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ESPECIAL SUSTENTABILIDADE | CAPA »

Cada vez mais escolas implementam ações de conscientização ambiental nas salas de aula

Para incentivar alunos, escolas ensinam alunos a ter novos hábitos de consumo e respeitar o meio ambiente

Isabela de Oliveira - Redação Publicação:22/08/2019 17:37Atualização:27/08/2019 18:27

 

Benício Reis Pedreiro de Lima tem só 4 anos, mas já conhece a anatomia e ciclo de vida dos insetos. Inclusive, um dos mais perigosos: o Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue, chikungunya e zika. “Ele coloca ovos onde tem água parada. Não podemos deixar”, explica ele, com o jeito peculiar das crianças pequenas. Benício sabe, também, os horários e regiões do corpo que o inseto pica e usa as informações para proteger-se. A oportunidade de conhecer mais sobre os ecossistemas é determinada pela Política Nacional de Educação Ambiental (Pnea), lei que completou 20 anos em abril. Com objetivo de gerar engajamento na conservação do meio ambiente, tem incentivado a conscientização ambiental de gerações de alunos, pais e professores.

 

Professora do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (UnB), Izabel Cristina Zaneti explica que a educação ambiental é obrigatória, mas não como disciplina. Ela deve ser trabalhada por meio de projetos e as escolas decidem como fazer. No Colégio João Paulo II, onde Benício estuda, a questão da dengue foi levada à sala pelos próprios alunos. “Eles relataram que familiares e conhecidos, como babás, adoeceram, o que os deixou preocupados. Usamos essa vivência para explicar sobre a transmissão da doença no projeto de insetos”, conta a pedagoga Rosilândia Jovita Barroso, professora que conduziu a investigação com as crianças.

Os alunos Marcelo Borba Assis Silva, Clara Sartório Rebouças, Rafaela Barreto Castro e Luís Henrique Paiva, com Daniela Almirante, coordenadora do período integral do Ciman: a sustentabilidade é trabalhada também na horta (Isabela de  Oliveira/Divulgação)
Os alunos Marcelo Borba Assis Silva, Clara Sartório Rebouças, Rafaela Barreto Castro e Luís Henrique Paiva, com Daniela Almirante, coordenadora do período integral do Ciman: a sustentabilidade é trabalhada também na horta
 

As ações do João Paulo II também incluem os maiores. Com a experiência da crise hídrica, alunos do ensino médio construíram uma estação de captação, tratamento e reaproveitamento de água cinza (de pias e boxes) e das chuvas. Além de gerar uma economia de 30% de consumo de água, a estação é um espaço pedagógico para as outras séries.

 

No projeto, os estudantes apresentaram projetos de lei, aplicativos e filtros alternativos, como o filtro de Buriti, utilizando a árvore típica do cerrado. “Não criamos recortes e nem situações para abordar a educação ambiental. Usamos as próprias experiências dos alunos e criamos uma relação com a comunidade, gerando sensação de pertencimento”, afirma Viviane Cristine Melise, coordenadora pedagógica da educação infantil.

 

A Maple Bear, rede de ensino bilíngue com metodologia canadense,usa educação financeira para promover sustentabilidade. Aplicando os conceitos na matemática, história, ciências e geografia, provoca reflexão e consciência sobre o consumo. “Elas aprendem que nem tudo pode ser comprado com dinheiro e também sobre o valor do trabalho”, explica Amanda Payne, coordenadora pedagógica da Maple Bear. Em um dos projetos, os pais remuneraram tarefas domésticas realizadas pelos filhos, que aplicavam o valor em uma poupança da turma. Com o dinheiro do cofrinho, os estudantes decidiram comprar materiais escolares e doá-los a creches e escolas carentes.

Katarine Bernardes Costa, diretora executiva da Escola Multi-Integral (EMI): muito espaço para aplicar as noções de educação ambiental, como horta e viveiro de animais (Isabela Oliveira/Divulgação )
Katarine Bernardes Costa, diretora executiva da Escola Multi-Integral (EMI): muito espaço para aplicar as noções de educação ambiental, como horta e viveiro de animais
 

No Colégio Ciman, o pedagogo Atef Aissami, que também é engenheiro civil, busca adaptar a escola, que existe há 48 anos, a padrões mais sustentáveis. Quase 100% da energia consumida pela unidade da Octogonal é gerada por 630 painéis fotovoltaicos. A energia excedente é negociada com a CEB (Companhia Energética de Brasília). Na arena esportiva, telhas translúcidas fornecem luz natural e placas termostáticas mantêm o conforto térmico. Nas salas de aulas, o arcondicionado dá lugar a ventiladores com vapor. “Quando investimos na sustentabilidade, educamos como exemplo. Nossos alunos entendem com isso a preocupação da escola de evitar jogar dióxido de carbônico na atmosfera”, completa o diretor-geral.

 

A sustentabilidade é trabalhada também na horta. Lá, as crianças plantam e colhem alimentos que são transformados em pratos saudáveis. “Ensinamos os alunos a evitar ndustrializados e reduzir o consumo. Fazemos as comidas que eles gostam, como cachorro quente, mas com adaptações sadias”, diz Daniela Almirante, coordenadora do período integral do Ciman. Os estudantes aprovam e ficam menos consumistas, conforme eles mesmos dizem. “Muitos alimentos têm embalagens com personagens que gosto. Mas os personagens não significam que a comida vai ser realmente boa”, diz o aluno Marcelo Borba Assis Silva, de 10 anos.

Diretora pedagógica da Céu de Brasília, Mariana Létti é mãe do aluno Teo, de 3 anos: escola não utiliza produtos descartáveis e também não incentiva hábitos consumistas (Fernando Pires/Esp. Encontro/DA Press)
Diretora pedagógica da Céu de Brasília, Mariana Létti é mãe do aluno Teo, de 3 anos: escola não utiliza produtos descartáveis e também não incentiva hábitos consumistas
 

Na Céu de Brasília, uma escola no Sudoeste, além de horta e um teto verde, todos aprendem com um minhocário, solários – presentes em todas as salas de aula – e abelhas nativas do cerrado. As atividades são supervisionadas por Andressa Regina, cientista ambiental e educadora. Ela explica que as abelhas não têm ferrão e ajudam a polinizar todas plantas em um raio de até três quilômetros da escola. A alimentação, que é vegetariana, tem origem na agricultura familiar, que é incentivada também pelos pais. Ao pagar uma mensalidade aos produtores, recebem semanalmente uma cesta com alimento fresco e orgânico.

 

Outro convênio é firmado com o Projeto Compostar, que coleta o resíduo orgânico da escola e devolve com mudas. “O nosso objetivo é tornar as ações de sustentabilidade em algo cotidiano para ensinar as crianças a se relacionarem com o ambiente. Nada deve ser forçado”, diz Mariana Létti, diretora pedagógica da Céu de Brasília e mãe do aluno Teo, de 3 anos. A escola não utiliza produtos descartáveis e também não incentiva hábitos consumistas, sobretudo em datas comemorativas, como aniversários. “Comemoramos todos. Mas, se a criança quer uma festa da Pequena Sereia, fazemos sobre o mar e aproveitamos a oportunidade para ensinar alguma coisa”, diz a diretora.

 

Prezar pela natureza é um valor que, para a Jardim Pequizeiro, no Jardim Botânico, é para a vida. A escola com clima rural permite aos alunos o contato direto com a terra por meio de trilhas, cuidados com plantas e com animais. Tudo isso faz parte dos princípios da pedagogia Waldorf e da antroposofia.

Izabel Cristina Zaneti, professora do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, afirma que a educação ambiental é obrigatória, mas não como disciplina: deve ser trabalhada por meio de projetos (Fernando Pires/Esp. Encontro/DA Press)
Izabel Cristina Zaneti, professora do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB, afirma que a educação ambiental é obrigatória, mas não como disciplina: deve ser trabalhada por meio de projetos
 

“Nosso material pedagógico é madeira e tecido, entre outros produtos que não são sintéticos. O giz é feito de cera de abelha e sempre prestamos atenção nos ritmos da natureza para ensinar alguma coisa a mais às crianças”, conta Andréa Arean Oncala, vice-presidente da Associação Educacional Pequizeiro, organização de pais que administram, coletivamente, a unidade. “Queremos que o aluno descubra as coisas sozinhos, sem que precisemos explicitar tudo. Ao fazer a trilha, ele vai notar que o lixo não cabe ali. Vai ver um professor pegar aquele lixo e descartar no local correto. Ele vai internalizar esse cuidado a partir das vivências”, diz Andréa, que é mãe de Caetano, de 5 anos, aluno da instituição.

 

Assim como a Pequizeiro, a Escola Multi-Integral (EMI) tem muito espaço  para aplicar as noções de educação ambiental. As crianças curtem na horta e no viveiro de animais experiências que não são viáveis nos apartamentos. Boa parte dos alunos da unidade no Park Way mora em Águas Claras. A instituição inova com aula de mindfulness, que permite aos pequenos adquirir mais consciência sobre a relação do próprio corpo com a natureza. “Na minha época de estudante, os métodos eram mais formais e sem muita abertura à criatividade. Aqui, entendemos que é preciso incentivar a criança a criar mais e a transformar tudo que está à sua volta”, diz Katarine Bernardes Costa, diretora executiva da EMI.

 

As escolas públicas também executam ações de educação ambiental, ainda que com um pouco mais de dificuldade que as particulares. A Escola Classe 27, de Taguatinga, contou com o trabalho de voluntários do coletivo Mangaradu – entre eles, Andressa Regina, cientista ambiental que trabalha na Céu de Brasília – para transformar uma área ociosa em horta. A ideia é que outra parte da escola seja convertida em agrofloresta. Samuel Souza Brasileiro, biólogo e vice-diretor da unidade, diz que os esforços são para que a escola, futuramente, seja uma das mais sustentáveis da região. “A dificuldade, às vezes, é com a formação dos professores. Eles recebem bem as novidades, mas nem sempre encontram a melhor forma de usar, por exemplo, a sala verde”, observa.

Para Amanda Payne, coordenadora pedagógica da Maple Bear, é preciso refletir também sobre o consumo: crianças aprendem que nem tudo pode ser comprado com dinheiro  (Isabela de Oliveira/Divulgação )
Para Amanda Payne, coordenadora pedagógica da Maple Bear, é preciso refletir também sobre o consumo: crianças aprendem que nem tudo pode ser comprado com dinheiro
 

O dado faz sentido: levantamento do Simpósio de Políticas Públicas de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis, de 2014, indica um déficit de educadores ambientais no campo das políticas públicas, o que implica em dificuldades para a institucionalização das ações. Apesar das limitações, as iniciativas são importantes, diz Izabel Cristina Zaneti, da UnB, porque a infância é quando há uma grande absorção de novos valores e conceitos. Os conhecimentos adquiridos nas escolas são transmitidos à família, que passa, também, a ser mais consciente. “Independentemente da realidade das crianças, a natureza é sempre igual. O pedagogo deve tentar desenvolver a consciência crítica de problemas ambientais e sociais ao mesmo tempo, pois essas são dimensões da sustentabilidade”, diz Izabel. “A educação ambiental promove valores e atitudes permanentes. A criança aprende que além de individual, a ação é coletiva e influencia todos ao redor. É uma corrente positiva.”

 

PARTICIPAÇÃO COLETIVO

A escola Jardim Pequizeiro, no Jardim Botânico, adota alimentação vegana e orgânica. Os ciclos naturais guiam os projetos pedagógicos. Na natureza, as crianças praticam exercícios e atividades cooperativas. As decisões sobre a escola são tomadas em conjunto pelos pais, que compram os alimentos coletivamente. O empreendedorismo de pais e colaboradores, que vendem artesanato na unidade, contribui para a saúde financeira da unidade, que tem horta, minhocário, animais, trilhas e uma casinha de pau a pique, como conta Andréa Oncala, vice-presidente da Associação Educacional Pequizeiro (formada pelos pais da comunidade), mãe de Caetano, de 5 anos, aluno da escola.

 (Isabela de Oliveira/Divulgação )
 

CIENTISTA AMBIENTAL TRABALHA...

Andressa Regina é a educadora e cientista ambiental responsável pelos projetos ecológicos, como horta e colmeia, desenvolvidos na unidade Céu de Brasília do Sudoeste. A escola utiliza materiais sustentáveis em suas instalações: fake, a madeira das dependências é produzida com fraldas descartáveis recicladas. A chuva é captada e reaproveitada para limpeza e banheiros. Todas as salas possuem um solário, onde as crianças cuidam de minhocas e de plantas. A dieta é ovolactovegetariana.

 (Isabela de Oliveira/Divulgação )
 

... COM ABELHAS, HORTA E POMAR

A administração da Escola Classe 27, de Taguatinga, contou com trabalho voluntário do Mangaradu, um coletivo de profissionais – que conta com a cientista ambiental Andressa Regina – envolvidos com a causa ambiental, para transformar um canto ocioso da escola em sala verde. Antes um depósito, o espaço foi apropriado e transformado pelas próprias crianças em uma horta e pomar. O projeto Nosso Jardim, agora, vai fazer de outra porção da escola uma agrofloresta. A quadra poliesportiva ganhou um teto adaptado para captar água da chuva, que é utilizada na horta e na limpeza da escola.

 

PEQUENOS SERES SUSTENTÁVEIS

Na Escola Multi-Integral (EMI) em que estuda, no Park Way, Letícia Silva tem oportunidade de conhecer plantas e animais que não existem onde vive, um condomínio em Águas Claras. Em seu último ano no EMI, a menina de 5 anos espera que a próxima escola tenha, assim como a atual, uma “fazenda” com perus, pavões, galinhas e tartarugas, além da horta. A unidade trabalha cinco áreas para compor o que chama de “ser humano sustentável”: física, cognitiva, emocional, social e espiritual. A escola também desenvolve aulas de mindfulness para conectar as crianças à natureza.

 (Isabela de Oliveira/Divulgação  )
 

EXPERIÊNCIAS DO COTIDIANO

A partir das vivências, os alunos do Marista João Paulo II da Asa Norte observam e estudam plantas, insetos, animais e problemas que atingem o cotidiano das famílias, como a dengue. Os pequenos de 4 anos, como Gabriel de Oliveira Dantas, Letícia de Vasconcellos Alves e Benício Reis de Lima, aprenderam a identificar o mosquito Aedes aegypti e criaram vasos de garrafa pet, que não permitem o acúmulo de água. A sustentabilidade também foi trabalhada com estudantes do 1o ano do ensino médio: eles fizeram uma estação de captação, tratamento e reaproveitamento de águas cinzas e pluviais.

 (Divulgação )
 

CICLOS DA VIDA NA SALA DE AULA

A Maple Bear, escola com sistema de educação canadense, tem unidades em Águas Claras e no Setor de Indústrias Gráficas (SIG). A instituição trabalha as relações econômicas para promover a consciência sustentável entre seus alunos. Um dos objetivos é mostrar às crianças que nem tudo que é valioso, como amizade e família, pode ser comprado com dinheiro. Também é ensinado o valor do trabalho. Os ciclos da natureza são estudados nas aulas de inglês, matemática e até mesmo na contação de histórias.

 (Isabela de Oliveira/Divulgação )
 

 

 

 

 


 

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