Tratamento contra o HIV é mais eficiente quando o uso de remédios começa cedo
O tratamento contra o HIV tem ação limitada no corpo. Uma das opções para combatê-lo com mais eficiência é iniciar o uso de remédios o quanto antes. A medida, pouco aplicada no mundo, entrou no SUS neste ano
Bruna Sensêve - Correio Braziliense
Publicação:30/12/2013 13:00Atualização: 30/12/2013 13:56
Há 26 medicamentos antirretrovirais licenciados no mundo para o tratamento da infecção pelo HIV. O surgimento da terapia combinada com esses remédios, no fim da década de 1990, levou a reduções imediatas na mortalidade, que foram seguidas de uma série de medidas que ampliaram o acesso ao tratamento, como a disponibilidade de genéricos e o aumento da ajuda financeira internacional. Hoje, o Brasil ganha posição de destaque ao ser o primeiro país em desenvolvimento a fornecer tratamento público e gratuito a qualquer cidadão diagnosticado com infecção pelo vírus. O início imediato do uso de antirretrovirais é a principal forma de combate ao mal em pessoas que já têm o HIV instalado no organismo.
Segundo o diretor do Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita, na maioria dos países, a fim de que o tratamento com a terapia antirretroviral altamente ativa (Haart, em inglês) seja iniciado, é preciso obedecer a um critério sobre a resposta imunológica do paciente. Para isso, é feito um teste de contagem de linfócitos T CD4 — células do sistema de defesa alvo do HIV. “Elas são uma espécie de general do exército de defesa. Com o ataque do vírus, é como se todos os glóbulos brancos estivessem preparados para a batalha, mas o general foi morto”, explica Mesquita. Por isso, o mecanismo de defesa do organismo não funciona. O antirretroviral recupera as células T CD4, impedindo que o paciente desenvolva infecções oportunistas, seja hospitalizado, entre outros agravos.
“Até então, só eram inclusos no tratamento público gratuito pacientes com a contagem de CD4 em 500 células/mm³ de sangue. A partir de agora, podemos incluir no tratamento todo mundo que é HIV positivo, independentemente do nível de CD4 ou de ter desenvolvido a Aids”, resume Mesquita. Isso porque foi provado que o medicamento também mata o vírus circulante, diminuindo a carga viral do paciente e, principalmente, de fluidos corporais como esperma, secreção vaginal e sangue que transmitem o HIV. Com isso, além de o tratamento ser altamente efetivo, pois derruba a carga a níveis indetectáveis se realizado já no começo da infecção, reduz substancialmente o poder de transmissão do soropositivo.
A carga viral se torna indetectável, mas não quer dizer que o tratamento possa ser interrompido ou que o paciente esteja curado da infecção. Os medicamentos atuam no sangue, que pode ser chamado de seção periférica do organismo. “O HIV também está no compartimento que didaticamente podemos chamar de central, localizado basicamente no tecido linfoide”, explica Artur Timmerman, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein. Os dois compartimentos estão associados e um dos maiores reservatórios de HIV do organismo está no tecido linfoide do trato gastrointestinal, onde a combinação de antirretrovirais não atua.
“O coquetel age basicamente onde o vírus está se replicando ativamente. Nessa parte central, eles estão em estado latente. Não quer dizer que estão absolutamente sem se replicar, mas que fazem isso a uma velocidade muito menor do que o vírus periférico.” Se o tratamento for interrompido numa situação em que, por exemplo, a carga viral está indetectável, as células em replicação latente são jogadas na corrente sanguínea, o processo é acelerado e a infecção volta com mais força. “Vira uma bola de neve. Ao fazer o exame uma semana depois, já existem muitas partículas virais no sangue, mostrando que não houve interferência do coquetel sobre esse compartimento central.”
Segundo Timmerman, alguns trabalhos mostram que, se os antirretrovirais forem usados durante 50 anos, é possível que os reservatórios se esgotem e os pacientes fiquem curados. “Mas tomar um remédio desses por 50 anos com risco de efeitos colaterais sérios é complicado demais. Então, começaram a estudar a possibilidade de extirpar esse reservatório”, diz.
Bebê curado
Cientistas do Hospital Universitário Johns Hopkins (EUA) conseguiram, no primeiro semestre deste ano, curar funcionalmente um bebê infectado pelo HIV. O feito único, porém, dependeu de circunstâncias extremamente particulares, como o diagnóstico da infecção em menos de 24 horas após o nascimento da criança e o início do tratamento nas seis horas seguintes. Especialistas na área supõem que a intervenção imediata com antirretrovirais não permitiu que o vírus formasse reservatórios latentes.
Atendimento caótico
“Quanto mais pessoas conseguirem ter o diagnóstico, o acesso ao teste e ao tratamento, maior será o impacto na transmissibilidade do HIV, já que hoje há uma convergência entre o tratamento e a prevenção. Existe um avanço constante da terapia com medicamentos cada vez mais potentes e com menos efeitos adversos. Essa evolução dá mais qualidade de vida para quem segue corretamente o tratamento, mas é ainda um avanço internacional. No Brasil, temos problemas que nos impedem de nos beneficiarmos dessas novas possibilidades. O SUS está sobrecarregado, com a qualidade e a capacidade de atendimento diminuídas. A política de tratamento para todas as pessoas diagnosticadas nos coloca de frente com uma rede caótica, que precisa urgentemente de uma política de readequação. Mesmo com o diagnóstico, a primeira consulta só acontece muito tempo depois. Isso é um grave sintoma desse problema.”
Mário Scheffer,
professor do Departamento de Medicina Preventiva da USP
Há 26 medicamentos antirretrovirais licenciados no mundo para o tratamento da infecção pelo HIV
Segundo o diretor do Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Fábio Mesquita, na maioria dos países, a fim de que o tratamento com a terapia antirretroviral altamente ativa (Haart, em inglês) seja iniciado, é preciso obedecer a um critério sobre a resposta imunológica do paciente. Para isso, é feito um teste de contagem de linfócitos T CD4 — células do sistema de defesa alvo do HIV. “Elas são uma espécie de general do exército de defesa. Com o ataque do vírus, é como se todos os glóbulos brancos estivessem preparados para a batalha, mas o general foi morto”, explica Mesquita. Por isso, o mecanismo de defesa do organismo não funciona. O antirretroviral recupera as células T CD4, impedindo que o paciente desenvolva infecções oportunistas, seja hospitalizado, entre outros agravos.
“Até então, só eram inclusos no tratamento público gratuito pacientes com a contagem de CD4 em 500 células/mm³ de sangue. A partir de agora, podemos incluir no tratamento todo mundo que é HIV positivo, independentemente do nível de CD4 ou de ter desenvolvido a Aids”, resume Mesquita. Isso porque foi provado que o medicamento também mata o vírus circulante, diminuindo a carga viral do paciente e, principalmente, de fluidos corporais como esperma, secreção vaginal e sangue que transmitem o HIV. Com isso, além de o tratamento ser altamente efetivo, pois derruba a carga a níveis indetectáveis se realizado já no começo da infecção, reduz substancialmente o poder de transmissão do soropositivo.
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A carga viral se torna indetectável, mas não quer dizer que o tratamento possa ser interrompido ou que o paciente esteja curado da infecção. Os medicamentos atuam no sangue, que pode ser chamado de seção periférica do organismo. “O HIV também está no compartimento que didaticamente podemos chamar de central, localizado basicamente no tecido linfoide”, explica Artur Timmerman, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein. Os dois compartimentos estão associados e um dos maiores reservatórios de HIV do organismo está no tecido linfoide do trato gastrointestinal, onde a combinação de antirretrovirais não atua.
“O coquetel age basicamente onde o vírus está se replicando ativamente. Nessa parte central, eles estão em estado latente. Não quer dizer que estão absolutamente sem se replicar, mas que fazem isso a uma velocidade muito menor do que o vírus periférico.” Se o tratamento for interrompido numa situação em que, por exemplo, a carga viral está indetectável, as células em replicação latente são jogadas na corrente sanguínea, o processo é acelerado e a infecção volta com mais força. “Vira uma bola de neve. Ao fazer o exame uma semana depois, já existem muitas partículas virais no sangue, mostrando que não houve interferência do coquetel sobre esse compartimento central.”
Segundo Timmerman, alguns trabalhos mostram que, se os antirretrovirais forem usados durante 50 anos, é possível que os reservatórios se esgotem e os pacientes fiquem curados. “Mas tomar um remédio desses por 50 anos com risco de efeitos colaterais sérios é complicado demais. Então, começaram a estudar a possibilidade de extirpar esse reservatório”, diz.
Bebê curado
Cientistas do Hospital Universitário Johns Hopkins (EUA) conseguiram, no primeiro semestre deste ano, curar funcionalmente um bebê infectado pelo HIV. O feito único, porém, dependeu de circunstâncias extremamente particulares, como o diagnóstico da infecção em menos de 24 horas após o nascimento da criança e o início do tratamento nas seis horas seguintes. Especialistas na área supõem que a intervenção imediata com antirretrovirais não permitiu que o vírus formasse reservatórios latentes.
Atendimento caótico
“Quanto mais pessoas conseguirem ter o diagnóstico, o acesso ao teste e ao tratamento, maior será o impacto na transmissibilidade do HIV, já que hoje há uma convergência entre o tratamento e a prevenção. Existe um avanço constante da terapia com medicamentos cada vez mais potentes e com menos efeitos adversos. Essa evolução dá mais qualidade de vida para quem segue corretamente o tratamento, mas é ainda um avanço internacional. No Brasil, temos problemas que nos impedem de nos beneficiarmos dessas novas possibilidades. O SUS está sobrecarregado, com a qualidade e a capacidade de atendimento diminuídas. A política de tratamento para todas as pessoas diagnosticadas nos coloca de frente com uma rede caótica, que precisa urgentemente de uma política de readequação. Mesmo com o diagnóstico, a primeira consulta só acontece muito tempo depois. Isso é um grave sintoma desse problema.”
Mário Scheffer,
professor do Departamento de Medicina Preventiva da USP