Pediatria em BH: poucos hospitais, déficit de profissionais e muitos dramas

Nos últimos cinco anos, 18 hospitais desativaram o pronto-atendimento em pediatria

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Valéria Mendes - Saúde Plena Publicação:16/05/2013 08:14Atualização:16/05/2013 11:16
Segundo a presidente da Sociedade Mineira de Pediatria, Raquel Pitchon, uma criança com até 3 anos de idade adoece de oito a 12 vezes ao ano. 'Esse paciente vai precisar mais de médico do que um adolescente ou um adulto' (Arquivo Pessoal)
Segundo a presidente da Sociedade Mineira de Pediatria, Raquel Pitchon, uma criança com até 3 anos de idade adoece de oito a 12 vezes ao ano. "Esse paciente vai precisar mais de médico do que um adolescente ou um adulto"
  A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda um médico para cada 1000 pessoas. Em fevereiro deste ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a pesquisa intitulada Demografia Médica no Brasil que mostra que em Minas Gerais existe um pediatra para cada 2.500 pacientes, considerando a faixa etária de 0 a 19 anos. Segundo a presidente Sociedade Mineira de Pediatria (SMP), Raquel Pitchon, uma criança com até 3 anos de idade adoece de oito a 12 vezes ao ano. “Esse paciente vai precisar mais de médico do que um adolescente ou um adulto”, observa a pediatra.

Nos últimos cinco anos, 18 hospitais públicos e privados desativaram, total ou parcialmente, os seus serviços de pediatria em Belo Horizonte. Atualmente, têm oito hospitais públicos que oferecem o serviço e dez privados a esse público.

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Os profissionais reclamam que recebem dos planos de saúde 40% a menos em cada consulta que as outras especialidades clínicas. Isso por que o atendimento a uma criança demanda um tempo maior. Se em uma consulta com um adulto, gasta-se 15 minutos, com uma criança pode-se ultrapassar uma hora. “É preciso abordar o paciente com tranquilidade. Para o médico ter sucesso, precisa conversar com os familiares também”, reforça a presidente da SMP.

Os hospitais argumentam que manter um pronto-atendimento em pediatria gera prejuízo. O índice de internação é baixo já que a maioria dos casos de doença que envolvem o público infantil são resolvidos clinicamente e em ambiente domiciliar. “Serviço de saúde privado é negócio e busca naturalmente o lucro”, afirma Pitchon.

Ela afirma ainda que muitas patologias que estão nos atendimentos de urgência poderiam ser solucionadas nos consultórios. O déficit de profissionais gera superlotação nos hospitais. A conta não fecha e os dramas aparecem.

A empresária Paula Couri percorreu Belo Horizonte em busca de atendimento para a filha que sangrava com um corte na pálpebra. Só o terceiro hospital prestou atendimento à Bruna (Arquivo Pessoal)
A empresária Paula Couri percorreu Belo Horizonte em busca de atendimento para a filha que sangrava com um corte na pálpebra. Só o terceiro hospital prestou atendimento à Bruna
Corte na pálpebra e a peregrinação por seis hospitais
Bruna, de 2 anos é meio, é filha da empresária Paula Couri. A menina cortou a pálpebra profundamente depois de cair dentro do carro. A mãe conta que o sangue sujou completamente uma toalha e elas só conseguiram atendimento no terceiro hospital e depois de ameaçar chamar a polícia. Foi no dia 1º de março deste ano. “Na primeira tentativa fui barrada já na portaria com a justificativa de que estava lotado. Do lado de fora, vi que tinha apenas quatro crianças lá dentro, mas nem discuti e segui para outro hospital”, conta. Lá, a família foi encaminhada para a enfermaria e a profissional se recusou a fazer o curativo argumentando que estava sangrando demais e teria que fazer sutura. “Voltei para fazer a ficha e na portaria me informaram que não tinha nenhum médico disponível”. A família deixou o local e na terceira tentativa já chegou ameaçando. “Em dez minutos atenderam a gente”, conta.

Para retirar os pontos, a mesma novela, a família passou por três outros locais. “Teve um médico que pediu para gente procurar um posto de saúde porque não iria retirar. Está todo mundo insatisfeito e com má vontade”, diz. Paula e Bruna foram para o segundo hospital que a encaminharam para uma outra unidade da rede. “Lá, a pediatra ficou tão horrorizada com a história que ela mesma tirou os pontos”. Paula explica que o recomendável é que um cirurgião faça o procedimento.

Credibilidade não abalada

Minas Gerais tem exatamente 2.706.348 crianças em idade de 0 a 9 anos segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Pais, mães ou responsáveis por esses pequenos não têm do que reclamar do trabalho dos pediatras que fazem o acompanhamento de seus filhos ou entes queridos. A relação é de confiança. “A população reconhece o trabalho, a dedicação e as características da especialidade. O pediatra é um parceiro da família”, afirma Raquel Pitchon.

Uma pesquisa do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRMMG) aponta que a pediatria é a terceira especialidade médica mais procurada pelos futuros profissionais e fica atrás apenas da clínica médica e cirurgia. Nos últimos três anos todas as vagas de residência foram preenchidas no Estado. “Após a residência, quando o médico cai no mercado do trabalho e encara o cenário, ele faz opção por uma segunda especialidade ou segue para áreas de gestão de saúde pública ou ainda opta por atuar em outros nichos como a medicina do trabalho ou medicina de trânsito”, observa Pitchon.

Considerando que pediatra cuida da pessoa do momento que ela nasce até os 19 anos, o total da população contemplada na pediatra em Minas é de exatos 6.113.063.

Consulta agendada por precaução
A empresária Melissa Dias marca semanalmente uma consulta com a pediatra dos gêmeos para garantir uma vaga. Se não vai usar o horário, desmarca um dia antes (Arquivo Pessoal)
A empresária Melissa Dias marca semanalmente uma consulta com a pediatra dos gêmeos para garantir uma vaga. Se não vai usar o horário, desmarca um dia antes
Melissa Dias é empresária, mãe dos gêmeos Mateus e Rafael, de 2 anos e três meses, e coleciona experiências ruins em hospitais particulares de Belo Horizonte. Em uma delas precisou esperar por quase cinco horas pelo atendimento. O detalhe é que na sala de pronto-atendimento só estavam ela e outra mãe. Ela não consegue entender a demora.

No último final de semana precisou levar os dois novamente ao hospital. “Estavam tossindo muito e com febre há três dias”, diz. Das 15 salas de pediatria, só duas tinham médicos. Esperamos quatro horas pela consulta.

A estratégia da família é garantir uma consulta semanal com a pediatra dos gêmeos. “De 15 em 15 dias deixo uma consulta marcada. Nessa época do ano é terrível, as crianças adoecem muito. Se vejo que não vou precisar, ligo e desmarco. A secretária morre de rir de mim”.

A presidente da SMP, Raquel Pitchon, observa que essa é uma estratégia complicada. “De um lado temos uma mãe querendo cuidar do filho. Do outro, é um artifício que compromete o atendimento do grupo”, explica.

A arquiteta Bebel Soares é idealizadora do Padecendo no Paraíso, grupo que reúne mães para trocar experiências e lutar pela garantia do direito à saúde dos pequenos. O movimento conseguiu adiar o fechamento do pronto-atendimento pediátrico no Vila da Serra (Bruna Jassis Fotografia)
A arquiteta Bebel Soares é idealizadora do Padecendo no Paraíso, grupo que reúne mães para trocar experiências e lutar pela garantia do direito à saúde dos pequenos. O movimento conseguiu adiar o fechamento do pronto-atendimento pediátrico no Vila da Serra
Tem plano de saúde, mas paga consulta particular
Bebel Soares é arquiteta e idealizadora do grupo Padecendo no Paraíso, criado em abril de 2011 no Facebook. O espaço é fechado e secreto e atualmente tem a participação de 3 mil mães. O projeto cresceu e hoje tem fan page no Facebook, blog e é peça-chave na mobilização e discussão para a melhoria da situação da pediatria em Minas Gerais. Entre os feitos, está a vitória em conseguir que o Hospital Vila da Serra, em Nova Lima, adiasse a decisão de não mais receber crianças no seu pronto-socorro. “O hospital não tinha condições de manter o pronto-atendimento aberto por causa dos prejuízos, mas, por enquanto, os convênios estão cobrindo o ônus”, explica.

A arquiteta tem plano de saúde privado, mas paga consulta particular para o filho desde que ele era bebê. Hoje Felipe está com 4 anos. “Só uso o convênio para fazer exame”. Ela conta que evita ao máximo o pronto-atendimento porque seu filho já foi diagnosticado errado quando tinha 2 anos e meio. “Ele estava com uma febre altíssima de 39,5 graus que não cedia e manchas vermelhas pelo corpo. Não fico apavorada, mediquei e resolvi esperar as 72 horas”, diz. Como não resolveu e a médica do menino estava em um congresso fora do Brasil, foi para o hospital. Segundo ela, a pediatra não associou os sintomas e depois de apontar que o pequeno estava com a garganta inflamada receitou um antibiótico. Para as manchas, um antialérgico. “Suspendi o antialérgico por minha conta, as manchas sumiram, a temperatura abaixou, a garganta não estava mais inflamada, mas ele estava com um caroço no pescoço que parecia caxumba”, fala.

A mãe esperou a pediatra do filho voltar e quando o levou ao consultório a especialista suspeitou que o menino teve escarlatina. “Eu confirmei porque uma coleguinha da escola dele teve a doença na mesma semana”. Conclusão: ele teve que tomar antibiótico pela segunda vez.

Anestesia geral sem necessidade
O analista de sistemas Frederico Moraneli Crepaldi é pai de Manuela, hoje com 3 anos. Quando tinha um ano e meio, a garotinha sofreu uma queda quando passeava com os pais na Praça da Liberdade. A perna inchou um pouco, mas a família acreditou que fosse apenas uma torção. Ao acordar no dia seguinte, a menina relatou muita dor e seguiu para o hospital. Lá, passou pela pediatria, mas foi encaminhada a um ortopedista para o atendimento especializado. Após uma radiografia, o médico informou que alguns ossinhos da perna tinham se deslocado e que a menina teria que ser internada. “A gente achou esquisito, mas acreditou, fazer o quê?”, relata o pai. Para providenciar a internação, Crepaldi conta que foi uma novela, mas no dia seguinte Manuela foi para o bloco cirúrgico e tomou anestesia geral. Após o procedimento, nova radiografia e a imagem era exatamente a mesma. A criança saiu de lá com um gesso pesado que ia até a altura da virilha, a impedia de fazer quase tudo e com a recomendação que voltasse para fazer o acompanhamento.

De volta à residência, os pais procuraram ajuda para encontrar um especialista com referência. Conseguiram a indicação junto com a informação de que teriam que esperar 6 meses para serem atendidos. Com esforço de conhecidos e amigos, obtiveram um espaço na agenda do profissional que não entendeu o procedimento adotado pelo colega. “Ele disse que como o desenvolvimento da criança é rápido, era só o caso de imobilizar que os ossos voltariam para o lugar em menos de um mês. Ele trocou um gesso por um mais leve e ela conseguia se mexer”, relata o pai.

Frederico diz que a experiência foi muito traumática não só para a filha, mas que a esposa, Natália Fernandes ficou muito abalada. “Ele fez um procedimento de adulto em uma criança. Temos comprovado que a radiografia de antes e depois era a mesma”, desabafa. Hoje, ele diz que evita ao máximo os plantões e emergências.

Soluções
Com a alta demanda, quem quer continuar na pediatria pode restringir o atendimento a consultas particulares. “Essa é uma opção do profissional, mas é preciso pensar na população como um todo: 55% de quem mora na Região Metropolitana de Belo Horizonte tem plano da saúde”, afirma Pitchon. Para ela, a operadora de saúde tem que atender o grupo de clientes dela e precisa melhorar os honorários pediátricos. “A solução passa por aí”, resume.

“Não é uma lei que vai resolver o problema. O governo pode, apenas, obrigar hospitais e instituições públicas a manterem a rede de atendimento a crianças”, explica a presidente do SMP. Para ela, é preciso oferecer incentivos e melhorar as taxas hospitalares.

Outro caminho é garantir a regulamentação do atendimento por parte da Agência Nacional de Saúde (ANS) como o tempo de espera no pronto-atendimento e o tempo de espera para marcar consulta com o médico de confiança da família.

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