Para todo mundo sorrir
Ao desenvolver uma técnica de produção de próteses, dentista transforma a vida de pessoas carentes e já conseguiu devolver a autoestima a pacientes de diversos lugares do Brasil
Desde criança, ela queria fazer a diferença. Sonhava ser professora e estender a mão a quem precisasse. Primeiro, Aline Fernandes pensou em lecionar matemática e, assim, ajudar estudantes a superar dificuldades na disciplina. Acabou se enveredando por outro caminho, o da odontologia. Sorte dos pacientes que, por traumas ou doenças, sofreram deformações faciais e por muito tempo tiveram de conviver com uma aparência desfigurada.
A ideia de se dedicar às próteses faciais começou ainda na graduação. Uma das disciplinas previstas no currículo do curso era a de reabilitação de pacientes mutilados. Contudo, por falta de professor, Aline teve de aprender sobre o tema sozinha. “Procurei mais informações, estava sempre buscando artigos, vivia em bibliotecas”, conta. No fim da graduação, conheceu um professor do campus de Araçatuba da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) que ministrava um curso sobre próteses. Ele ofereceu um estágio a Aline, que não pensou duas vezes.
No centro de oncologia da Unesp, Aline teve a oportunidade de aprender na prática, além de preparar o projeto de pesquisa de mestrado e de doutorado. “Em Araçatuba, fui desenvolvendo minha própria técnica, com substitutos nacionais para confeccionar as próteses, mantendo a qualidade e a durabilidade dos materiais importados”, diz. Enquanto fazia doutorado no interior de São Paulo, ela se voluntariou para atender pacientes do Hospital Universitário da Universidade de Brasília (HUB). A cada 15 dias, viajava para o DF, onde recebia pessoas com diversos tipos de deformação facial. Todos os custos eram bancados pela própria dentista.
O serviço se tornou conhecido e, em um ano, havia uma demanda grande no HUB. Para atendê-la, foi criada uma vaga de dentista no hospital, ocupada por Aline, que, então, já tinha doutorado. Além das próteses faciais, fazia as dentárias. Tudo isso sozinha. Em 2008, o sonho de lecionar se concretizou. Ela foi contratada como professora substituta e, no ano seguinte, efetivada. Desde então, a dentista perdeu a conta de quantas próteses já confeccionou.
O trabalho de Aline não passou despercebido pela comunidade universitária: “Os próprios alunos começaram a se oferecer para participar”, diz. Em 2010, a confecção das próteses se transformou em projeto de extensão da UnB. Só neste ano, 31 alunos se matricularam. Alguns gostam tanto que começaram já no primeiro semestre de curso, foram até o 10º e, depois de formados, continuaram como voluntários.
Ainda hoje, Aline precisa mexer no próprio bolso para devolver a autoestima a pacientes mutilados que chegam de todos os estados brasileiros. Só neste ano, ela calcula que foram confeccionadas 60 próteses. Embora a universidade forneça alguns materiais, outros, como as tintas que simulam o pigmento da pele e dos órgãos refeitos, não são comprados pela instituição. Mas isso não impede Aline de continuar. Pelo contrário, ela se entusiasma cada dia mais com o trabalho: “É muito gratificante ver como os pacientes ficam felizes e agradecidos. Eles fazem declarações de amor para nós e nos consideram parte da família. Acho que todos viemos ao mundo para contribuir de alguma forma. Essa foi a maneira que encontrei de fazer a diferença”, diz.