso e revolução não passam nem perto de seus planos. A criatura, alçada ao posto máximo da igreja de Roma, literalmente devora o criador, o cardeal Voiello, também secretário de Estado do Vaticano, cargo mais importante abaixo do herdeiro do trono de São Pedro. A tranquilidade se estilhaça e os rumos da casa cristã mais importante do mundo, praticamente, ficam à deriva.
Jude Law no papel-título da série de TV The Young Pope: ele desempenha muito bem o papel
de Lenny Belardo,
eleito o Papa Pio XIII
Assumidamente inspirado nos recentes escândalos sexuais e de corrupção e na eleição do Papa Francisco, em 2013, Paolo Sorrentino faz uma produção exuberante, nem um pouco linear e lógica, guardando surpresas em cada um dos 10 soberbos episódios de The Young Pope. Sua genialidade, comparada ao do mestre Fellini, desde a consagração com a obra-prima A Grande Beleza (2013), é de fato o infindável desfile de imagens, metáforas e fotografias, que enchem a tela, a cada nova sequência do projeto de lastro europeu.
O papa de Jude Law é o presente que qualquer ator almeja que lhe seja confiado. Sempre com resposta para tudo, com diabólica sabedoria, a encerrar toda sorte de conversas, o personagem desperta antipatia, no primeiro momento, porém, ao mesmo tempo, constrói uma imensa cumplicidade com o espectador, a cada novo lance revelando a verdade e os traumas passados por Lenny Belardo. Na conclusão, não passa de um garoto crescido que deve assumir a igreja, mas que antes, de preferência, deveria desembaraçar as maldades que sofreu na infância.
Polêmicas sobram na série e é necessário assistir a todos os capítulos, sob pena de cogitar que Sorrentino manipula mal os preconceitos e desfechos danosos, para caracterizar e humanizar seu anti-herói. A homofobia de Lenny, por exemplo, ao confrontar o prefeito da congregação para novos padres e sacerdotes, esfacela-se quase no fim, quando se descobre seu total conhecimento acerca da sexualidade de um de seus mais queridos e respeitados colaboradores diretos.
Menções às participações de Diane Keaton (irmã Maria) e Javier Cámara (monsenhor Gutierrez) são importantes para destacar o trabalho de Jude Law, o protagonista, e saber dos coringas inventados com perfeição por Sorrentino. Mas, o espetáculo somente se completa com a presença do cardeal Voiello, do fascinante ator italiano Silvio Orlando.
The Young Pope ficará marcado pela magnífica e certeira condução de toda a trama. Com dois capítulos finais que transbordam emoção, mesmo para o crítico mais radical, que se esforçou para completar a maratona da polêmica série.