Tristeza aguda nem sempre é depressão, mas sinaliza falta de ânimo geral com a vida
Pouca energia para realizar tarefas corriqueiras, mau humor, irritabilidade e dor física, sem melancolia e choro, podem ser alertas para o problema. Quadro é comum entre homens
Carolina Braga - EM Cultura
Publicação:13/10/2013 11:31Atualização: 13/10/2013 15:11
É fato que se trata de uma doença silenciosa. Muitos a chamam de o mal do século. O que ainda parece pouco divulgado é que nem sempre tristeza é sinônimo de depressão e vice-versa. “Muitas vezes é discutida a diferença entre depressão e tristeza. A depressão é uma síndrome, um conjunto de sinais”, explica o psiquiatra membro da diretoria da Associação Mineira de Psiquiatria, Alexandre Aguiar. Pode até ser atípico, mas existem casos em que o quadro evolui sem que o paciente se sinta necessariamente triste. Embora a tristeza seja um sintoma nuclear, existem outros, como a dificuldade em encontrar prazer em qualquer atividade ou mesmo a falta de energia no dia a dia. “Muitas vezes, a pessoa está com um quadro depressivo que vai se manifestar mais na atividade do que naquilo que seria mais evidente. A recomendação é que seja feita uma avaliação mais criteriosa considerando outros sinais e sintomas”, completa Alexandre.
Segundo o psiquiatra Kalil Duailibi, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Santo Amaro (Unisa) e ex-coordenador de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo, desde a década de 1970 a comunidade médica tem uma concepção mais elástica do que seja depressão. A ideia da doença associada à melancolia, choro e falta de ânimo tem convivido cada vez mais com outros quadros. E um detalhe: eles são cada vez mais comuns em homens.
“Os homens apresentam quadros diferentes, caracterizados pela irritabilidade, explosões, mau humor e também dor física”, destaca Duailibi. A American Psychiatric Association divulgou no mês passado um estudo mostrando que a prevalência das doenças em pacientes do sexo masculino é tão grande quanto em mulheres. “Não tem aquela história de dois para um mais. Nos homens, as características estão mais ligadas a dores e à irritabilidade”, completa Kalil.
Ou seja, o sujeito pode até não estar propriamente triste, chorando, mas a doença pode estar escondida por trás de uma dificuldade para dormir, na falta de paciência com tudo e com todos. “Chamamos de depressão aparentemente sem doença. Não está lamentando a vida, mas de alguma forma o corpo chora”, ressalta o médico.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão atinge atualmente mais de 350 milhões de pessoas em todo o mundo. Alexandre Aguiar chama a atenção para o fato de o primeiro “diagnóstico” surgir a partir da observação da família ou de amigos próximos. “A questão é detectar os sintomas o quanto antes”, ressalta.
ATENÇÃO PRIMÁRIA
“Situação em que a pessoa vai perdendo a esperança, o interesse e o prazer nas coisas. Com isso a doença leva a outras coisas: a memória fica comprometida, não consegue ter atenção, vai ficando muito mais irritada e pode ter também sintomas no corpo”, acrescenta Kalil. Outro alerta é que, segundo ele, pesquisas recentes deixam cada vez mais claras as relações entre a depressão e outras doenças. “Ela passa a ter interferência em várias alterações hormonais, o que facilita casos de hipertensão e obesidade. É como se o cérebro estivesse em uma situação inflamatória”, explica.
Se o diagnóstico precoce é ponto a favor do paciente, de acordo com Alexandre Aguiar sinais e sintomas devem ser observados, como a duração e a frequência da mudança de comportamento. “Há um tempo mínimo de duas semanas necessário para o diagnóstico. Quanto mais precoce, melhor para administrar o tratamento, tanto no aspecto medicamentoso ou mudanças de hábitos de vida e na terapia”.
Dez por cento de brasileiros têm a doença
Pesquisa realizada com 12 mil brasileiros pela National Health and Wellness indica que aproximadamente 10% do país apresenta algum sintoma de depressão. Deste total, 28,1% receberam diagnóstico para a síndrome e 15,6% utilizam medicamentos para controlar o quadro. O aumento no número de depressivos, de acordo com Alexandre Aguiar, pode ser relacionado ao crescimento do estresse.
“É uma espécie de adaptação a determinados contextos de trabalho ou social. Às vezes, há uma sobrecarga de trabalho, competitividade. São situações que afetam algumas pessoas. Essas condições ambientais podem evoluir para casos depressivos mais graves”, explica o psiquiatra. Além da detecção precoce da doença, os desafios da comunidade terapêutica incluem vencer o preconceito que ainda existe. Por incrível que pareça, mesmo que já tenha avançado bastante, o universo da psiquiatria ainda precisa superar uma imagem do passado, quando os tratamentos eram realizados dentro de manicômios. Como Alexandre Aguiar ressalta, é um conceito malformado. “Isso já melhorou muito, mas ainda há uma certa resistência ao procurar o psiquiatra”, constata.
Três perguntas para...
Julia Barboza, psicóloga e doutoranda em psicologia pela Universidade Federal Fluminense
1- Quais são os desafios no tratamento de quadros de depressão que não têm a tristeza como principal sintoma?
Em primeiro lugar, acredito em um diagnóstico diferencial, que dê conta de detectar outros sinais que indicam um quadro depressivo, como, por exemplo, sintomas no corpo. Em alguns casos, a pessoa deprimida pode sentir muita dor física, agitação, mudanças de humor, irritabilidade, dificuldades para dormir, transtornos de alimentação, diminuição da energia sexual, etc. O efetivo diagnóstico da depressão pode se tornar um processo mais demorado nos casos em que a tristeza não é um sentimento claramente manifesto. Além de não entender bem o que está se passando, a pessoa pode percorrer um longo caminho consultando especialistas até chegar à causa, situação que muitas vezes pode gerar sofrimento. Isso porque durante esse lapso de tempo se abre um signo de interrogação sobre o que está acontecendo. E essa pergunta ativa inevitavelmente aquele medo atávico do ser humano de doenças graves, de morrer, etc.
2- O modo de vida da sociedade contemporânea pode ser associado, de alguma maneira, ao aumento no número de casos de depressão
A depressão sempre existiu, mas acredito que, na atualidade, houve um aumento dos índices de casos inclusive por conta das rápidas mudanças no estilo de vida das pessoas. Elas estão submetidas a jornadas de trabalho excessivas, onde o tempo de lazer se converteu em um tempo regulado, demarcado e que também implica consumo. Os momentos de ócio contemplativo são cada vez menos presentes na vida e ficam cada vez mais associados à capacidade de consumir, como, por exemplo, as pessoas que saem de férias e voltam endividadas. É importante perceber que em tempo de mudanças há novas formas de se vincular, como pela internet, que são igualmente válidas e não significam necessariamente que a pessoa está isolada do mundo. Pelo contrário, ela pode estar reinventando novas maneiras de se relacionar.
3- Mesmo que cada caso tenha suas particularidades, de maneira geral, o que define o sucesso de um tratamento para depressão?
O sucesso do tratamento está relacionado, em primeiro lugar, com o cumprimento do tratamento medicamentoso. O que muitas vezes ocorre é que, ao perceber os primeiros sinais de melhora, a pessoa abandona o tratamento. Essa atitude implica grande risco. Outro fator fundamental é o acompanhamento com psicólogo. Embora o medicamento promova um bem-estar físico e uma melhora considerável nos quadros de depressão, ele sozinho não resolve. Como a depressão afeta todos os âmbitos da vida de uma pessoa, o espaço de diálogo com o psicólogo contribui para a acolhida e a compreensão desse processo de mudanças e, consequentemente, para a cura da depressão. E nos casos em que não há tristeza, acolher esse corpo que chora. Os vínculos familiares também podem ser afetados por isso, acredito que o trabalho com a família às vezes é necessário. Outras abordagens, como trabalhar com o corpo e em grupo, são muito eficazes. Em geral, essa é uma segunda etapa e fica à livre escolha da pessoa. Recomendo, pois os resultados são fantásticos.
Segundo o psiquiatra Kalil Duailibi, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Santo Amaro (Unisa) e ex-coordenador de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Município de São Paulo, desde a década de 1970 a comunidade médica tem uma concepção mais elástica do que seja depressão. A ideia da doença associada à melancolia, choro e falta de ânimo tem convivido cada vez mais com outros quadros. E um detalhe: eles são cada vez mais comuns em homens.
“Os homens apresentam quadros diferentes, caracterizados pela irritabilidade, explosões, mau humor e também dor física”, destaca Duailibi. A American Psychiatric Association divulgou no mês passado um estudo mostrando que a prevalência das doenças em pacientes do sexo masculino é tão grande quanto em mulheres. “Não tem aquela história de dois para um mais. Nos homens, as características estão mais ligadas a dores e à irritabilidade”, completa Kalil.
Ou seja, o sujeito pode até não estar propriamente triste, chorando, mas a doença pode estar escondida por trás de uma dificuldade para dormir, na falta de paciência com tudo e com todos. “Chamamos de depressão aparentemente sem doença. Não está lamentando a vida, mas de alguma forma o corpo chora”, ressalta o médico.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a depressão atinge atualmente mais de 350 milhões de pessoas em todo o mundo. Alexandre Aguiar chama a atenção para o fato de o primeiro “diagnóstico” surgir a partir da observação da família ou de amigos próximos. “A questão é detectar os sintomas o quanto antes”, ressalta.
ATENÇÃO PRIMÁRIA
Saiba mais...
Para Kalil Duailibi, é preciso conscientizar e informar médicos da atenção primária para o aumento de casos assim. Dados também da OMS indicam que, em média, de 20 a 25% das pessoas que procuram atendimento têm quadros de ansiedade e de depressão. “As queixas são físicas”, constata. Se a ansiedade se caracteriza por ser um sofrimento antecipado, a depressão é uma alteração muito mais profunda.- Médicos ainda confundem transtorno bipolar com depressão
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“Situação em que a pessoa vai perdendo a esperança, o interesse e o prazer nas coisas. Com isso a doença leva a outras coisas: a memória fica comprometida, não consegue ter atenção, vai ficando muito mais irritada e pode ter também sintomas no corpo”, acrescenta Kalil. Outro alerta é que, segundo ele, pesquisas recentes deixam cada vez mais claras as relações entre a depressão e outras doenças. “Ela passa a ter interferência em várias alterações hormonais, o que facilita casos de hipertensão e obesidade. É como se o cérebro estivesse em uma situação inflamatória”, explica.
Se o diagnóstico precoce é ponto a favor do paciente, de acordo com Alexandre Aguiar sinais e sintomas devem ser observados, como a duração e a frequência da mudança de comportamento. “Há um tempo mínimo de duas semanas necessário para o diagnóstico. Quanto mais precoce, melhor para administrar o tratamento, tanto no aspecto medicamentoso ou mudanças de hábitos de vida e na terapia”.
Dez por cento de brasileiros têm a doença
Pesquisa realizada com 12 mil brasileiros pela National Health and Wellness indica que aproximadamente 10% do país apresenta algum sintoma de depressão. Deste total, 28,1% receberam diagnóstico para a síndrome e 15,6% utilizam medicamentos para controlar o quadro. O aumento no número de depressivos, de acordo com Alexandre Aguiar, pode ser relacionado ao crescimento do estresse.
“É uma espécie de adaptação a determinados contextos de trabalho ou social. Às vezes, há uma sobrecarga de trabalho, competitividade. São situações que afetam algumas pessoas. Essas condições ambientais podem evoluir para casos depressivos mais graves”, explica o psiquiatra. Além da detecção precoce da doença, os desafios da comunidade terapêutica incluem vencer o preconceito que ainda existe. Por incrível que pareça, mesmo que já tenha avançado bastante, o universo da psiquiatria ainda precisa superar uma imagem do passado, quando os tratamentos eram realizados dentro de manicômios. Como Alexandre Aguiar ressalta, é um conceito malformado. “Isso já melhorou muito, mas ainda há uma certa resistência ao procurar o psiquiatra”, constata.
Três perguntas para...
Julia Barboza, psicóloga e doutoranda em psicologia pela Universidade Federal Fluminense
1- Quais são os desafios no tratamento de quadros de depressão que não têm a tristeza como principal sintoma?
Em primeiro lugar, acredito em um diagnóstico diferencial, que dê conta de detectar outros sinais que indicam um quadro depressivo, como, por exemplo, sintomas no corpo. Em alguns casos, a pessoa deprimida pode sentir muita dor física, agitação, mudanças de humor, irritabilidade, dificuldades para dormir, transtornos de alimentação, diminuição da energia sexual, etc. O efetivo diagnóstico da depressão pode se tornar um processo mais demorado nos casos em que a tristeza não é um sentimento claramente manifesto. Além de não entender bem o que está se passando, a pessoa pode percorrer um longo caminho consultando especialistas até chegar à causa, situação que muitas vezes pode gerar sofrimento. Isso porque durante esse lapso de tempo se abre um signo de interrogação sobre o que está acontecendo. E essa pergunta ativa inevitavelmente aquele medo atávico do ser humano de doenças graves, de morrer, etc.
2- O modo de vida da sociedade contemporânea pode ser associado, de alguma maneira, ao aumento no número de casos de depressão
A depressão sempre existiu, mas acredito que, na atualidade, houve um aumento dos índices de casos inclusive por conta das rápidas mudanças no estilo de vida das pessoas. Elas estão submetidas a jornadas de trabalho excessivas, onde o tempo de lazer se converteu em um tempo regulado, demarcado e que também implica consumo. Os momentos de ócio contemplativo são cada vez menos presentes na vida e ficam cada vez mais associados à capacidade de consumir, como, por exemplo, as pessoas que saem de férias e voltam endividadas. É importante perceber que em tempo de mudanças há novas formas de se vincular, como pela internet, que são igualmente válidas e não significam necessariamente que a pessoa está isolada do mundo. Pelo contrário, ela pode estar reinventando novas maneiras de se relacionar.
3- Mesmo que cada caso tenha suas particularidades, de maneira geral, o que define o sucesso de um tratamento para depressão?
O sucesso do tratamento está relacionado, em primeiro lugar, com o cumprimento do tratamento medicamentoso. O que muitas vezes ocorre é que, ao perceber os primeiros sinais de melhora, a pessoa abandona o tratamento. Essa atitude implica grande risco. Outro fator fundamental é o acompanhamento com psicólogo. Embora o medicamento promova um bem-estar físico e uma melhora considerável nos quadros de depressão, ele sozinho não resolve. Como a depressão afeta todos os âmbitos da vida de uma pessoa, o espaço de diálogo com o psicólogo contribui para a acolhida e a compreensão desse processo de mudanças e, consequentemente, para a cura da depressão. E nos casos em que não há tristeza, acolher esse corpo que chora. Os vínculos familiares também podem ser afetados por isso, acredito que o trabalho com a família às vezes é necessário. Outras abordagens, como trabalhar com o corpo e em grupo, são muito eficazes. Em geral, essa é uma segunda etapa e fica à livre escolha da pessoa. Recomendo, pois os resultados são fantásticos.