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Antirretrovirais aumentam a longevidade, mas efeitos a longo prazo ainda são desconhecidos

Os antirretrovirais aumentaram a longevidade de quem tem Aids, mas, além de degenerativos, ainda podem surpreender médicos e pacientes. Ninguém sabe quais efeitos provocarão em soropositivos quando consumidos por mais de 30 anos

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Bruna Sensêve - Correio Braziliense Publicação:29/12/2013 13:00Atualização:07/01/2014 08:40
“O meu tesão agora é risco de vida, meu sex and drugs não tem nenhum rock’n’roll”, escreveu Cazuza em Ideologia, música lançada em 1988, dois anos antes de o cantor não resistir às complicações decorrentes da doença desenvolvida a partir da temida infecção pelo HIV. A mutante Rita Lee escolheu chamar o micro-organismo de vírus do amor, no título da canção de 1985. “Dentro da gente, beira o caos”, descreveu a roqueira. A poesia em torno da doença tenta definir a angústia e as limitações que a infecção traz para a vida do soropositivo não só no fim da década de 1980 — quando o tratamento era quase inexistente —, mas ainda hoje. Os avanços tecnológicos e científicos foram capazes de aumentar a qualidade de vida da pessoa infectada e tornar a doença fatal próxima de uma condição crônica controlável. Mesmo assim, os dramas sociais e as dúvidas permanecem.

A professora aposentada Mara Moreira, 37 anos, tem o vírus há 19. A infecção aconteceu com o primeiro parceiro sexual dela, o marido. Aos 18, ela se casou “na igreja, virgem e evangélica”. “Achei que a Aids estava bem longe da minha realidade”, completa. Todos os exames pré-nupciais foram feitos, mas, como ela mesma diz, “por puro preconceito e ignorância médica”, menos o anti-HIV. Três meses após o casamento, o esposo adoeceu com uma pneumonia insistente. Depois da hospitalização, veio o diagnóstico da infecção viral.

“Eu não o culpo porque ele não sabia que estava infectado. Várias pessoas não usam camisinha e acham que a outra pessoa é a culpada. Cada um é responsável por si. Ele tinha que ter solicitado o preservativo, e eu também”, diz. Hoje, o Ministério da Saúde estima que existam pelo menos 150 mil pessoas no Brasil que não sabem estar infectadas pelo vírus. Em 7 de abril de 1996, Mara ficou viúva. Casou-se novamente com parceiro sorodiscordante. O preconceito sofrido por ambos durante a relação, que dura sete anos entre idas e vindas, é rasgado: ele foi demitido duas vezes após a condição da mulher ter se tornado pública.

Danos imprevisíveis

Entre os efeitos colaterais adquiridos com as duas décadas de tratamento, Mara relata uma alta taxa de triglicerídeos, a lipodistrofia e a impossibilidade de ter filhos. “A minha taxa de células imunes CD4 está baixa e minha carga viral, muito alta. Para começar uma gestação, precisa ser o inverso, não pode ter nenhuma DST e tem que usar a medicação que eu já não posso usar.” Ao longo dos anos, ela trocou de tratamento algumas vezes. Quando utilizada a terapia, o organismo pode desenvolver resistência à droga antirretroviral, que não pode ser novamente ministrada.

Mara acredita que as pessoas precisam saber que se trata de uma doença crônica e degenerativa. “A Aids degenera seu sistema imunológico e até o tecido neuroconectivo. Leva a sua memória e traz o envelhecimento precoce”, relata. É possível que os efeitos colaterais vividos pela professora aposentada ainda possam surpreender a comunidade médica. Somente agora, extensas pesquisas puderam acompanhar pacientes que utilizam a medicação por mais de duas décadas. Não se sabe, por exemplo, qual o resultado do uso contínuo por 30 anos ou mais, já que ela começou a ser prescrita em 1987. “O desenho que fazem da epidemia com remédio gratuito, acesso a exames e médicos não é real. A Aids não é cor-de-rosa. As pessoas comparam com o diabetes, mas não é nada disso”, diz a professora.

O conceito de grupo de risco já não existe. Não se pode dizer que a infecção se concentra em um perfil social específico. Pelo contrário, hoje a Aids acomete indivíduos com características majoritárias na população, como Mara. Um levantamento divulgado neste ano pelo Instituto de Infectologia Emílio Ribas, da Secretaria de Saúde de São Paulo, revelou que 68% dos pacientes com HIV e Aids que se tratam no hospital são heterossexuais, sendo 25% mulheres. A maioria tem entre 30 e 40 anos.

Mais pobres
Para o ativista e coordenador do Grupo pela VIDDA do Rio de Janeiro (GPV-RJ), Márcio Villard, o perfil das pessoas atualmente infectadas se difere em alguns aspectos dos soropositivos dos anos 1990. O grupo foi fundado em 24 de maio de 1989 e é o primeiro do Brasil formado por pessoas com HIV e Aids, amigos e familiares. Naquela época, a doença atingiu pessoas de poder aquisitivo maior. “No momento, começa a acometer mais as pessoas de classes menos favorecidas e de nível de escolaridade baixo. Elas começam a sentir o impacto de uma epidemia que não tem mais fronteiras.”

Villard também identifica um crescente grupo de jovens soropositivos. “Se estamos falando de informação, como os mais jovens são mais infectados? Eles têm mais acesso à internet, estão estudando.” A raiz do problema, segundo ele, pode estar nos mitos e na banalização em torno da doença. “Para os jovens, a Aids ainda está ligada a segmentos. É a falta de uma cultura de prevenção.” Segundo o ativista, pesquisas do Ministério da Saúde mostram que, entre os mais jovens, o uso da camisinha no início da relação atinge até 60%. A partir de um certo envolvimento emocional, esse índice cai drasticamente. “Sou da filosofia de que, por mais que o casal converse, aborde e tenha total segurança um no outro, hoje é preciso bancar um receio, uma dúvida.”

Consequência estética
Trata-se de uma anormal distribuição de gordura corporal. Pode ocorrer aumento de gordura na região do abdômen, entre os ombros, em volta do pescoço ou no tórax. Também é registrada perda de gordura da pele, mais aparente nos braços, nas pernas, nas nádegas e no rosto, resultando em enfraquecimento da face, no atrofiamento das nádegas e em veias aparentes nas pernas e nos braços. Somente esse tipo específico de perda de gordura está diretamente relacionado ao HIV.

Falsa segurança
Seis a cada 10 brasileiras podem ter o contato com o HIV exclusivamente por meio de um parceiro estável, descreve pesquisa da Fundação Perseu Abramo e do Sesc, publicada, neste ano, no livro Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado. Pouco mais de 90% delas iniciaram a vida sexual a partir de 15 anos, e, em geral, se caracterizam como parceiras afetivas estáveis. Porém, na última relação sexual, o uso do preservativo foi de 28%. O perfil das mulheres que não usam a camisinha é de 45 anos ou mais (82%), com escolaridade até o ensino fundamental (81%), renda familiar de até um salário (80%), casadas (86%) e com filhos (79%). Um percentual gritante teve a última relação com parceiro estável (78%) e usou outro método contraceptivo (64%).

O estudo entrevistou 2.365 mulheres e 1.181 homens maiores de 15 anos, de áreas urbanas e rurais de 25 unidades da Federação. Segundo Dulce Ferraz, analista de gestão em saúde da Fiocruz Brasília e pesquisadora do Núcleo de Estudos para a Prevenção da Aids, desde os primeiros estudos, é observada a associação entre a pessoa infectada e a relação estável. Ela reforça que nunca houve evidência de que as infectadas tinham vários parceiros. “Tanto os homens quanto as mulheres sempre mostraram que o menor uso da camisinha acontece nas relações estáveis. Há um percentual maior de uso se a relação for casual.”

A maioria dos casos de mulheres infectadas com o HIV no Brasil (87,9%, em 2011), de acordo com o Ministério da Saúde, acontece por meio de relações heterossexuais, sendo a idade de maior vulnerabilidade dos 13 aos 19 anos. Somente nessa faixa etária, o número de infecção no sexo feminino é maior que entre o sexo masculino. Para Ferraz, a vulnerabilidade está entremeada com fatores de ordem social e cultural. A pesquisa mostra que quatro a cada 10 mulheres viveram uma situação de violência e, em 93% das vezes, o agressor era o parceiro afetivo. “As mulheres que sofreram humilhação ou violência psicológica têm dificuldade em negociar o uso da camisinha.” Outra questão que surpreende é que, apesar de a maioria das mulheres associar o sexo ao prazer, 11% veem como um dever. “Elas fazem sexo obrigadas, inclusive nas relações estáveis. É uma limitação da autonomia.” (BS)

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