"A bênção, dona Edith!": conheça a rezadeira mais famosa da capital
Ela atende de graça, duas vezes por semana, em Sobradinho
Às 7h, o portão verde da casa em Sobradinho já está aberto. Pela garagem, as pessoas vão entrando e sentam-se em bancos longos de madeira. Em silêncio respeitoso, aguardam a vez de serem atendidas por Edith Marques Ferreira, uma matriarca de cabelos brancos, terço nas mãos e sempre sorridente. Aos 85 anos, a mineira de Sacramento reza para curar os males que afligem os humanos. Faz isso há 35 anos, nas manhãs de terça e de sexta-feira, desde que Emerson, caçula dos 16 filhos, foi internado com infecção alimentar que lhe atacou os rins. No Hospital de Sobradinho, as orações tiveram efeito coletivo: “Tinha uns cinco ou seis meninos lá e no outro dia foram embora”, conta ela.
Aos 45 anos, bombeiro lotado no 22º GPM (Grupamento de Bombeiro Militar) da região, Emerson Bonifácio Ferreira chega e toma a bênção da mãe: “Antes, ela acordava às 4h30 e às 6h já tinha gente aqui esperando por ela. É muita dedicação”, diz. A admiração também está no olhar de Luzia, de 64 anos; de Ronaldo, 63, e de Ana, 62, que moram na casa dos pais. “É um dom divino, não tem como explicar; só beneficia quem acredita”, resume Ronaldo. Luzia, técnica de enfermagem aposentada, colocou a cama perto da do casal: “Durmo com um olho aberto”, brinca. Debaixo do travesseiro da mãe, ela recolhe livrinhos de oração e acha graça. “Já falei para ela deixar aqui na mesinha, mas ela é teimosa”, conta. Dois terços parecem esperar pelas mãos de dona Edith: “Ela tem um potinho cheio deles”, acrescenta a filha, enquanto imagens de Nossa Senhora das Graças, de Fátima – presente que veio de Portugal – e de Santa Rita velam o sono dos idosos, que completaram 70 anos de casamento em dezembro de 2017, ao lado dos 16 filhos, 42 netos e 39 bisnetos.
Nos dias de atendimento, Luzia coloca cinco pastas estufadas com centenas de nomes catalogados por ordem alfabética. Dentro delas, o prontuário é feito com tirinhas de tecido branco, agulha e linha. Acima do nome, a rezadeira costura três cruzes, o que significa uma “consulta”. A lápis, aparece a doença, que pode ser dor na coluna, no ombro, cobreiro (herpes-zoster), erisipela (infecção cutânea geralmente nas pernas e nos pés), mau-olhado, depressão.
Desde criança, a estudante Mayara Monteiro, de 19 anos, de Sobradinho, frequenta a garagem do portão verde. “Tive um tipo de alergia que não sarava com nenhum remédio dermatológico, só melhorou com a dona Edith”, afirma. Depois de rezar com a mão na cabeça da jovem, ela vai cortando caule de mamona em pedacinhos, na altura da lombar de Mayara. Depois, são recolhidos, deixados para secar e jogados fora: “Era bom jogar no córrego, mas aqui não tem nenhum”, diz.
Outro auxiliar de dona Edith é o sal: “Sal é sagrado, faz bem”, ensina. “Tira canseira da criança, que dorme tranquila, se você colocar água na bacia com sal e um pouco de açúcar e banhá-la ali.” Uma receita tão simples, mas esquecida no tempo. Além da mamona, folhas roxas de benzetacil (perpétua-do-brasil) servem de apoio para o trabalho, usadas em casos de bronquite e sinusite, por exemplo. Agem como anti-inflamatórios.
O poder de cura das plantas é velho conhecido de dona Edith. Nascida em Sacramento, perto de Araxá (MG), ela se casou aos 15 anos, passou a lua de mel no Rio de Janeiro e foi com o marido para o Paraná. Até hoje, lembra-se da terra roxa de Assis Chateaubriand, de Arapongas. Benigno, que trabalhava na lavoura de café, fez o parto de todos os filhos. Quando a parteira chegava, o bebê já tinha nascido. “Nunca tivemos uma encrenquinha”, conta, sorrindo, o marido, aos 90 anos, dormitando no sofá da sala ao som dos passarinhos na varanda. Em Brasília desde 1974, a família matava a saudade do campo em uma chácara a 10 km da residência. O pai carregava lavagem para os porcos e as galinhas na garupa da bicicleta, mas há uns 15 anos sofreu um atropelamento, o que lhe enviesou a vida. Ele foi ficando mais quieto, com a memória rateando.
Se você chamar dona Edith de benzedeira, ela vai lhe corrigir: “Eu rezo, quem benze é o padre”. Miudinha, sorridente, sempre com um lenço no pescoço – para proteger a garganta e não ficar rouca –, ela traz as unhas pintadas de vermelho. Diz que é para ir à igreja. Conta que o avô paterno também rezava: “Ele tinha mais força, sentia quando tinha gente precisando de oração”. Modéstia. Ela reza por telefone e por foto enviada no WhatsApp. E não promete nada. “Eu não faço promessa para a pessoa sarar, eu rezo para Deus, se Ele acha que ela merece... Não sei o que Deus marcou para aquela pessoa lá na frente”, diz.
Sábia, dona Edith não briga com a morte e conta a história da neta de uma prima, em Curitiba. Era um caso difícil, de câncer no cérebro, com várias cirurgias: “Eu disse que iria rezar, mas que era pela família, para a mãe da menina, e que era para entregar para Deus. Ela ficou com raiva, não gostou, mas depois aceitou. A filha morreu e ela veio aqui me pedir desculpa”.
O dom de curar é absorvido de maneira simples e com a humildade dos iluminados: “O que faço é ajudar o irmão que a gente nunca viu”, resume ela, que quando nova cuidava do próprio irmão que sofria de epilepsia. Há quase quatro décadas, recebe com mansidão a quem a procura. E não se coloca no altar: “Sou abençoada é pela família que tenho, tudo com saúde, tudo na igreja”.
Arrastando um cilindro de oxigênio, a professora Eliane Neres, de 42 anos, veio de Valparaíso (GO) com a mãe, Agripina Neres, de 82, que tem insuficiência cardiorrespiratória. Por falta da oxigenação do sangue, os pés dela ficam bastante inchados, com aparência de erisipela. “Dona Edith benzeu num dia e, no outro, os pés da mamãe desincharam”, conta Eliane. Moradora do Lago Norte, a bancária aposentada Maria do Carmo Mello, de 65 anos, acompanhava o neto Bernardo, de 11 meses. “Ele andava muito agitado e, quando vem aqui, dorme superbem. É uma coisa santa. E eu tinha uma dor que irradiava do pé até o ciático e passou.”
O dia a dia da rezadeira é manso como ela própria. Dona Edith anda pela casa como se estivesse levitando. De mansinho, com a fala serena e sorrindo. “Não gosto de grito”, diz. “Arrumamos uma empregada, mas toda hora a gente pega ela [a mãe] aqui na cozinha”, conta a caçula, também Edith, de 45 anos, seis filhos. Acrescenta que a mãe acorda por volta das 5h30, reza o terço, vai tomar café e ler as notícias no Correio Braziliense. “Ela não tem estudo, ficou pouco tempo na escola, lê bem devagarzinho.” O vaivém dos filhos e netos é grande na casa. Só de manhã, são abastecidas até três garrafas de café. A generosidade da família vem de berço. Na última terça-feira de janeiro, a reportagem de Encontro foi recebida com rosca caseira para acompanhar o café, adoçado na medida certa.
Depois do almoço, a mãe vai cochilar no sofá em frente aos programas da emissora católica Canção Nova. Dona Edith declara que é fã do papa Francisco e admira também os padres Fábio de Mello e Marcelo Rossi. Gosta de jantar. e as filhas se surpreendem, porque os pais comem de tudo. Luzia cuida dos remédios da mãe, separados em três caixinhas de cores diferentes na cômoda do quarto. “Ela tem pressão alta, mas quando chega ao médico não dá nada. Deve ser a síndrome do jaleco branco”, diz a filha. Se tem muita gente em casa, a matriarca dorme tarde, lá pela meia-noite. O sono parece não lhe fazer falta. Durante as cinco horas de atendimento fraterno, ela fica em pé, pulverizando a cabeça das pessoas com suas orações. Ao contrário da grande maioria dos idosos, os olhos de dona Edith brilham como os de uma criança. E, enquanto houver gente necessitada, o portão verde da garagem continua aberto.
LEMBRANÇAS DA FAMÍLIA