Uma tendência em alta
Nem só de garrafa vivem as cervejas artesanais. Cervejarias do Distrito Federal começam a aderir à comercialização da bebida em lata, seguindo uma tendência mundial
Elas têm a sustentabilidade como bandeira e a resistência de parte dos consumidores como desafio. A Cerrado Beer, cerveja artesanal do cerrado, traz no nome mostras dos motivos que levam a empresa a comercializar 80% da produção dela em lata. “Nossos rótulos todos remetem à fauna e à flora e parte dos nossos lucros é doado ao cerrado. Nada mais lógico do que se preocupar com a sustentabilidade”, explica Denilson Postai, cofundador da microcervejaria. A questão-chave é mesmo a sustentabilidade. “Não dá mais para poluir. Precisamos pensar no rastro de poluição que deixamos e os produtos 0% poluição serão o mercado no futuro”, aposta Denilson.
No Distrito Federal não há indústria de reciclagem de vidro. Por ser descartado como lixo comum, o material acaba em aterros sanitários. Nos últimos anos, empresas privadas começaram a recolher e a triturar o vidro descartado na capital, mas precisam enviar para outras cidades para serem reciclados. Quando a Cerrado Beer abriu as portas, há três anos, toda a produção tinha como destino a garrafa de vidro ou o barril de inox. Segundo Denilson, houve uma transição gradual para as latas. Hoje, a cervejaria comercializa em lata 50% do total que antes seria engarrafado.
Os barris também sofreram mudanças. Metade da produção que vai para o barril é vendida em barril inox e a outra metade em barril feito por um material pet reciclável. “A tendência é chegar a um patamar que seja possível abolir o vidro”, diz Denilson. Ele destaca dois países precursores quando o assunto é cerveja artesanal em lata: Estados Unidos e Holanda. O primeiro tem uma cultura bem difundida de cervejas artesanais enlatadas, enquanto o segundo é pioneiro na reciclagem de lixo e em ações ligadas à sustentabilidade. Atualmente, até a embalagem do pack da Cerrado Beer é feito com polietileno 100% reciclado, que emprega menos petróleo, energia e gases de efeito estufa em relação à produção de plástico virgem.
Há quase duas décadas, o Brasil é líder mundial de reciclagem de alumínio, com índices acima dos 90% de latas recicladas. Uma lata descartada pode levar menos de um mês para voltar às prateleiras. Em 2017, foram reaproveitados 97,3% das latas 303.900 toneladas de latas de alumínio para bebidas comercializadas no Brasil. Os dados foram publicados pela Associação Brasileira do Alumínio (Abal) e pela Associação Brasileira dos Fabricantes de Latas de Alumínio (Abralatas), em dezembro de 2018.
Segundo o gestor ambiental Bruno Souza, pós-graduado em geografia de análise ambiental pela Universidade Estadual de Goiás, a acessibilidade das latinhas para os catadores é fator determinante para o sucesso da reciclagem do alumínio no Brasil. “Por ser um material fácil de conduzir, leve e implicar em menos riscos de corte no manuseio do que o vidro.” Vale considerar que, no Brasil, a geração de renda com o catador é uma opção para muitas pessoas em situação de vulnerabilidade econômica.
Mas, se ela é amiga do meio ambiente, a lata das cervejas artesanais enfrenta uma resistência maior do que as garrafas entre os consumidores, segundo empresários do setor em Brasília. “O público em geral, que não é especializado, prefere consumir cerveja artesanal em garrafa, por acreditar que tem maior valor agregado, ser mais robusta e parecer dar mais credibilidade”, afirma Rodrigo Braga, um dos sócios da Cruls Cervejaria Artesanal. Ainda assim, ele diz que migrar para a lata é uma tendência do mercado, tanto que a empresa planeja estrear os produtos em lata no primeiro semestre de 2020.
Além da sustentabilidade, a conservação do produto é outro motivo apontado pelo mestre cervejeiro. Segundo Marcos de Paula, gerente de qualidade da Cruls Cervejaria e mestre em biologia, podem existir algumas diferenças de qualidade entre a cerveja em garrafa e a em lata. Há dois grandes inimigos da cerveja depois que ela está pronta: oxigênio e luz. “Como a garrafa é de vidro, os raios de luz conseguem entrar e acabam por ajudar a oxidar a cerveja, o que pode interferir na qualidade, e existe o risco de a tampinha não estar bem vedada. Enquanto a lata é 100% vedada contra luz e oxigênio”, explica.
Ele diz que, por outro lado, a maioria dos exemplares de cervejas de guarda ou rolhada (produzidas justamente para terem uma vida mais longa) são tradicionalmente feitas mais em garrafa do que em lata. “Vamos fazer um trabalho em relação à mudança de mentalidade. Com muita conversa, esclarecimento e dados, vamos provar que o produto não perde qualidade na lata”, diz Denilson Postai. “Não é falta de glamour nenhum trocar a garrafa pela lata”, defende.
A Cervejaria Metanoia foi fundada pelo casal Tiago Mota de Almeida e Ana Luisa Siqueira há três anos com todo o projeto visual pensado para a comercialização em latas, produzido por artistas e grafiteiros locais. Apesar disso, os dois começaram o negócio com cerveja artesanais apenas em garrafas. “As fábricas em volta do DF eram todas de garrafas, porque o processo de envasamento em lata era mais caro”, diz Tiago.
Segundo a Associação da Cerveja Artesanal do DF (Abracerva), Brasília tem 30 cervejarias locais cadastradas, que são responsáveis pela produção de 150 mil litros da bebida. Delas, apenas duas contam com rótulos em lata e cinco têm fábrica no DF. As demais funcionam como ciganas, caso da Metanoia, que usa maquinário alugado de outras fábricas. “Ficamos temporariamente produzindo 100% nas garrafas e, depois que as fábricas começaram a envasar em lata, partimos para a lata”, afirma Tiago.
O estoque de garrafa da Metanoia acabou e todos os rótulos de linha da marca são em lata. Segundo o empresário, as fábricas foram adquirindo o envasamento em lata nos últimos dois anos. A logística do armazenamento, transporte e da comercialização das cervejas em lata também se revela mais fácil do que com garrafas de vidro, o que se reflete no preço do produto. Devido ao receio em relação à receptividade do consumidor, porém, as cervejarias que começam a aderir ao enlatamento estão adotando uma certa precaução, justamente para não perder mercado.
DA LATA
Alguns rótulos de cervejas artesanais de Brasília vendidos em lata
è SERIEMA
Fábrica: Cerrado Beer
Tipo: German Pilsner
Descrição: cereja clara, puro malte, com lupulagem equilibrada e presente (ABV 5% e 20 IBU)
Preço: R$ 18,90 (473 ml)
è LOBO GUARÁ
Fábrica: Cerrado Beer
Tipo: Double IPA
Descrição: cereja clara, puro malte, com lupulagem equilibrada e presente (ABV 9%e 90 IBU).
Preço: R$ 24,90 (473ml)
è FIGHT! NEW ZEALAND IPA
Fábrica: Cervejaria Metanoia
Tipo: American IPA
Descrição: de corpo médio, sabor único e bem aromática. Foram utilizados em sua receita apenas lúpulos neozelandeses que trazem notas de frutas tropicais (ABV 6.5% e IBU 55)
Preço: De R$ 25 a R$ 27 (473 ml)
| è FIGHT! WEST COAST IPA
Fábrica: Cervejaria Metanoia
Tipo: American IPA
Descrição: aromática, em que os lúpulos americanos usados trazem notas cítricas, proporcionado mais sabor à cerveja. O final seco pede um gole atrás do outro (ABV 6.5% e IBU 60)
Preço: De R$ 25 a R$ 27 (473ml)
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