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Família de plástico: fotógrafa questiona 'obrigação' de mulher casar e ter filhos

Com ajuda de manequins, protesto de americana se tornou viral na web

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Juliana Contaifer - Especial para a Revista do Correio Publicação:10/04/2014 15:00Atualização:10/04/2014 15:17
Não é fácil ter mais de 30 anos. Se está solteiro, a pressão é por arranjar um companheiro e se casar. Já casou? Onde estão os filhos? Já tem filhos? E a sua carreira? Quando vai abrir o próprio negócio? Quando vai ser promovido a um cargo melhor? A sociedade atual continua engessada por tradições e valores antigos e a forma para o sucesso é uma só. A pressão para se encaixar vem de todos os lados, e não só da família.

Autora do projeto ouviu da mãe que não existe ninguém perfeito e que ela só precisava escolher alguém para se casar (Suzanne Heintz)
Autora do projeto ouviu da mãe que não existe ninguém perfeito e que ela só precisava escolher alguém para se casar
A fotógrafa americana Suzanne Heintz sofre com essa coação todos os dias. Solteira e criada na religião mórmon, que dá bastante importância à família, Suzanne escutou da mãe que não existe ninguém perfeito e que ela só precisava escolher alguém para se casar. Em resposta, ela argumentou que maridos e filhos não são coisas — não dá para ir ao mercado e sair com eles embaixo do braço. Ou dá?

Foi assim que começou o projeto Playing house, em português, Brincando de casinha. A fotógrafa retrata cenas de um álbum de família com dois manequins — um faz as vezes de marido e o outro, de filha. O figurino remete aos anos 1950, época em que o ideal de família nuclear perpassava a estética publicitária. É também uma provocação, para que o espectador perceba que, até hoje, a sociedade continua baseada nas mesmas tradições.

“Parece que atingi um nervo sensível quando pergunto: ‘O que na nossa cultura nos faz achar que não importa o que façamos com a nossa vida, é sempre insuficiente?’. Tenho recebido feedback do mundo inteiro, acredito que todas as pessoas estão sujeitas às mesmas pressões, mas ninguém fala nada a respeito”, afirma Suzanne. O cenário das fotografias era, a princípio, a própria casa da fotógrafa. Mas ela logo percebeu que chamava ainda mais atenção para o trabalho ao fotografar em público — a família de plástico, inclusive, embarcou para Paris para uma sessão de fotos.

Fotógrafa retrata cenas de um álbum de família com dois manequins (Suzanne Heintz)
Fotógrafa retrata cenas de um álbum de família com dois manequins
Além de chamar a atenção com os bonecos, a fotógrafa lança mão de humor. A ironia é uma das partes mais importantes de seu trabalho. “Uso a sátira por acreditar que é ela é essencial para a aceitação do que parece ser um remédio amargo, a crítica social. Eu sei que pareço uma boba tirando fotos com minha família falsa, mas o que estou fazendo é usar o humor como uma ferramenta. Estou tentando fazer as pessoas falarem”, conta. Desse modo, Suzanne consegue fazer o espectador rir e se interessar pelo assunto. “Alguns ficam curiosos o suficiente para discutir comigo se a vida tem que ser um tipo de fôrma, em que todos têm que se encaixar. Quero desafiá-los.”

Suzanne, que se relaciona com um companheiro, afirma ter uma família, apenas não com filhos. Nunca se casou por não acreditar que seja uma escolha certa para ela, mas carrega consigo o amor e o apreço pelos familiares que escolheu ter: os amigos. Para ela, é o suficiente. “Conforme amadureci, descobri que eu não tinha que fazer o que todo mundo estava fazendo só porque isso é o que se espera de mim. Nós precisamos aceitar nossas vidas pelo que elas são — e pelo que elas nos tornou — e parar de tentar atingir uma imagem de sucesso definido pelas tradições e pelas expectativas dos outros”, defende.
Projeto é uma provocação, para que o espectador perceba que, até hoje, a sociedade continua baseada nas mesmas tradições (Suzanne Heintz)
Projeto é uma provocação, para que o espectador perceba que, até hoje, a sociedade continua baseada nas mesmas tradições

A verdade é que as mulheres vivem um tempo estranho na história. Nunca foram tão independentes, seguras e cheias de oportunidades. Mas, ao mesmo tempo, ainda se angustiam com a expectativa alheia. “Para as mulheres, não basta satisfazer apenas um quesito. É preciso estar em dia com educação, carreira, casa, família, realizações e o conhecimento. Se alguma dessas coisas é deixada de lado, as pessoas acham que tem algo de errado com a sua vida. De alguma forma, não é suficiente ser quem somos”, explica a fotógrafa.

Para a argentina Paula Schargorodsky, “a liberdade feminina tem data de validade”. Seu curta-metragem 35 e solteira fez sucesso na internet ao afirmar que, sim, ela estava sozinha, mas a condição não a define. Segundo ela, a sociedade aceita que a mulher viaje, estude, se divirta e faça tudo o que quer — mas apenas antes dos 30 anos. Ao atingir essa marca, a família e os amigos já começam a se preocupar que ela passe “o resto da vida só” ou fracasse profissionalmente.

No filme, a assistente de direção conta que todas suas amigas se casaram, tiveram filhos, e ela permaneceu como testemunha de todas elas, sem nunca ter subido ao altar. Em dois anos, compareceu a 18 cerimônias de casamento. A condição de solteira não foi falta de oportunidade — Paula teve vários namorados, casos de uma noite e amores que pareciam ser eternos. Mas ao encontrar o namorado aparentemente perfeito, percebeu que não estava sendo verdadeira consigo mesma e não se via como uma noiva. O rompimento era inevitável.

O projeto 'Playing house' ainda não está completo (Suzanne Heintz)
O projeto 'Playing house' ainda não está completo
Finalmente, Paula aceitou que, para ela, a liberdade era maior do que qualquer coisa. “Não quero aqueles relacionamentos impossíveis e intensos dos meus 20 anos nem quero um marido perfeito atrás de uma cerca branca. E, definitivamente, não planejo passar o resto da minha vida sozinha. Percebi que tudo o que eu estava procurando estava bem mais perto do que eu pensava. Acompanhada ou sozinha, quando você ama e se aceita completamente, o mundo ao seu redor muda. No fim das contas, felicidade é uma escolha”, afirma no curta.

O projeto continua

Suzanne Heintz conta que o projeto Playing house ainda não está completo. O próximo passo é um livro e um documentário. Em junho, vai fotografar o próprio casamento com seu manequim como uma crítica à obrigatoriedade do casamento. Em seguida, o foco é no manequim infantil. A ideia é fotografá-lo na escola e entrevistar os colegas de sala para entender o que eles esperam de seus próprios futuros. Todas as imagens estão disponíveis no site de Suzanne: suzanneheintz.com.

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