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"O cérebro sempre foi essa caixinha de surpresas", diz o psiquiatra Pablo Vinícius

Especializado em neurociências fala sobre a capacidade de aprendizagem e como melhoras o rendimento dos alunos em casa e na escola. Sono e alimentação saudáveis são essenciais

Paloma Oliveto - Publicação:18/12/2019 17:47Atualização:18/12/2019 17:56

Quando estudava estimulação magnética transcraniana – técnica não invasiva de modulação da atividade cerebral – na Universidade de Columbia, em Nova York (EUA), Pablo Vinícius assistia, eventualmente, ao treino de atletas olímpicos na instituição. Lá, descobriu que o segredo do sucesso dos esportistas, incluindo o nadador Michael Phelps, não era passar horas e horas se esforçando, até extenuar o corpo. Eles seguiam um programa de alto rendimento, que levava em consideração os turnos em que eles eram mais produtivos. O psiquiatra, então, teve um insight: por que não criar algo semelhante, não para malhar o corpo, mas para desenvolver a mente?

 

Com base em pesquisas da recente área da neurociência, Pablo Vinícius criou um programa que alia os conhecimentos sobre o funcionamento do cérebro à educação, voltado a estudantes, professores e profissionais de diversas áreas de atuação. Não é nada que necessite de ferramentas tecnológicas, “ginástica” cerebral ou coisas do tipo. As mudanças que os estudantes precisam fazer, de acordo com o esquema individualizado de alto rendimento, estão relacionadas ao sono, à alimentação, ao horário de estudos, ao tempo necessário de repouso – são adequações simples, que levam em consideração resultados de estudos científicos de ponta.

 

Recentemente, Pablo Vinicius decidiu expandir esse conhecimento e escreveu A Fórmula – Desenvolvendo Cérebros Extraordinários, no qual apresenta as pesquisas e os conceitos por trás do programa de alto rendimento cognitivo. Em quatro meses de vendas, o livro já foi para a quarta tiragem (cada uma de 1 mil exemplares). Para o médico, a neurociência deveria ser ensinada nas faculdades de educação e nas escolas. “A neurociência traz o aluno para o professor dar uma boa aula, em plenas condições de aprendizado. Ele vai conseguir prestar atenção, absorver o conhecimento e armazenar o conhecimento em forma de memória. Isso é aprendizado de fato”, diz.

QUEM É 
PABLO VINÍCIUS, 41 ANOS

ORIGEM: Brasília (DF)

FORMAÇÃO: Graduado em medicina pela
Universidade Federal de
Uberlândia (MG), com residência
em psiquiatria pela mesma
instituição. Especialista em
saúde mental pela Fiocruz-Rio.
Especialista em medicina
do sono pela Associação
Brasileira do Sono. Mestre
em ciências da saúde com
atuação em neurociências,
pela Universidade de Brasília.
Fellowship em estimulação
magnética transcraniana
na Universidade de Columbia
(Nova York). Professor do curso
de medicina da Faciplac-DF
e autor do livro A Fórmula -
Desenvolvendo Cérebros
Extraordinários. (Wallace Martins/Esp. Encontro/DA Press)
QUEM É
PABLO VINÍCIUS, 41 ANOS

ORIGEM: Brasília (DF)

FORMAÇÃO: Graduado em medicina pela Universidade Federal de Uberlândia (MG), com residência em psiquiatria pela mesma instituição. Especialista em saúde mental pela Fiocruz-Rio. Especialista em medicina do sono pela Associação Brasileira do Sono. Mestre em ciências da saúde com atuação em neurociências, pela Universidade de Brasília. Fellowship em estimulação magnética transcraniana na Universidade de Columbia (Nova York). Professor do curso de medicina da Faciplac-DF e autor do livro A Fórmula - Desenvolvendo Cérebros Extraordinários.
 

ENCONTRO BRASÍLIA – Como é a relação neurociência e educação no Brasil?

 

PABLO VINÍCIUS – Essa é uma interação recente, inclusive no mundo, apesar de lá fora as pesquisas estarem um pouco mais desenvolvidas. Foram os profissionais de educação que começaram a ter necessidade de conheci - mento da neurociência para melhorar o desempenho na área. Acho que foi um bom casamento entre os cientistas, biólogos, médicos, psicólogos, o pessoal dedicado ao conhecimento da neurociência, e a área de educação. Mas ainda é muito incipiente, falta muito. Inclusive, essa é uma crítica que faço sempre. Neurociência deveria ser uma matéria básica de qualquer pedagogo e professor. Deveriam ser passados conhecimentos básicos da neurociência para qualquer educador. Os colégios deveriam ter conhecimento mais aprofundado de neurociência para abordar os seus alunos. As faculdades, os cursinhos, os preparatórios também. Quanto mais conhecimento o setor de educação tiver, melhor será o desempenho do aluno. Não tenho dúvida.

 

Quando falamos em neurocientistas, estamos nos referindo a diversos tipos de profissionais que poderão aplicá-la com funções também diversas?

 

Costumo dizer que neurociência é tudo. Tudo aquilo que é capaz de modular o cérebro é neurociência. Alimento modula o cérebro, o que você respira modula o cérebro, o que você lê, quando você dorme, quando você acorda... Ou seja, todas as suas atividades são capazes de modular o cérebro. Então, a medicina é neurociência, assim como a psicologia, a psiquiatria. A meditação, a biologia, a nutrição, a área da educação física... Quanto mais profissionais agregarem conhecimento, melhor será.

 

É um campo que ainda está descobrindo muitas coisas?

 

Com certeza. De todos os órgãos, o cérebro foi o último explorado com profundidade, até devido às dificuldades técnicas. Não se conseguia estudá-lo do ponto de vista das funções, diferentemente de um coração, que um anatomista abria, via as câmaras cardíacas... Há séculos que o sistema cardiovascular é descrito. Mas o cérebro sempre foi essa caixinha de surpresas. Com o advento da tecnologia de imagem, começamos a entender melhor o cérebro. Aí, acho que de fato nasce a neurociência moderna como a conhecemos hoje, no fim da década de 1980. Então, o homem começa a desenvolver ferramentas para mexer no cérebro, modular a atividade cerebral. Chegamos a ter discussões éticas de até que ponto será permitida essa modulação. Não tenho dúvida de que a corrida pelo domínio da neurociência está só começando. Onde vai chegar, eu não sei dizer.

 

O que as pesquisas na área da educação já comprovaram até agora?

 

Um exemplo que dou em palestras em colégios é o seguinte: não adianta um sistema educacional investir nos melhores professores, nos melhores métodos pedagógicos, nas melhores ferramentas tecnológicas de ensino, se não garante, antes disso tudo, a plena condição de aquele aluno aprender. Condição essa biológica e psicológica. O que adianta contratar um professor a peso de ouro porque ele fez um curso na Finlândia, o melhor sistema educacional do mundo, e investir em ferramentas tecnológicas, se o aluno está dormindo na sala de aula? E ele está inflamado, sedentário, obeso? Ele está com comportamento comprometido. O que a neurociência está mostrando para a educação, hoje, é o seguinte: os alunos precisam estar em plena condição cerebral, biológica e psicológica para o aprendizado.

 

E o que é preciso fazer?

 

As escolas têm de começar a atentar que cuidar do cérebro, da saúde biológica e psicológica desse aluno é fundamental para o bom desempenho dele no aprendizado. Aí, sim, dá para investir em um bom professor e em ferramentas tecnológicas. A neurociência traz o aluno para o professor dar uma boa aula, em plenas condições de aprendizado. Ele vai conseguir prestar atenção, absorver o conhecimento e armazenar o conhecimento em forma de memória. Isso é aprendizado de fato.

'Não tenho
dúvida de que
a corrida pelo
domínio da
neurociência está
só começando.
Onde vai chegar,
eu não sei dizer' (Wallace Martins/Esp. Encontro/DA Press)
"Não tenho dúvida de que a corrida pelo domínio da neurociência está só começando. Onde vai chegar, eu não sei dizer"
 

Isso deve ser feito individualmente ou há um método que o professor possa usar para beneficiar todos os alunos ao mesmo tempo?

 

Vou dar um exemplo de como a neurociência pode ajudar no aprendizado de todos. Se montarmos um gráfico de tempo e aprendizado, a curva que obedece é o seguinte: vamos imaginar que alguém estudou por duas horas, sem parar. Os estudos de neurociência mostram que os momentos de maior aprendizado acontecem no início, passam por uma queda e depois acontece no final. Esses dois fenômenos são chamados de primacy e recency. Se alguém estudou duas horas seguidas, ele teve dois fenômenos, um de primacy e um de recency. Vamos pegar um bloco de estudo de duas horas e separar em blocos de 30 minutos. Ele vai ter oito momentos melhores de aprendizado. Isso é um conhecimento da neurociência que damos às escolas, aos professores e aos alunos para melhorar o desempenho. Esse conhecimento deveria estar nas universidades de pedagogia, na formação dos professores. É um dos exemplos do que a neurociência pode fazer para potencializar o aprendizado. Quando oriento um aluno que está estudando para concurso, para o Enem, por exemplo, faço blocos curtos de estudo. Dou um intervalo de 10 a 15 minutos. Outro estudo científico fundamental mostra que, durante o silêncio, o nosso cérebro se comporta de forma parecida com o momento do sono. Já está comprovado que, no silêncio, pode acontecer consolidação da informação em forma de memória. Precisamos de silêncio para que nosso cérebro favoreça o registro das informações. Sempre oriento meu aluno a, quando terminar num bloco de estudo, entrar num momento de silêncio e descanso. Que levante, medite. Uma ferramenta importantíssima do meu programa é a meditação. Isso tudo é conhecimento da neurociência. Se o setor educacional tivesse mais conhecimento da neurociência, as escolas poderiam aplicar isso no dia a dia.

 

Como o sono afeta o aprendizado?

 

Uma das minhas especialidades é a medicina do sono. Tudo aquilo que o aluno estuda, ouve, vê, lê, entra em contato durante o dia, é absorvido, registrado em forma de memória à noite, durante o sono, principalmente durante as fases profundas, a N3 e a REM. A REM é extremamente importante para o aprendizado. Ele acontece no terço final da noite. Um adolescente tem necessidade de dormir de nove a 10 horas. Então, digamos que ele foi dormir às 22h. Ele deveria acordar entre 7h e 8h. A que horas acorda? Cinco e meia. O que fazemos com o sono REM dele? Amputamos, interrompemos, justamente quando estava aprendendo. Quando ele chega à escola, está sonolento. A escola nem imagina isso, porque não tem esse conhecimento. Veja a importância de um aspecto da saúde que impacta diretamente na qualidade do aprendizado: os americanos adotam há muito tempo um conceito chamado de cronotipia. É uma ciência, dentro da medicina do sono, que estuda os fenômenos biológicos, celulares, e seus funcionamentos em relação ao padrão dia e noite.

 

Como isso funciona?

 

Todas as células do corpo têm um padrão de funcionamento ao longo das 24 horas do dia. Tem horas melhores e piores de funcionamento. A cronotipia é determinada geneticamente. Cada pessoa tem um melhor horário de rendimento cognitivo e intelectual. Tem as pessoas mais matutinas, outras intermediárias e outras vespertinas/noturnas. Qual o segredo do aprendizado? Colocar a pessoa para aprender de acordo com sua cronotipia. Pegamos uma pessoa que é noturna e a fazemos acordar às 5h para estudar ou trabalhar. Ela não vai render. Um ser matutino, se o colocarmos para fazer um cursinho à noite. Bobagem. Ele terá uma queda de 30% a 50% no rendimento, só de estar estudando em um horário que não é o dele. Três, quatro horas de estudo no nosso melhor horário são melhores que oito.

 

Então, muitas vezes podemos julgar errado um aluno, achando que ele é preguiçoso, desinteressado, quando, na verdade, o problema é a cronotipia?

 

Vamos pensar nesse aluno. O professor acha que ele é preguiçoso, o pai acha que ele tem algum problema de desenvolvimento, não está rendendo. Ele pode estar dormindo pouco; ou dormindo bastante, mas com qualidade de sono ruim, estar no horário inadequado de estudo. E estou falando só de sono. Diante de um aluno de mau desempenho, o professor chama os pais e fala para levar ao médico. O médico vai dar diagnóstico de déficit de atenção, de hiperatividade, de autismo, de algum transtorno invasivo do desenvolvimento... Algum diagnóstico de doença esse menino terá. Tem muito menino, hoje, usando antipsicótico. Ou seja, mais um doente criado no mundo, quando não tinha nada a ver com doença, mas era um aspecto ambiental. As pessoas estão vivendo mal e recebendo diagnósticos pelo seu estilo de vida. Em relação a sono, a neurociência fornece para a educação três conceitos importantes: quantidade, qualidade e cronotipia. Se as pessoas soubessem a importância de dormir, não deixavam uma horinha de sono para trás. Sono é inteligência. Mas a área educacional é carente desse tipo de conhecimento.

 

Se formos pensar em termos de políticas públicas de educação, como a neurociência poderia ajudar o sistema educacional brasileiro, que há muito tempo está em crise?

 

A neurociência tem muito a contribuir. O sistema educacional tem de entender a importância disso. Quando as escolas começarem a implementar conceitos da neurociência, tudo vai mudar. Não é só o sono. Alimentação é outra coisa. Muitos alunos estão inflamados, comprometidos cognitivamente pela alimentação, baseada em carboidratos de absorção rápida, açúcares, gorduras. Hoje, uma teoria que está apontando as causas dos distúrbios mentais é inflamatória. Há alguma coisa que está inflamando, deprimindo o cérebro, deixando-o ansioso, que está diminuindo a capacidade de atenção, prejudicando a memorização... Os pesquisadores estão identificando que esse cérebro está inflamado. O que inflama o cérebro? Não tenho dúvida de que é a alimentação. O que você coloca na boca vai influenciar o seu cérebro. Uma alimentação inadequada pode reduzir a capacidade cognitiva tanto quanto a falta de sono.

 


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