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EDUCAÇÃO | Estudos »

Reforço antes do sufoco

Pais recorrem a aulas particulares para que filhos recuperem notas ruins e passem de ano sem maiores problemas. Mas especialistas alertam sobre a dependência que isso pode gerar nos jovens estudantes

Maíra Nunes - Publicação:07/06/2017 12:11Atualização:07/06/2017 14:38
No 2º ano do ensino fundamental, Ana Lúcia Castro Curi, de 10 anos, perdeu duas semanas de aula no começo do ano letivo, por causa de uma viagem em família. Mãe da estudante, a psicopedagoga Kelly Karine de Souza Castro ficou preocupada: a filha já havia apresentado dificuldade em matemática. Foi então que decidiu que Ana Lúcia iria frequentar o apoio pedagógico da escola em que estuda, o Colégio Moraes Rêgo. 
 
Kelly também contratou aulas particulares, com o objetivo de equiparar o conteúdo das aulas perdidas. “Com o meu filho mais velho senti que o acolhimento da escola, respeitando as características e o ritmo dele, foram fundamentais para o bom desempenho que ele tem hoje, aos 16 anos, no 2º ano do ensino médio”, diz Kelly, referindo-se a Lucas, estudante do Leonardo da Vinci. Com a mais nova, Kelly adianta que as aulas particulares já não são necessárias. “Entendo que a autonomia deles também é muito importante”, pondera. 
A estudante Ana Lúcia Curi faz aulas de matemática com a professora Nara Macedo: apoio pedagógico no colégio onde a menina estuda (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/DA Press)
A estudante Ana Lúcia Curi faz aulas de matemática com a professora Nara Macedo: apoio pedagógico no colégio onde a menina estuda
 
Fabiana Nalon, nutricionista e professora universitária, também é uma defensora do reforço escolar: “Na minha infância, eu tive muita dificuldade em entender o número negativo e com uma aula particular consegui sanar minha dúvida, me esclareceu o problema”, lembra. Ela também já assumiu a postura de quem oferece o atendimento particularizado, pois deu aulas particulares na época de estudante universitária. Mãe de dois filhos, Fabiana recorreu ao reforço para o mais velho, João Rafael Queiroz Soares, de 14 anos.
 
O detalhe é que João Rafael, que está no 9º ano do ensino fundamental, nunca tirou notas baixas. Ainda assim, Fabiana notou que o filho não gostava muito de ler nem de escrever: “Ele é muito bom em matemática, mas eu via que as respostas em questões de história e geografia eram sempre muito curtas”, relata a mãe. Foi quando ela contratou a professora particular de redação Maria Regina Dias para incentivá-lo a praticar a escrita uma vez por semana. “Preferi desenvolver desde já uma habilidade que ele não tinha tão forte para evitar alguma dificuldade futura”, diz.
Aluno do 9º ano do ensino fundamental João Rafael Soares faz aulas em casa de com a professora Maria Regina Dias: treinos práticos de escrita uma vez por semana (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/DA Press)
Aluno do 9º ano do ensino fundamental João Rafael Soares faz aulas em casa de com a professora Maria Regina Dias: treinos práticos de escrita uma vez por semana
 
Nara Naves é professora há 18 anos de uma das disciplinas mais temidas entre os estudantes. “A matemática sempre foi vista como um bicho de sete cabeças”, reconhece. Mas a professora defende que essa imagem pode mudar, caso o estudante entenda a matemática em vez de tentar decorá-la. Além da importância de prestar atenção na aula e fazer o dever de casa, tirar as dúvidas é fundamental. Só que, para muitas crianças e jovens, fazer isso na frente dos colegas pode parecer intimidador.
 
Assim, o atendimento extraclasse mostra-se uma alternativa aos mais tímidos. É um atendimento mais particularizado, que possibilita um contato maior entre o estudante e o professor. “Ele sente uma liberdade maior de perguntar o que não entendeu quando não está dentro de uma sala de aula com outras pessoas”, avalia Nara.
 
A servidora pública Cláudia Gontijo diz que sempre procurou ajudar a filha Ana Beatriz Nascimento, de 17 anos, nos estudos. Isso até as dúvidas envolverem conteúdos mais robustos do ensino médio. “Eu não dei mais conta de ajudá-la e tive de apelar para o plantão do colégio ou uma ajuda em casa individualizada”, explica. Ana Beatriz passou a ter aulas de português e redação. “Achei bem puxado no começo, pela rotina intensa. Mas vi que me ajudou até para fazer resumos e sintetizar melhor conteúdos de outras áreas, como história e geografia”, conta a estudante, que está no 3º ano do ensino médio do Sigma. Quando a professora particular de português e redação Maria Regina Dias sentiu que a jovem estudante conseguia caminhar com as próprias pernas, liberou-a das aulas.
 
E assim como aconteceu com Ana Beatriz pode acontecer com outros estudantes. “Entrar em contato com a dificuldade e ter de procurar recursos para ultrapassá-la tem uma importância muito grande no processo de aprendizagem, sendo exercida de forma pró-ativa e não passiva”, explica a psicoterapeuta Lydia Joffily. Esse processo caminha para desenvolver uma autonomia em diversas áreas, não só na escola. “Sentir que você dá conta, que solucionou um problema e ultrapassou um desafio fortalece a autoestima e a sensação de capacidade no geral”, afirma.
 
Lydia defende que os pais precisam e podem ajudar o filho, se necessário. Mas, com o cuidado de não criar uma dependência da presença dele para que haja o estudo ou que o filho estude apenas para satisfazer as expectativas dos pais. “Esse momento envolve uma carga emocional grande e pode gerar brigas”, diz a psicoterapeuta. Nesses casos, professores particulares podem melhorar o clima na casa. “Mas, de novo, é importante que a criança e o jovem aprendam a fazer as atividades sozinhos, sem o pai ou o professor por perto”, completa.
 
A advogada Carla Betini se desdobra com a rotina do trabalho e os cuidados com a filha Gabriela Betini Oliveira, de 12 anos, que está no 8º ano do ensino fundamental no Moraes Rêgo. “Não sou daquelas mães que ficam no pé nem sou de fazer o dever com ela. Deixo minha filha andar com as próprias pernas”, diz. Para Carla, o apoio pedagógico da escola ajuda pela necessidade de deixar a filha em um lugar seguro e pela oportunidade de a ela fixar melhor o conteúdo. “Considero a Gabriela muito madura. Ela mesma faz as obrigações dela e sempre reforço a importância de minha filha falar a verdade comigo sobre tudo o que se passa com ela”, diz Carla.
Gabriela Oliveira, aluna do 8º ano do ensino fundamental do Moraes Rêgo: a mãe da estudante acompanha de perto os estudos da filha (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/DA Press)
Gabriela Oliveira, aluna do 8º ano do ensino fundamental do Moraes Rêgo: a mãe da estudante acompanha de perto os estudos da filha
 
Professora do departamento de Psicologia Escolar e do Desenvolvimento da Universidade de Brasília (UnB), Regina Pedroza destaca os cuidados de não sobrecarregar o estudante e evitar deixá-lo acreditar que a dificuldade de aprendizado em determinado conteúdo é um problema exclusivamente dele: “É preciso saber como está o ensino, o ambiente para os estudos em casa, ter uma proximidade com a escola e o professor, para que os pais possam acompanhar o desenvolvimento do filho durante todo o ano”, afirma.  
 
Regina ressalta a importância de criar um ambiente tranquilo, organizado, sem tensão ou brigas na presença da criança ou do adolcescente. Eles precisam relacionar o estudo a um momento agradável, e não exclusivamente a uma obrigação ou a um castigo. Também é fundamental que vejam sentido em estudar. “A falta de entendimento sobre a importância e a utilidade dele afasta o estudantes dos estudos”, esclarece a psicóloga. 
 
QUANDO O REFORÇO ATRAPALHA
 
Com experiência de mais de duas décadas na orientação e coordenação escolar, a pedagoga Luciana de Oliveira Matias explica que o reforço escolar pode ser muito útil para o aprendizado, desde que usado para necessidades pontuais. “Se a criança apresentou maior dificuldade em um conteúdo, é válido. Só não é recomendado que ele seja contínuo, porque pode inibir habilidades, responsabilidades e o compromisso com o estudo que crianças e jovens precisam desenvolver”, diz.
Luciana Matias diz que é preciso dar atenção ao dever de casa: 
'As crianças começam a criar o hábito de ler, estudar e se defrontar com as dúvidas 
e as dificuldades' (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/DA Press)
Luciana Matias diz que é preciso dar atenção ao dever de casa: "As crianças começam a criar o hábito de ler, estudar e se defrontar com as dúvidas e as dificuldades"
 
Criar uma disciplina de estudo quando a criança ainda não tem maturidade não é tarefa fácil. É então que o dever de casa assume a função de também construir um entendimento sobre a importância do estudo e de fazê-lo de forma frequente. “A tarefa de casa requer um tempo para sentar e dedicar-se. É com ela que as crianças começam o hábito de ler, estudar e tirar as dúvidas e as dificuldades”, explica a pedagoga. 
 
Mesmo a criança que tem hábito de estudar pode sentir dificuldade em determinado conteúdo ou área. Deixar que ela busque ferramentas para tentar lidar com essas questões é importante, mas o aluno nem sempre  conseguirá resolvê-los por conta própria. O apoio pedagógico, então, mostra-se interessante para evitar que conteúdos incompreendidos possam gerar complicações de aprendizagem mais à frente. 
Fonte: Professores da startup de educação a distância Stoodi 
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Fonte: Professores da startup de educação a distância Stoodi
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