Reforma da Previdência: novas regras vêm aí
O que dizem os especialistas sobre a aposentadoria no país e quais serão suas principais mudanças com a aprovação da reforma da Previdência
Tema que divide opiniões, ela é alvo de discussões diversas desde o ano passado. Apesar das dúvidas e polarizações relacionadas à proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma da Previdência, que tramita no Congresso Nacional, especialistas concordam com a necessidade das novas regras para evitar que, no futuro, a Previdência simplesmente deixe de existir, por falta de verbas para pagar aposentadorias e pensões.
As novas leis começarão a tomar forma após a aprovação no Congresso Nacional, em breve, mas algumas mudanças já são motivos de preocupação de especialistas na área, entre elas o risco de causar mais desigualdade social no país. Outros defendem que as novas leis para a aposentadoria são essenciais para o crescimento do Brasil, pois podem ditar o crescimento da economia. O governo prevê colocar as contas em dia, alterando o modelo de Previdência deficitário e chegar à economia de cerca de 1 trilhão de reais em 10 anos, considerando o setor privado (INSS) e o regime próprio dos servidores da União.
A advogada Vanessa Jacob Anzo - lin, do escritório Humberto Theodoro, afirma que a reforma é necessária para que o país deslanche, mesmo não sen - do a única resposta para o problema financeiro do Brasil: “É indubitável que a reforma da Previdência não só urge como é inadiável, haja vista os déficits nas contas públicas desde 2014”. Se - gundo ela, a reforma é praticamente consenso entre os especialistas para evitar os rombos na economia e, em - bora seja a medida mais importante a ser tomada, não será suficiente para promover o reequilíbrio fiscal. Vanessa afirma que a nova legislação previden - ciária, caso não seja posta em prática, pode gerar um desequilíbrio ainda maior nas contas públicas. “O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) fez uma projeção de que, sem a refor - ma, haverá aumento de impostos e a contribuição dos trabalhadores para a Previdência será majorada em até 50% da folha salarial, em 2060. Tudo isso certamente impactará o mercado for - mal de empregos”, diz.
Mas, apesar da necessidade de mu - danças relacionadas à aposentadoria, especialistas estão receosos com o projeto aprovado pela Câmara dos Deputados. “Com essa reforma atual, dificilmente vamos ter um equilíbrio social. O texto que foi aprovado pode ser perigoso. Ele aumenta a questão da idade mínima, sem as diferencia - ções necessárias. Esqueceram-se de conhecer o Brasil, de considerá-lo um ambiente muito grande, continental. Essa idade mínima em alguns locais vai ficar exacerbada”, destaca Diego Monteiro Cherulli, sócio do escritório Cherulli Advogados. Ele alerta ainda que um dos problemas a ser corrigido é o valor da aposentadoria. “A redução vai ser alta, lembrando que 80% do que é pago está abaixo dos 1.300 reais. Isso ainda vai ser alçado ao salário-mínimo, algo com que devemos nos preocupar, pois também atinge a economia, que pode ficar desestabilizada”, diz secretário-geral e diretor de atuação parlamentar do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP).
Para Viviane Moura, presidente da Comissão de Direito Previdenciário da OAB-DF, a reforma se mostra mais ampla que versões anteriores, apresentadas durante o governo de Michel Temer, mas ainda possui pontos controversos: “O cenário econômico e as dívidas que são geradas, ou seja, o rombo da Previdência, fazem com que ela seja extremamente necessária, mas um dos problemas presentes no projeto atual é que ela favorece uns e desfavorece outros. Os mais pobres ficam em desvantagem”, diz. Para a advogada, a idade mínima também é um dos principais problemas: “Somos um país jovem, mas vamos envelhecer e grande parte do rombo vai vir mais tarde. É algo que tem de abranger todos os grupos, sejam os trabalhadores de iniciativa privada até os políticos. Com a proposta, a idade mínima impede algo mais democrático; fica essa diferenciação”, afirma. “A classe mais pobre vai sofrer muito mais com essa exigência mínima de 20 anos de contribuição.”
Em defesa do crescimento econômico brasileiro, muitos especialistas dizem que as mudanças presentes na reforma previdenciária podem ajudar a impulsionar a economia. “Uma das maiores alterações é que, agora, a Previdência complementar passa a ser obrigatória para o funcionalismo público. Antes era algo facultativo. Outro fator importante é que essa obrigatoriedade pode ser administrada por entidades abertas, além das fechadas de natureza pública. Somente essa segunda categoria podia fazer isso, e agora os bancos entram nesse cenário”, destaca a advogada Luciana Dias Prado, do escritório Mattos Filho, Veiga Filho, Marrey Jr. e Quiroga.
Ela acredita que essa alteração pode ajudar a aquecer o mercado: “São fatores importantes, porque aumenta a concorrência, criando um nicho de mercado superrelevante”. Outro ponto positivo está relacionado aos tributos, que podem sofrer uma grande mudança positiva, gerada pelas novas leis da aposentadoria. “Nessa reforma, temos a questão do equilíbrio de dinheiro: o governo só pode arrecadar aquilo que fizer frente aos gastos. Com isso, esperamos uma redução da carga tributária”, diz a advogada Ariane Guimarães, do mesmo escritório. Segundo Ariane, uma novidade que também vale destacar é o parcelamento das dívidas previdenciárias das empresas, que está limitado a 60 meses: “É uma inovação que pode ajudar em um retorno mais rápido dos valores e a otimizar a economia”.
Outro destaque econômico é a possibilidade de investimentos que podem vir de fora do país: “O cenário é de otimismo, tanto no âmbito interno quanto internacional. A propalada reforma proporcionará a retomada do crescimento econômico, já tendo sido anunciado, inclusive, o compromisso do grupo indonésio Paper Excellence de aportar 31 bilhões de reais em investimentos diretos no Brasil até o fim de 2022”, afirma Vanessa Anzolin.
Para Thais Maria Riedel, sócia da Riedel Advocacia, a reforma da Previdência também corrobora a necessidade de mais especialistas no tema: “Sempre que ocorre uma grande mudança na legislação temos oportunidades, pois ela aborda novas interpretações, e essa é mais complexa do que imaginamos à primeira vista”, diz. “Muitos profissionais de advocacia vão precisar especializar-se nessa área para melhorar o padrão de atendimento, já que surgirão muitas dúvidas.” Para a advogada, trabalhadores da área jurídica precisam começar a preparar-se logo para atuar nesse mundo novo. “Acredito que, hoje, um escritório que consegue especializar-se nessa área pode ter um grande diferencial no futuro, colhendo muitos frutos positivos”, completa.
O QUE DEVE MUDAR
Dez pontos do sistema previdenciário nacional que serão alterados pelo projeto de reforma
1 | FUNCIONALISMO PÚBLICO
A reforma cria uma regra de transição para funcionários públicos que vai garantir uma aposentadoria mais alta que os 65 anos para os homens e de 62, para as mulheres. Foi instituído uma espécie de pedágio de 100% do tempo faltante. Também é necessário 20 anos de serviço público.
2 | PENSÃO POR MORTE
O novo cálculo para pensões por morte inclui um valor abaixo do salário mínimo, com o pagamento de 60% do benefício mais 10% por dependente adicional. Um adendo, solicitado pelo presidente a pedido por Michelle Bolsonaro, definiu que o benefício será de 100% se o dependente for inválido ou tiver algum tipo de deficiência grave.
3 | ESTADOS E MUNICÍPIOS
Pelo texto da nova reforma, os estados e municípios devem editar as regras de transição para os seus servidores públicos. A ideia é facilitar a adaptação da mudança de leis de acordo com cada região.
4 | PROFESSORES
Trabalhadores do sistema privado que comprovem o tempo de efetivo exercício (ensino infantil, fundamental ou médio), os requisitos além do pedágio serão de 55 anos de idade e 25 de contribuição para as mulheres, 60 anos de idade e 30 de contribuição, para os homens.
5 | RURAL
Pela nova reforma, as aposentadorias rurais serão aprovadas para homens com 60 anos de idade mínima e 15 anos de contribuição, e para as mulheres, 55 anos de idade mínima e 15 anos de tempo de contribuição. Não houve mudanças, o que é motivo de críticas de especialistas.
6 | SEGURANÇA
Para policiais federais e agentes de segurança a idade mínima é de 53 anos para homens, com um pedágio de 100% sobre o tempo restante de contribuição. Para as mulheres, a idade mínima é 52 anos e também com pedágio de 100% sobre o tempo restante de contribuição. Para homens que não entraram na carreira, a idade mínima é de 55 anos com 30 anos de contribuição e 20 de contribuição em cargo estritamente policial. Para mulheres que ainda não entraram na carreira são 55 anos de idade mínima e 25 de contribuição, com 15 anos de contribuição em cargo estritamente policial.
7 | POLÍTICOS
Para parlamentares que estejam já no sistema de aposentadoria especial é necessário cumprir pedágio de 30% do tempo de contribuição faltante, de acordo com as regras atuais. A idade mínima subiu para 65 anos, no caso dos homens, e 62, para as mulheres.
8 | ALÍQUOTAS DE CONTRIBUIÇÃO PROGRESSIVA
A nova reforma diz que as alíquotas de contribuição ao INSS serão progressivas, de acordo com as faixas de salário, sistema semelhante ao do Imposto de Renda.
9 | SEM BENEFÍCIOS
Foram retiradas propostas anteriores que defendiam o Benefício de Prestação Continuada (PBC) pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
10 | INVALIDEZ
Pode receber a aposentadoria por invalidez quem não consegue trabalhar por causa de doença ou acidente, mas é necessário perícia médica para comprovação. Pessoas que trabalham em ambientes insalubres e perigosos por pelo menos 15 anos – o que pode variar para um tempo mínimo de 20 ou 25 anos – também podem receber aposentadoria pelo valor integral.