Mortalidade materna cai menos no Brasil que na média mundial
Segundo a OMS, a queda de 43% entre 1990 e 2013 fica abaixo da média mundial: de 45%. Especialistas avaliam que, apesar da retração, temas como aborto e assistência às mulheres em idade fértil precisam de maior cuidado
Bruna Sensêve - Correio Braziliense
Publicação:08/05/2014 11:00Atualização: 08/05/2014 11:21
A meta da ONU é ambiciosa, mas não impossível. Prova disso são os 11 países que tinham os maiores níveis de mortalidade materna em 1990 e, neste novo relatório, atingiram o objetivo final. São eles: Butão, Camboja, Cabo Verde, Guiné Equatorial, Eritreia, República Democrática de Laos, Maldivas, Nepal, Romênia, Ruanda e Timor-Leste. Os especialistas da OMS acreditam que, assim como o Brasil, a maioria dos países não vai alcançar a meta de redução, ainda que ela tenha acelerado na última década. De 2000 a 2013, houve uma queda anual média de 3,5%, em comparação com 1,4% entre 1990 e 2000. Uma redução média de 5,5% ou mais a cada ano, desde 1990, seria necessária para atingir a meta dentro do prazo. Índia e Nigéria concentram um terço dos óbitos mundiais, somando, em 2013, 90 mil mortes maternas.
Segundo a presidente da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia da Bahia e membro da Comissão de Mortalidade Materna da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Ana Luiza Fontes, apesar de todos os esforços e programas institucionais que buscam ajudar a saúde da gestante, ainda há muito para caminhar. “Nós não vamos conseguir bater a meta do milênio de chegar a um indicador de 35 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos. Temos mais que o dobro disso.”
Para Fontes, seria possível ter dados muito mais baixos se houvesse um maior cuidado com as mulheres em idade fértil: prepará-las para a gravidez e, quando gestantes, fazer uma melhor triagem daquelas que precisam de cuidados específicos ou sofrem algum tipo de risco. “O aborto ainda é a quarta causa de mortalidade materna no país. São dados estarrecedores. Para ter uma ideia, acreditamos que mais de 90% das mortes maternas relacionadas à gravidez poderiam ser evitadas.” Segundo o relatório da OMS, apesar dos avanços nos últimos 20 anos, houve muito pouco progresso na prevenção da gravidez, dos abortos, das mortes maternas e das infecções sexualmente transmissíveis.
O documento também chama a atenção para o fato de as adolescentes enfrentarem um maior risco de complicações e morte como resultado de gestações complicadas. Vice-diretora executiva do Fundo Populacional das Nações Unidas (UNFPA), Kate Gilmore destacou, em comunicado à imprensa, que mais de 15 milhões de meninas com idade entre 15 a 19 anos dão à luz todos os anos — uma em cada cinco antes de completar 18 anos. Muitas dessas gestações, inclusive, resultam de sexo não consensual. “Intervenções relativamente simples e bem conhecidas, como os serviços de obstetrícia e de prevenção da violência com base no gênero e resposta, podem fazer uma enorme diferença se ampliadas e conciliadas com investimentos em inovações, especialmente na área de contraceptivos.”
Complicadores
Dados relativos a outro relatório da OMS, também publicado na tarde de ontem na Lancet Global Health, acrescentam uma informação importante ao levantamento: as principais razões da mortalidade materna. A maioria das mulheres perdem a vida em consequência de complicações durante e após a gravidez e o parto, mas o trabalho afirma que um em cada quatro óbitos é causado por condições médicas preexistentes, como o diabetes, a infecção pelo HIV, a obesidade, entre outros fatores que tendem a se agravar com a gravidez. A proporção é similar à encontrada para a hemorragia grave, um dos principais motivos da morte de gestantes no Brasil.
Segundo o chefe do Serviço de Obstetrícia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Breno José Acauan, a hemorragia mata principalmente aquelas que sofreram um aumento da pressão sanguínea durante a gravidez, condição conhecida como pré-eclâmpsia. “Para prevenir essas situações, é preciso ter um suporte hospitalar e assistencial adequado. Nesses 20 anos, isso melhorou, inclusive o fato de o pré-natal estar mais acessível, porém ainda sem a qualidade necessária”, avalia. De acordo com Acauan, a maior dificuldade é percebida já nos profissionais de atendimento, muitos não têm preparo para responder às necessidade básicas de um pré-natal. “É preciso detectar se há uma gestação de alto risco ou não. Se ela já tem condições que podem ser agravadas quando gestante. São mortes potencialmente evitáveis.”
Pressão perigosa
A hipertensão arterial específica da gravidez recebe o nome de pré-eclâmpsia e, em geral, se instala a partir da 20ª semana de gestação. O problema pode evoluir para a eclâmpsia, uma forma grave da doença que põe em risco a vida da mãe e a do feto. As causas dessas enfermidades ainda não são bem estabelecidas pela ciência. O que se sabe é que estão associadas à hipertensão arterial, que pode ser crônica ou específica da gravidez.
Subnotificação é obstáculo
Segundo o relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), um grande desafio para enfrentar a mortalidade materna é a falta de dados precisos. Embora o conhecimento sobre o número de mulheres que morrem e as razões por trás do problema estejam melhorando, ainda há muitos casos não registrados e não declarados. As falhas na contagem e na análise são mais comuns em países de baixa renda, em que muitas mulheres morrem em casa. A estimativa é de que apenas um terço de todas as mortes no mundo é registrado e menos de 100 países registram a causa do óbito conforme a Classificação Internacional de Doenças da OMS. A questão interfere, entre outras áreas, na alocação de recursos do governo para programas de saúde da mulher.
Saiba mais...
Um estímulo para as mamães. Segundo relatório divulgado ontem pela Organização Mundial da Saúde (OMS), de 1990 a 2013, a mortalidade materna diminuiu 45% globalmente. Se 523 mil mulheres morreram em 1990 devido a complicações no parto e na gestação, o número despencou, em 2013, para 289 mil. No entanto, ainda é alto. São 33 mortes maternas a cada hora, aproximadamente 800 por dia. O Brasil acompanha o ritmo, com uma redução de 43%, mas ainda longe da Meta de Desenvolvimento do Milênio (ODM) traçada pela Organização das Nações Unidas (ONU), que busca a diminuição de 75% das taxas. De acordo com a OMS, em 2013, o número de mulheres mortas por complicações na gestação ou no parto no país foi de 69 para cada 100 mil nascidos vivos.- Projeto nacional elabora estratégias para reduzir mortalidade materna
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Segundo a OMS, 17% das mortes maternas no mundo acontecem na Índia: em 2013, 50 mil mulheres perderam a vida no país asiático
Segundo a presidente da Sociedade de Ginecologia e Obstetrícia da Bahia e membro da Comissão de Mortalidade Materna da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Ana Luiza Fontes, apesar de todos os esforços e programas institucionais que buscam ajudar a saúde da gestante, ainda há muito para caminhar. “Nós não vamos conseguir bater a meta do milênio de chegar a um indicador de 35 óbitos a cada 100 mil nascidos vivos. Temos mais que o dobro disso.”
Para Fontes, seria possível ter dados muito mais baixos se houvesse um maior cuidado com as mulheres em idade fértil: prepará-las para a gravidez e, quando gestantes, fazer uma melhor triagem daquelas que precisam de cuidados específicos ou sofrem algum tipo de risco. “O aborto ainda é a quarta causa de mortalidade materna no país. São dados estarrecedores. Para ter uma ideia, acreditamos que mais de 90% das mortes maternas relacionadas à gravidez poderiam ser evitadas.” Segundo o relatório da OMS, apesar dos avanços nos últimos 20 anos, houve muito pouco progresso na prevenção da gravidez, dos abortos, das mortes maternas e das infecções sexualmente transmissíveis.
Complicadores
Dados relativos a outro relatório da OMS, também publicado na tarde de ontem na Lancet Global Health, acrescentam uma informação importante ao levantamento: as principais razões da mortalidade materna. A maioria das mulheres perdem a vida em consequência de complicações durante e após a gravidez e o parto, mas o trabalho afirma que um em cada quatro óbitos é causado por condições médicas preexistentes, como o diabetes, a infecção pelo HIV, a obesidade, entre outros fatores que tendem a se agravar com a gravidez. A proporção é similar à encontrada para a hemorragia grave, um dos principais motivos da morte de gestantes no Brasil.
Segundo o chefe do Serviço de Obstetrícia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Breno José Acauan, a hemorragia mata principalmente aquelas que sofreram um aumento da pressão sanguínea durante a gravidez, condição conhecida como pré-eclâmpsia. “Para prevenir essas situações, é preciso ter um suporte hospitalar e assistencial adequado. Nesses 20 anos, isso melhorou, inclusive o fato de o pré-natal estar mais acessível, porém ainda sem a qualidade necessária”, avalia. De acordo com Acauan, a maior dificuldade é percebida já nos profissionais de atendimento, muitos não têm preparo para responder às necessidade básicas de um pré-natal. “É preciso detectar se há uma gestação de alto risco ou não. Se ela já tem condições que podem ser agravadas quando gestante. São mortes potencialmente evitáveis.”
Pressão perigosa
A hipertensão arterial específica da gravidez recebe o nome de pré-eclâmpsia e, em geral, se instala a partir da 20ª semana de gestação. O problema pode evoluir para a eclâmpsia, uma forma grave da doença que põe em risco a vida da mãe e a do feto. As causas dessas enfermidades ainda não são bem estabelecidas pela ciência. O que se sabe é que estão associadas à hipertensão arterial, que pode ser crônica ou específica da gravidez.
Subnotificação é obstáculo
Segundo o relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), um grande desafio para enfrentar a mortalidade materna é a falta de dados precisos. Embora o conhecimento sobre o número de mulheres que morrem e as razões por trás do problema estejam melhorando, ainda há muitos casos não registrados e não declarados. As falhas na contagem e na análise são mais comuns em países de baixa renda, em que muitas mulheres morrem em casa. A estimativa é de que apenas um terço de todas as mortes no mundo é registrado e menos de 100 países registram a causa do óbito conforme a Classificação Internacional de Doenças da OMS. A questão interfere, entre outras áreas, na alocação de recursos do governo para programas de saúde da mulher.