Grupos teatrais da capital investem em peças e cursos para atrair a criançada
Grupos brasilienses mostram que a produção local dedicada às crianças é rica em estilos e colabora com seu desenvolvimento saudável. Oficinas também levam conhecimento e novas experiências à garotada apaixonada pelo teatro
A produção teatral mostra sua capacidade de criar diálogos e novas reflexões para todas as idades, inclusive para as crianças, contribuindo não só para a diversão delas, mas também para seu enriquecimento cultural, além do desenvolvimento cognitivo, afetivo e psicológico. Essa riqueza de significados é explorada por diferentes grupos teatrais de Brasília, que ampliam seu repertório e mostram o encanto que se expande entre os espetáculos e oficinas da cidade. Entre os representantes dessa criação artística está o Coletivo Antônia, companhia brasiliense criada em 2009, que desenvolve projetos para crianças da primeira infância (0 a 5 anos). Entre os integrantes e fundadores da companhia está a atriz e produtora Cirila Tarhetta, de 32 anos. Para ela, a arte possibilita espaços de respiro e poesia no cotidiano e cumpre o papel de promover o encontro das crianças com o universo à sua volta. “A poética cênica para crianças veio junto da minha descoberta do Teatro para Bebês. Eu ainda estava na UnB [Universidade de Brasília] quando assisti a uma palestra da Cia. La Casa Incierta sobre a arte para a primeira infância. Fiquei tão encantada que fiz um convite ao Zé Regino para dirigir um texto que eu havia escrito. Desse encontro surgiu nosso primeiro espetáculo para bebês, chamado Alma de Peixe, que estreou em 2009”, conta Cirila.
Mas se engana quem pensa que fazer teatro para esse público é fácil. A plateia formada por crianças é uma das mais exigentes, pedindo total presença de cena do ator. Como artista criadora, Cirila destaca a importância de saber transitar por diferentes esferas. Ela entende o teatro para crianças como um espaço de experiência: “É um campo de poesia, de vivenciar uma história, uma imagem, um estímulo sensorial. O espaço cênico é a ponte para encontros sensíveis, para viajar sem sair do lugar, para experimentar sentimentos e sensações, recriar o mundo e suas relações”, destaca. Em 2017, o Coletivo Antônia foi premiado com o título de Melhor Espetáculo Infantil pela montagem Voa, uma encantadora história inspirada em um conto de Rubem Alves. “Alguns códigos são muito importantes, como os elementos sonoros, materiais e visuais. É preciso entender como os códigos se comunicam com os bebês, sem ter medo de arriscar”, diz Cirila sobre a peça.
Esse potencial pode ser trabalhado com as crianças também em oficinas de teatro, transformando os pequenos em criadores. Poema Quintino, de 7 anos, é filha da cantora Cris Pereira e faz teatro há dois anos, com o grupo Guarda-Chuva Amarelo. A iniciativa para o início das aulas foi dela. Segundo a mãe de Poema, a oficina ajuda a filha a ter senso de responsabilidade e coletividade: “Acredito que se o curso tiver uma boa proposta e boa condução pode auxiliar na superação da timidez. Se, no entanto, o grupo for baseado em uma lógica competitiva, de buscar ser melhor que o outro, esse potencial transformador do teatro se dilui”, afirma Cris.
Poema sempre conversa em casa sobre as experiências teatrais e as principais dificuldades encontradas por ela e pelos colegas da companhia de teatro, como decorar textos, por exemplo. Cris Pereira conta que a relação com as aulas é de extrema entrega e que a menina se encanta com as pesquisas, a preparação do elenco, figurinos e todo o universo que constrói um espetáculo. “Ela já fez uma estudante no internato do clássico A Noviça Rebelde, uma super-heroína chamada Super Mônica e o Cachorro na montagem da companhia para Os Saltimbancos”, diz a mãe.
Outro ponto de destaque nas oficinas é a possibilidade de despertar o interesse criativo. O grupo Guarda-Chuva Amarelo, com o qual Poema faz aulas, foi criado em 2017 pelos atores e educadores Lola Portela e Arthur Romão, ambos de 23 anos. Segundo eles, as aulas permitem trabalhar a comunicação e socialização. A ideia é dar às crianças e adolescentes mais ferramentas para falar em público, expressar-se e se posicionar. “Também trabalhamos com a expressividade corporal, investigando diferentes passos, planos, distâncias, gestos, formas que o corpo pode tomar. Com isso, os alunos trabalham a noção de espaço, reflexos, prontidão, gerando um arsenal de movimentos que, ao levarmos para a cena, têm fluidez e sintonia com o coletivo”, afirma Lola.
Um dos pilares da oficina é a construção coletiva do espetáculo, com a participação dos alunos não apenas como atores. Lola e Arthur estimulam que cada um colabore com a dramaturgia, cenografia e figurinos das montagens. “Acreditamos que, quando trabalhados coletivamente, esses pontos desenvolvem um espetáculo final com a individualidade e expressividade de cada envolvido naquele processo, criando uma identidade de grupo diversa e cheia de vida”, destaca a atriz. As crianças se envolvem nas decisões de cada cena e a ideia é que se sintam confortáveis no palco e orgulhosas do próprio trabalho. Lola diz ainda que as famílias também são bem-vindas a colaborar e se envolver, podendo ajudar nas preparações do dia de apresentação e conhecer a vivência por trás das cortinas do teatro. O diálogo com as crianças é feito de igual para igual, mostrando a elas que o fazer teatral tem inúmeras possibilidades.
Quem também participa das aulas de Lola e Arthur é Gabriela Prestes, de 7 anos, filha de Ana Maria Prestes. A irmã mais velha de Gabriela, Helena, de 11 anos, faz oficinas desde os 6 na tradicional companhia brasiliense Neia e Nando. A mãe nota que o teatro ajuda no desenvolvimento das meninas em vários aspectos. Um desses exemplos é o estímulo ao letramento e à alfabetização, já que surge a vontade de entender melhor os textos trabalhados para cada espetáculo. “Até nas brincadeiras percebi que a Gabriela ficou mais criativa, com a imaginação mais solta e com mais coragem de realizar o que imagina”, diz Ana Maria.
Ela conta ainda que a filha mais nova passou a se interessar pela música, instrumentos, figurino, cenário e sistemas de iluminação do palco. Também aumentou muito a interação social. Gabriela está menos inibida para fazer novos amigos e propor diversas atividades e brincadeiras em grupo. “Tenho duas filhas no teatro e percebo como assumir compromissos com um grupo as ajudou a ficar mais responsáveis. Sempre estão atentas para cumprir horários, respeitar as decisões coletivas, expor suas ideias sem medo de serem questionadas ou rejeitadas”, conta Ana Maria. Para ela, o teatro aguça o pensamento crítico das crianças: “Isso é bastante visível nas perguntas que elas fazem, nos desenhos que pintam, nas brincadeiras que inventam em casa. O universo infantil, que já é de sonhos e imaginações, amplia-se. É fantástico perceber as associações e conexões que elas fazem com os desafios diários da vida”, diz.
Anna More era professora de espanhol na Universidade da Califórnia e atualmente é professora da UnB. Ela veio dos Estados Unidos para o Brasil em 2013 com a filha Clarice, que vive em Brasília desde os 18 meses de idade. A menina sempre se interessou por teatro e gostava de imitar personagens de televisão. Com 3 anos, disse à mãe que queria ser atriz e foi matriculada em uma escola de teatro para crianças menores. Aos 10, a pequena atriz entrou para a Companhia da Ilusão, uma das mais tradicionais da cidade. “Gostei muito da filosofia do diretor, Alberto Bruno. Ele utiliza um método segundo o qual as crianças participam da construção do personagem e trabalham vários aspectos do teatro de forma orgânica, além de adaptar peças clássicas para crianças”, afirma Anna.
A professora conta que, durante as aulas de teatro, as crianças são incentivadas a tomar decisões coletivas, o que colabora para o desenvolvimento de uma consciência social: “O teatro exige muito foco e confiança. Noto que a Clarice está cada vez mais confiante no palco. O professor dela trabalha muito com improvisação, para que eles tenham recursos, caso não se lembrem de algo em cena”, diz. Outro ponto forte é que o teatro exige trabalho em equipe, além de paciência para apreciar as habilidades dos outros. Enquanto isso, os espetáculos criam espaços de aprendizagem sobre os seres humanos e suas relações. “A arte também trabalha muito a paciência com os erros e é um espaço onde convivem crianças de idades diferentes, favorecendo o aprendizado”, lembra Anna.
Tereza Padilha, uma das criadoras e professoras de uma das mais tradicionais escolas de teatro em Brasília, o Mapati, lembra que crianças têm necessidade de se expressar desde a mais tenra idade. Para ela, a arte é uma forma sublime de expressar os sentimentos: “Os jogos de teatro são fabulosos e interessantes. A partir deles conseguimos despertar as crianças fazendo com que brinquem e joguem muito. Eles colaboram com o desenvolvimento e a criatividade delas”, destaca. Ela lembra que o teatro brinca com as histórias, tornando tudo mais atraente para crianças e adultos. “Nosso foco é para que a criança se torne mais segura para a vida”, diz.
Para criar um bom espetáculo infantil, Tereza Padilha aconselha que o espaço e a história sejam muito lúdicos: “A primeira coisa é preparar o ambiente. Tornar tudo mágico. O enredo precisa ser interessante, ou mesmo precisamos tornar o ambiente propício para que as crianças possam criar. Mas, para se preparar um bom espetáculo, necessitamos de uma boa história que venha da própria cabecinha dessas crianças”.
misturando música e artes cênicas: interação com
a plateia em suas apresentações é um dos pontos
fortes
Também para mostrar que a diversidade é grande, o grupo Tumba la Catumba investe em espetáculos-shows, misturando música e artes cênicas. Com inspiração no rock, a banda cênica se apresenta para as crianças estimulando a dança e a interação com a plateia. Anna França, uma das integrantes do grupo, lembra que a criação artística pode estar presente de maneira integral durante a infância, em rodas de música, aulas de dança, oficinas de teatro, brincadeiras artísticas em casa. “Cria-se um olhar mais poético para as coisas do mundo, despertando o lúdico e fazendo a criança fabular”, diz.
Leonardo Gomes é ator da cia. Mundo Fantástico, que trabalha em parceria com o espaço cultural Casa dos 4. Para ele, quando a criança é inserida em um contexto artístico, forma-se um cidadão com a visão mais crítica e questionadora de tudo o que está ao seu redor: “Quando o entretenimento infantil é bem trabalhado, há uma predisposição da criança de aprender se divertindo. É uma possibilidade muito rica”. Segundo ele, o grupo produz uma programação constante de espetáculos para que através deles a criança crie novas ideias e conexões para dialogar com o mundo ao seu redor.
PARA A GAROTADA
Conheça alguns grupos do DF que oferecem cursos, oficinas e espetáculos para crianças
èGuarda-Chuva Amarelo
Onde: Quadra 703 Sul
Informações: (61) 98127-2462
èTeatro Mapati
Onde: Quadra 707 Norte
Informações: (61) 3347-3920
èColetivo Antônia
Informações: (61) 98102-4157
èCompanhia Mundo Fantástico
Onde: Casa dos 4, Quadra 708 Norte
Informações: (61) 3264-7900