Maioria dos empreendimentos do DF entregues nos últimos anos atende às regras de tratamento acústico
Conheça boas práticas nas construtoras, o que diz a lei e as normas estabelecidas pela ABNT para viver sem barulho
Regras de boa vizinhança nem sempre são suficientes para uma relação saudável entre pessoas que moram lado a lado. Nesse contexto, a poluição sonora surge como um dos grandes vilões e, em alguns casos, o incômodo aparece independentemente do bom senso e do coleguismo alheio. Ela pode estar ligada, sim, a problemas no planejamento estrutural e na execução das edificações. Nos últimos anos, prédios residenciais vêm sendo entregues no Distrito Federal com tratamento acústico obrigatório, em consonância com a norma de desempenho para edificações habitacionais NBR-15.575, publicada em 2013 pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Em 2018, quando a norma completa cinco anos, entidades da construção civil iniciam estudos para propor pontos de melhorias. A partir dela, foram definidos vários critérios a serem seguidos por novos empreendimentos, entre eles, o resguardo do conforto acústico nos imóveis. Para isso, paredes que dividem uma habitação, por exemplo, precisam ter desempenho de 45 dB (decibéis).
Especialistas frisam que essa regulamentação representa um marco para construção civil e, consequentemente, para a relação de consumo entre cliente e construtora. O vice-presidente da Associação de Empresas do Mercado Imobiliário do Distrito Federal (Ademi-DF), Eduardo Aroeira Almeida, estima que 98% dos novos prédios do DF tenham tratamento acústico em consonância com a NBR. “Brasília sempre teve essa característica de qualidade técnica das edificações. O que acontecia, há alguns anos, era o emprego de técnicas erradas no uso de alguns materiais, como o drywall, que, hoje, surge como um grande aliado do isolamento acústico, mas que já causou vários problemas nesse mesmo sentido”, afirma Almeida.
Outro fator decisivo para os bons resultados da capital da República tem relação com a sensibilização e conscientização dos profissionais da área, antes mesmo de a norma da ABNT entrar em vigor, como apontam informações do Sindicato da Indústria da Construção Civil do Distrito Federal (Sinduscon-DF). Atualmente, imóveis financiados pelo programa Minha Casa Minha Vida, do governo federal, precisam atender aos padrões exigidos pela norma de desempenho, como também elucida o vice-presidente da Ademi-DF. “Cem por cento desses empreendimentos devem estar de acordo com as regras, caso contrário, o projeto não é aprovado pela Caixa [Econômica Federal]. Apenas isso já garante a qualidade dos demais”, sugere.
A arquiteta e especialista em engenharia acústica pela Universidade de São Paulo (USP) Cândida Maciel reforça essa tese: “Existe um antes e depois da NBR e, com isso, houve grande avanço no desempenho construtivo”, diz. “Agora, é possível a qualquer pessoa, mesmo que não entenda de acústica, ter acesso aos parâmetros de qualidade.” A especialista pondera, ainda, que a norma não estabelece tipos de materiais a serem usados pelas construtoras, desde que a obra atenda ao desempenho técnico estabelecido. “Devem ser feitos cálculos acústicos para a performance adequada. É necessário, ainda, análise de classe de ruído, entre outros. A partir daí, o desempenho da construção pode ser mínimo, intermediário ou superior. Assim, fica mais fácil para o usuário definir o que vai atendê-lo.”
O advogado Vinícius Nóbrega, especialista em direito imobiliário, atuou em algumas causas envolvendo poluição sonora, uma delas referente a transtornos provocados por um salão de festas. Ele afirma, contudo, que esses processos não são recorrentes. “Normalmente, as pessoas simplesmente chamam a polícia ou resolvem com o vizinho. Poucas delas sabem que podem questionar a construtora sobre o isolamento acústico”, afirma. Nóbrega explica que pessoas que moram em imóveis construídos antes de 2013 também podem ter direitos assegurados em casos relacionados a problemas com ruídos excessivos. “O direito ao sossego é um deles. Ele é absoluto, extrapatrimonial e indisponível. Por consequência, a sua transgressão deve acarretar responsabilidade jurídica e deve ser coibida pelo poder Judiciário.”
Moradores do Top Life, em Águas Claras, a advogada Patricya da Palma, de 35 anos, e o marido, o delegado de polícia João Nogueira Neto, de 38, sabem bem o que é conviver com o barulho. Segundo eles, após a mudança de um vizinho para o apartamento ao lado, os problemas aumentaram a ponto de terem de investir em materiais para atenuar a propagação sonora. “Não era apenas o som alto que nos atrapalhava, pois dentro do nosso apartamento escutávamos até quando alguém abria uma latinha”, conta Patricya. “Mesmo hoje, depois de investirmos algo em torno de 1 mil reais em lã de vidro para minimizar os ruídos, ainda sofremos com barulho. Se a porta do banheiro ficar aberta, conseguimos ouvir os vizinhos debaixo e do lado. É bem problemático”, completa João Neto.
A lã de vidro citada por ele é utilizada para tratamento acústico em edificações, mas há uma série de outros produtos que podem ser incorporados durante a construção ou até mesmo após. Segundo o gerente comercial da Vibrasom, empresa especializada nesse segmento, o drywall é um dos exemplos de materiais que podem agregar qualidade ao propósito de isolamento acústico. “Se, por exemplo, há no imóvel uma parede desse tipo de material já construída, pode-se colocar outra igual com uma chapa. Assim, haverá uma isolação a mais”, diz. “Há, ainda, a possibilidade de colocar piso acústico, instalar revestimentos acústicos. Opção não falta.” A Vibrasom também fabrica revestimentos acústicos, como espumas, estruturas de madeira, de tecido, que amenizam o barulho. O valor do investimento em itens como esses pode variar entre 80 até 350 reais o metro quadrado. Uma das intervenções de tratamento acústico feitas pela Vibrasom em Brasília foi no ambiente criado pela arquiteta Walléria Teixeira. O piso do restaurante que ela projetou para a CasaCor usou materiais que propõem minimizar os ruídos.
SAIBA MAIS
Lei do Silêncio no DF
Em tramitação há quase três anos, o Projeto de Lei 445 propõe alterações da Lei do Silêncio no DF, em vigor desde 2008, que estabelece, por exemplo, 65 dB (decibéis) de dia e 55 dB à noite para áreas residenciais. O novo texto, que está em discussão na Câmara Legislativa do DF (CLDF), propõe limites menos rígidos. Assim, define um limite único de 75 dB durante o dia e 70 dB à noite para qualquer fonte emissora, independentemente da área.
O QUE DIZ A LEI
O que está em vigor na legislação brasileira
Perturbação do trabalho ou do sossego alheios são contravenções penais previstas no Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941.O artigo 42 do decreto diz que alguém fere a legislação das seguintes formas:
I – com gritaria ou algazarra;
II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;
III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda:
A pena é de prisão simples de 15 dias a três meses ou multa.
DEZ SOLUÇÕES PARA O PROBLEMA
Algumas técnicas que podem ser usadas para minimizar incômodos da poluição sonora residencial
01 – Utilizar sob o contrapiso manta de isolamento acústico.
02 – Optar por pisos de materiais resilientes e mais macios, como o piso vinílico.
03 – Utilizar forro com manta acústica (lã de rocha ou lã de vidro) no entreforro (entre o teto e o forro criado).
04 – Ter cuidado com as pontes acústicas, como luminárias, tabicas perfuradas, caixas de tomadas e interruptores, que podem prejudicar o isolamento.
05 – Criar camadas separadas da parede que recebe o impacto.
06 – Utilizar materiais isolantes, como lã de rocha ou lã de vidro, entre duas paredes.
07 – Usar chapas duplas de drywall.
08 – No caso das portas, podem-se vedar as frestas com jogos de borrachas ou com dispositivos que vedam o vão entre a folha da porta e o chão.
09 – Optar por caixilhos com tratamento acústico. Os melhores são os de PVC ou de alumínio, com materiais isolantes dentro dos perfis e com as frestas vedadas com borrachas.
10 – Usar vidros insulados duplos ou triplos e evitar o vidro temperado simples.
Fonte: arquiteto Maurício Ruoppoli/Oficina 11.11, SP
BOAS PRÁTICAS NO NOROESTE
Três exemplos de empreendimentos que foram construídos atendendo aos requisitos da ABNT no DF
Com previsão de entrega em março, o Parque das Orquídeas, da Emplavi, é um edifício com sete andares e apartamentos de quatro suítes cada um, no Setor Noroeste. Possui, entre outras coisas, paredes duplas entre os dormitórios. “Elas têm 5 cm uma da outra e, no meio delas, colocamos manta acústica com lã de rocha, para proporcionar o conforto acústico necessário”, detalha o diretor técnico da Emplavi, Antônio Augusto Simões Miranda. “Nossos vidros também são especiais. Eles têm a espessura adequada para diminuir o ruído. Outra funcionalidade deles é minimizar o calor dentro dos cômodos”, afirma. O empreendimento começou a ser construído em 2015 e atende aos padrões exigidos pela NBR-15.575, da ABNT.
Outro exemplo com qualidade em soluções de acústica é o Via Santorini, da Via Engenharia. O residencial, com apartamentos de três e quatro quartos, no Noroeste, passou por tratamento acústico especial desde a concepção. Além da atenção às unidades residenciais, a construtora se preocupou com as áreas comuns. Na fachada do prédio, por exemplo, foram instalados modelos de janelas que amenizam barulhos externos, bem como vidros laminados. No salão de festas, espaço gourmet e fitness, foram instalados materiais fonoabsorventes nos forros e painéis de paredes, que também ajudam a diminuir a reflexão das ondas sonoras. Até mesmo a piscina recebeu intervenção diferenciada.
O Reserva Malbec, da Brasal Incorporações, é mais um exemplo de empreendimento no Noroeste que segue padrões rigorosos de tratamento acústico. Entre diversas benfeitorias realizadas no residencial para minimizar os ruídos, podem-se destacar as paredes da cozinha e do dormitório de cada unidade, compostas, cada uma, por bloco de concreto de 14 cm preenchido por argamassa e mais uma chapa de gesso com lã mineral dos dois lados. Nas divisas de suítes com juntas de dilatação, a solução foi alvenaria dupla (blocos de concreto de 14 cm) espaçada em 2 cm. Nesse vão, foi colocada lã mineral. As áreas comuns seguiram padrões de qualidade similares, como é o caso do forro acústico dos salões de festas. O empreendimento, que possui apartamentos de dois e três quartos, tem previsão de entrega em abril.