Festival de Tiradentes completa duas décadas
Com vinte anos de fartura, festival celebra Minas Gerais como símbolo gastronômico do Brasil
Na passarela da gastronomia montada durante toda edição do Festival de Tiradentes já desfilaram nomes estrelados das panelas, como o brasileiro Alex Atala, o peruano Virgilio Martínez e o espanhol Jordi Roca. Mas, assim como na moda, a gastronomia também é feita de ondas e tendências, e valorizar produtos locais tem sido o must há algumas estações. Sorte a dos mineiros. Em sua 20ª edição, o Festival Cultura e Gastronomia Tiradentes elegeu Minas Gerais como eixo central de sua programação, que se espalha entre os dias 18 e 27 de agosto. “Precisamos valorizar toda nossa diversidade gastronômica, que reúne ingredientes como o café, o queijo, a cachaça, os doces, as cervejas artesanais e tantos outros”, diz Rodrigo Ferraz, diretor do festival há sete anos. “Temos de alçar Minas Gerais como um símbolo gastronômico do Brasil”, completa. Para fazer valer a intenção de valorizar a gastronomia mineira em todo seu potencial, a organização vai levar até a charmosa cidade da região do Campo das Vertentes pessoas que ajudam a fazer pequenas revoluções em seu contexto local.
Essa é a caminhada da publicitária Milsane de Paula, convidada a mostrar por que a linguiça de jabuticaba feita em Sabará é tão comentada. Outras regiões do estado terão representantes: do Norte chega a chef Ana Estela Marcondes, de Montes Claros; e do Sul, Ari Kespers, dono de pratos intrigantes como a sobremesa que leva maçã com emulsão de lírio do brejo e rapadura. Como Minas Gerais vem ganhando cada vez mais prêmios e medalhas quando o assunto é comida, o festival quer contar algumas dessas histórias. Isabela Paschoal vai explicar como a fazenda DaTerra, em Patrocínio, tornou-se a mais sustentável do Brasil, enquanto a enóloga Isabela Peregrino vai contar o caminho percorrido pelos vinhos mineiros, do descrédito ao recente estrelato internacional.
Os jantares exclusivos, disputados e caríssimos das primeiras edições ficaram na lembrança. Ao longo do tempo, os festins foram dando lugar a uma programação mais simpática e aberta ao público. “Aquilo era careta, então o festival foi ficando mais despojado, atualizado e mais acessível, mantendo o charme. Hoje as pessoas estão procurando o simples”, acredita o organizador. Mas é claro que chefs mais consagrados pelo mercado, como Caetano Sobrinho (A Favorita), Léo Paixão (Glouton), Ivo Faria (Vecchio Sogno), Fred Trindade (Trindade) e Rodolfo Mayer (Angatu), arrematam a lista de cozinheiros. São eles que atraem, todos os anos, um público de várias cidades do Brasil, que se desloca quilômetros para conferir o que anda frequentando as receitas do festival. “Percebi isso somente uns quatro anos atrás, quando parei para conferir as placas dos carros que passavam pela cidade durante o evento. Entendi que tinha gente pegando seu carro e saindo de longe para ir a Tiradentes. Aí minha ficha caiu”, comenta Rodrigo.
Como o estado é um grande exportador de mineiros talentosos, uma parte da programação será dedicada a trazer de volta para cá esses embaixadores da nossa culinária pelo mundo. É gente que saiu de Minas e venceu levando nossa culinária para outras fronteiras, como fez Manuelle Ferraz, a chef à frente do Quem Quer Pão 75, em São Paulo. Ela começou conquistando os paulistanos com seu pão de queijo legítimo e conseguiu ampliar o cardápio para o que chama de comida baianeira: pratos que misturam a culinária do Vale do Jequitinhonha – ela é de Almenara – com forte influência baiana, como acontece na região onde ela nasceu. “Faço uma comida de roça com fino trato”, orgulha-se a cozinheira. Os paulistanos também foram brindados com as delícias de Iara Rodrigues, sócia do Quitand’arte. Mesmo com sua loja estabelecida e comentada em Belo Horizonte, Iara resolveu baixar as portas e rumar para São Paulo, onde já causa delírio entre os fãs de uma boa quitanda.
Rodar por muitos rincões do Brasil durante as viagens da Expedição Fartura ajudou a clarear o entendimento de que as atenções da programação gastronômica deveriam se voltar a Minas Gerais, conforme explica Rodrigo Ferraz. “É aqui o lugar onde se come melhor.” A opinião é compartilhada por Luiza Fecarotta, a curadora gastronômica do festival, apaixonada pela potência dos sabores mineiros. Além de falar com entusiasmo da variedade de nossos ingredientes – ela consegue gastar uma boa dose de tempo falando de pequi, ora-pro-nóbis e castanha-de-baru –, ela se encanta com o jeitinho mineiro de receber e mexer nas panelas. “Essa capacidade em reter o conhecimento da roça, às vezes com traços de modernidade, e transformar a comida em símbolo do estado, usando de sua hospitalidade, é uma virtude que me chama atenção”, diz. Com duas décadas de sucesso e mesa cheia, nada mais justo que um dos principais festivais gastronômicos do país preste esta homenagem a Minas Gerais.