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ENTREVISTA | JULIANO COSTA COUTO »

"Venha o que vier, vou cumprir a missão que me foi dada", diz presidente da OAB/DF

Apesar de enfrentar um câncer no intestino, Juliano Costa Couto garante que vai encerrar seu mandato e manter unida a entidade. Nesta entrevista, ele fala sobre a Lava Jato e o atual momento político do país

Paloma Oliveto - Publicação:16/07/2018 17:35

Aos 43 anos, quase 40 de Brasília, Juliano Costa Couto já enfrentou duras batalhas. A pior delas foi o câncer de intestino que o obrigou a retirar 16 cm do órgão e a se submeter a sessões de quimioterapia. No auge do tratamento, no primeiro semestre do ano passado, veio o segundo golpe. O nome do advogado surgiu em notícias que o vinculavam ao empresário Joesley Batista, da JBS, um dos principais alvos da Operação Lava-Jato, da Polícia Federal, por ter indicado um escritório de advocacia.

 

Enfrentando os efeitos da terapia agressiva contra o câncer, o presidente da seccional DF da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/DF) conta que sofreu muito com as notícias e emagreceu ainda mais do que deveria. Couto pediu para ser investigado pela OAB Federal – tinha pressa para ser inocentado do linchamento público. “Venho de uma família de mineiros trabalhadores e absolutamente honestos. Eu digo que, se existisse intensidade no termo honestidade, meus pais seriam exageradamente honestos”, afirma o advogado.

 

Em fase de consolidação da cura do câncer, ele tem mais seis meses à frente da presidência da OAB/DF, cargo para o qual foi eleito em 2015, com 8.511 votos (o segundo colocado teve 5.380 votos). Quando questionado se vai tentar a reeleição, Costa Couto desconversa: “A questão das eleições será definida pelo grupo em um momento apropriado, mas a ideia é não concorrer”.

 (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/DA Press)
 

ENCONTRO BRASÍLIA – A OAB/DF tem 44 mil advogados ativos. É difícil administrar tantos associados?

JULIANO COSTA COUTO – A advocacia é muito capilar. Nós temos a área criminal, a eleitoral, a previdenciária, a cível, os eleitoralistas, os tributaristas... Além disso, temos diferenças etárias. Parte da advocacia está com 40, 50 anos, ao mesmo tempo que há grande oferta no mercado de trabalho de advogados que estão com seus 25, 30 anos, e que merecem nosso apoio. As faculdades não ensinam a advogar, e temos feito isso na OAB por meio da ESA (Escola Superior de Advocacia), do diretor Rodrigo Becker. Eu, particularmente, me envolvo nisso ensinando a jovem advocacia a fazer propostas, contratos, a tratar seus clientes e a enfrentar o duro e desafiador dia a dia da advocacia.

 

A quantidade de advogados no DF não é excessiva? O mercado está saturado?

A OAB tem plena consciência de que houve um exagero nas autorizações de cursos de Direito e nas ampliações de vagas no país inteiro. Quando me formei, em 1997, existiam quatro faculdades de Direito no DF. Hoje, se não me engano, existem 27, com 32 campi. Então, há uma superoferta de bacharéis em Direito também no DF. O exame da Ordem tem sido um filtro mínimo necessário para que esse controle seja exercido, mas há inclusive um movimento, com o qual simpatizo, para que haja maior rigor no exame para a salvaguarda da dignidade da advocacia. O Conselho Federal da OAB, por meio da Comissão de Ensino Jurídico, tem tentado fazer o seu trabalho, dando pareceres contrários a aberturas de vagas e autorizações de cursos, mas o Conselho do MEC (Ministério da Educação) não tem respeitado essa posição, o que é muito triste, visto que nosso maior interesse é a salvaguarda de uma correta, eficaz e inteligente educação jurídica.

 

O sr. passou por problemas sérios no ano passado, com o tratamento de um câncer. Como enfrentou tudo isso?

Teve até um primeiro problema, no comecinho do meu mandato. Eu tive uma queda de avião em Campo Grande (MS), mas graças a Deus saímos ilesos. Uma gestão de Ordem nunca é fácil. É desafiadora, por necessidade de diálogo com a sociedade e a advocacia, e pela existência, inclusive no Distrito Federal, de uma contundente, inteligente e preparada oposição, que não logrou êxito na eleição passada. Em relação à minha doença, eu me submeti a uma cirurgia e à quimioterapia. Graças a Deus, tenho tido êxito e venho sendo agraciado com a cura plena, e espero assim continuar. Agradeço muito a toda a parcela da advocacia, a amigos e parceiros que deram seu apoio. Sou gratíssimo à admirável equipe médica do Hospital Sírio-Libanês de Brasília e de São Paulo.

 

Houve também a vinculação do seu nome à JBS, que repercutiu por bastante tempo. Pessoalmente, como isso o afetou? O sr. indicou um advogado à JBS?

Exato. Meu papel naquele momento foi um elemento que todos nós, advogados, vivemos: os clientes nos indicam como advogados. Fui sondado para advogar no caso, mas como não atuo na área complexa da ação penal apresentei um escritório com marcante atuação na área, com invejável portfólio de clientes, de diversos empresários e autoridades públicas. Fiz essa aproximação, mas não participei da defesa, não tive envolvimento nenhum no processo e não tenho nada a temer nisso. Existem ainda rumores de que haverá um uso político disso, mas espero que não. Se qualquer questionamento for feito sobre aquela passagem da minha vida, tenho absoluta tranquilidade de responder pelo que fiz, certo de que não cometi nenhuma ilegalidade nem irregularidade ética. Venho de uma família de mineiros trabalhadores e absolutamente honestos. Eu digo que, se existisse intensidade no termo honestidade, meus pais seriam exageradamente honestos. A notícia apareceu no início do meu tratamento quimioterápico. Eu estava na segunda sessão e, pela ansiedade, perdi mais peso do que deveria, mas nunca esmoreci. Sempre continuei altivo e vigoroso no exercício da minha advocacia privada, bem como na representação máxima do Distrito Federal, o que farei até 31 de dezembro, com muito amor, paixão e com muito apoio. Venha o que vier, vou cumprir a missão que me foi dada pela advocacia do Distrito Federal.

 

O sr. desconfia de onde saíram esses rumores? Acredita em “fogo amigo”?

Os ditos são muitos. Prefiro ser um otimista frustrado a um pessimista realizado. Prefiro acreditar nas pessoas e, particularmente, espero que o trato dado a essa suposta fragilidade não seja covarde, sem quererem destruir não só o presidente da Ordem, não só o advogado Juliano Costa Couto, mas também o cidadão de bem, o pai de família, o marido Juliano. Entendo que será um oportunismo exagerado, cruel e indevido com o destrato da imagem alheia.

'Espero que pessoas de bem e bem-intencionadas se arvorem e se lancem no processo político-partidário', diz presidente da OAB/DF Juliano Costa Couto (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/DA Press)
"Espero que pessoas de bem e bem-intencionadas se arvorem e se lancem no processo político-partidário", diz presidente da OAB/DF Juliano Costa Couto
 

O Brasil vai continuar o mesmo depois da Lava-Jato?

Não há nenhuma instituição brasileira que tenha lutado tanto contra a corrupção e pela democracia quanto a Ordem dos Advogados do Brasil. Ela é lembrada desde a época dos anos de chumbo, quando nós, advogados, enfrentamos os arbítrios do Estado. Naquele momento, a grande maioria das instituições, inclusive alguns poderes constituídos, calou-se porque não havia como reagir. Agora não é diferente. A Ordem é a favor da luta contra a corrupção, da limpeza no processo político. Foi da Ordem a iniciativa de encerrar as doações de pessoas jurídicas nas campanhas; foi da Ordem a iniciativa em prol da Lei da Ficha Limpa. Agora, o que a Ordem nunca aceitará é a violação de garantias constitucionais, a violação de direitos individuais. Arbítrios, como alguns já aconteceram, ou acusações injustas e ilegais. Tivemos o fatídico suicídio do ex-reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, acusado exageradamente e contundentemente. Nem todas as pessoas de bem conseguem dar a volta por cima quando acusadas injustamente. Isso a Ordem não aceitará. O devido processo legal, a ampla defesa e as garantias constitucionais devem ser dadas a todos.

 

A Lava-Jato tem ultrapassado os limites da legalidade?

Em questões pontuais, sim. Mas a Ordem entende que essa limpeza é necessária e correta para o processo político. Espero que pessoas de bem e bem-intencionadas se arvorem e se lancem no processo político-partidário. O país está precisando de renovação, tanto de pessoas experimentadas quanto de jovens, que devem encarar esse desafio em prol de um Brasil melhor.

 

O sr. enxerga a possibilidade de renovação nas eleições de 2018, tanto em âmbito federal quanto distrital?

Vejo muita desmotivação de entrar na política, mas também vejo colegas da advocacia destemidos, bem-intencionados e dispostos a lutar, já se apresentando a cargos de representação social e política. Temos, em Brasília, advogados, pessoas de bem, lançando-se a cargos distrital, federal e até ao Senado. Talvez apareça algum candidato que represente esses novos valores ao governo do Distrito Federal. Acho que a advocacia deve estar atenta ao seu papel no palco da sociedade, que é mais importante do que de outros atores, e se envolver no processo político, escolhendo os candidatos que representarão a sociedade e a advocacia no Parlamento.

 

No cenário nacional, o sr. vê algum pré-candidato viável à presidência?

Entendo que políticos que estão com a imagem ruim na grande avaliação da população não devem ser confundidos com a política. Não há outro caminho de renovação e reformas do Estado brasileiro senão pela política. Precisamos de olhos para tentar enxergar os atores que terão capacidade para gerir isso. O que, particularmente, avalio é que presidir o Brasil não me parece ser uma missão para neófitos. Entendo que um mínimo de experiência em gestão administrativa seria conveniente para o candidato ou a candidata que vier a sentar naquela cadeira.

 

Esse momento de descrença na política tem levado muitas pessoas, inclusive jovens, a pedir a volta da ditadura militar. O que o sr. pensa sobre essas manifestações?

Acredito que esse pleito é tão obtuso, que é feito por pessoas que não sabem o que estão pedindo. Um Estado democrático de direito é um sabor do qual não há outro tipo de alimento para a sociedade. Eu tenho dois filhos, Gustavo Costa Couto, de 22 anos, e Manuela Costa Couto, de 5, e estou certo de que esse não é o caminho [para o futuro deles]. Não há solução política fora da democracia, da liberdade de imprensa, do Judiciário independente e da advocacia altiva. A ditadura militar é um retrocesso, e espero muito que não existam apoiadores a isso.

'Não há solução política fora da democracia, da liberdade de imprensa, do Judiciário independente e da advocacia altiva', diz presidente da OAB/DF (Raimundo Sampaio/Esp. Encontro/DA Press)
"Não há solução política fora da democracia, da liberdade de imprensa, do Judiciário independente e da advocacia altiva", diz presidente da OAB/DF
 

O sr. é pré-candidato à reeleição da OAB/DF?

Não. Eu sou o presidente da Ordem até o fim do mandato. A questão das eleições será definida pelo grupo em um momento apropriado. Tenho sido incentivado por alguns amigos, que talvez reconheçam um bom trabalho, a ser candidato à reeleição, não pretendo seguir esse caminho. O grupo tem ótimos quadros para uma eleição que não dependa necessariamente da reeleição.

 

Faltando sete meses para o fim do mandato, é possível fazer um balanço de sua atuação?

A gestão da Ordem é dura, difícil, mas, ao mesmo tempo, muito apaixonante. Tentamos, nesses quase 30 meses, defender com carinho os direitos e as prerrogativas da advocacia. Fizemos desagravos, trabalhamos a estrutura em várias reformas de salas de advogados, ampliando e ofertando escritórios modelo. Um deles para a jovem advocacia, de 240 metros quadrados, no térreo do edifício Office Tower, com 19 baias. Reformamos e empoderamos as subseções. Enfim, é um trabalho de muita luta, em que cada dia se renovam desafios e problemas. Em prol da sociedade, ingressamos com ações sociais contra o aumento das passagens de ônibus; com ação civil pública contra o Governo do Distrito Federal, acerca da manutenção das obras públicas depois da queda do viaduto do Eixão. Entramos com ações diretas de inconstitucionalidade e auxiliamos em outras. É um trabalho complexo e dinâmico que tem sido feito nos últimos três anos. Tenho muito a agradecer à minha diretoria, aos meus conselheiros e a todos os advogados que, de uma forma ou de outra, participam ou apoiam a OAB/DF. Continuaremos até o último dia com uma gestão democrática e inclusiva a todos os segmentos. Recebi a OAB muito bem arrumada do presidente Ibaneis Rocha e é assim que vou passá-la ao meu sucessor ou sucessora. 

 

O sr. tem pretensão político-partidária?

Minha maior pretensão política, agora, é terminar o meu mandato, defender a advocacia até 31 de dezembro, concluir meus estudos acadêmicos, talvez um doutorado. Dar ainda mais atenção ao meu escritório e à minha família. Esse é meu projeto político deste momento.

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