Suicídio, abuso de drogas e prisões por atos violentos crescem mais em pacientes esquizofrênicos
De acordo com o principal autor do estudo, o psiquiatra Seena Fazel, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, isso não significa que a doença mental predisponha a comportamentos violentos
Paloma Oliveto - Correio Brasilienze
Publicação:10/06/2014 16:00Atualização: 10/06/2014 14:51
Nas últimas quatro décadas, a vida ficou pior para pacientes de esquizofrenia. Uma pesquisa realizada na Suécia com 25 mil indivíduos que sofrem do distúrbio mostrou que, comparado ao restante da população, nesse período houve aumento de morte prematura, criminalidade e suicídio entre eles. Também foi verificada maior incidência de abuso de drogas. De acordo com o principal autor do estudo, o psiquiatra Seena Fazel, da Universidade de Oxford, na Inglaterra, isso não significa que a doença mental predisponha a comportamentos violentos. Em um estudo publicado na revista The Lancet Psychiatry, ele alerta que, na verdade, os dados são um indicativo da necessidade de melhorar os tratamentos disponíveis, atacando não só os sintomas da doença, mas também desenvolvendo medidas preventivas e uma rede de proteção.
Desde a década de 1970, a Suécia abastece um banco de dados bastante completo e atualizado sobre doenças mentais. Fazel acredita que nenhum outro país disponha de informações tão detalhadas a respeito dos pacientes, que são acompanhados ao longo de toda a vida. Por isso, a pesquisa foi realizada lá, esclarece. Os gráficos das estatísticas, que cobrem o período de janeiro de 1972 a dezembro de 2009, mostram, ao longo dos anos, uma linha ascendente. Embora tanto em equizofrênicos quanto na população em geral índices de suicídios, criminalidade e mortes prematuras (antes dos 56 anos) tenham aumentado nesse intervalo, as taxas foram maiores entre os primeiros.
Essa é também a primeira pesquisa que compara violência e mortalidade nesses pacientes não só com o restante da população, mas entre irmãos. A inclusão dos parentes ocorreu para ajustar fatores de risco intrafamiliares e genéticos. Sabe-se, por exemplo, que filhos de pais criminosos têm maiores chances de cometer suicídio, por fatores ambientais. Ao mesmo tempo, alguns autores sustentam que certos aspectos da violência poderiam ser herdados no DNA. Os pesquisadores queriam constatar se pessoas criadas sob as mesmas condições – fossem boas ou ruins – e com perfil genético semelhante tinham riscos iguais de se envolver com fatos violentos ou se o distúrbio mental influenciava mais que o histórico familiar e/ou genético.
Seena Fazel reconhece que ainda não sabe dizer por que houve um aumento na incidência de crimes, mortes precoces e autoextermínio de indivíduos com o transtorno. “Mas está muito claro para nós que é preciso desenvolver novos tratamentos e estratégias – incluindo adoção de políticas públicas – que diminuam esses riscos”, afirma. De acordo com ele, no caso do cometimento de crimes, é possível associar a tendência de crescimento das ocorrências ao abuso de substâncias ilícitas. Embora isso esteja ocorrendo de forma geral na sociedade, pesquisas anteriores indicaram que, no caso da esquizofrenia, as drogas parecem estimular o comportamento violento.
Elizabeth Walsh, pesquisadora forense do Instituto de Psiquiatria Crespigny Park, em Londres, conta que já se demonstrou algumas vezes que o abuso de substâncias ilícitas está associado a um incremento da criminalidade e da agressividade. “Comparando pacientes esquizofrênicos que usam e não usam drogas, o cometimento de atos violentos é significativamente maior no primeiro caso. São dois fatores que parecem discriminar, dentro do quadro desse distúrbio mental, o aumento do risco da violência: o abuso de substâncias químicas e os sintomas psicóticos agudos”, diz Elizabeth, autora de um artigo a respeito do tema, publicado no The British Journal of Psychiatry.
Estigma injusto Para a psiquiatra Sheilagh Hodgins, professora do Departamento de Ciência Mental Forense do King’s College, de Londres, pesquisas como a de Seena Fazel são muito importantes para se conhecer as fragilidades dos pacientes esquizofrênicos e, dessa forma, desenvolver tratamentos que os beneficiem também a sociedade. A especialista, contudo, alerta para o risco de interpretações errôneas, que aumentem ainda mais o estigma contra essas pessoas. “Indivíduos com esquizofrenia são comumente percebidos como imprevisíveis e perigosos, o que pesa imensamente para estigmatizá-los. Consequentemente, quando algumas dessas pessoas cometem crimes, isso é supervalorizado e noticiado”, critica.
Citando estudos realizados na Inglaterra e na Dinamarca, ela reforça que não há diferenças significativas no índice de cometimento de crimes violentos quando se compara a população com ou sem distúrbios mentais. “O que ocorre é que, de fato, o abuso de substâncias ilícitas parece estar diretamente relacionado ao aumento da violência entre pacientes com esquizofrenia. Esse é um aspecto que precisa ser profundamente investigado”, diz. O distúrbio mental em si, contudo, não predispõe a criminalidade, conforme diversas pesquisas têm indicado.
Em um artigo publicado na revista The Lancet Psychiatry, no qual comentam o trabalho de Seena Fazel, Eric Elbogen e Sally Johnson, da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, observam que um dos aspectos mais interessantes do estudo foi o destaque ao risco de suicídio. “A cobertura noticiosa da esquizofrenia e de outros distúrbios psiquiátricos geralmente se foca na violência e no crime. Muito menos atenção se dá ao suicídio e a lesões autoafligidas em pessoas com doenças mentais severas”, escreveram.
Elbogen e Sally destacaram que a maior parte das pessoas com esquizofrenia e distúrbios relacionados não é violenta nem suicida. “Apesar da necessidade de garantir aos pacientes a ajuda necessária para reduzir seus riscos de suicídio, violência ou morte prematura, pesquisas que relatam (esses problemas) também precisam ficar atentas para que os pacientes não sejam afetados ainda mais com estigmas e discriminação”, salientaram.
Apreensão no Brasil
“No Brasil, também é preciso fortalecer a rede de proteção voltada a pacientes esquizofrênicos e com outros distúrbios mentais”, afirma Fátima Vasconcelos, vice-presidente da Associação Psiquiátrica do Rio de Janeiro (Aperj). De acordo com ela, a maior preocupação em relação a essas pessoas é o potencial de atentarem contra a própria vida. “Nos esquizofrêniocos, o risco de suicídio é de 10%, sendo maior nos primeiros anos da doença, quando é de 15%”, diz. O índice é 30 vezes maior que na população em geral.
Em 2006, o Ministério da Saúde publicou uma portaria com diretrizes de prevenção ao suicídio – inclusive entre pacientes com doenças mentais – no atendimento primário, mas o texto não se transformou em política nacional. “Infelizmente, as diretrizes não foram implementadas. O que vemos é um apagão na saúde mental. Leitos foram fechados, sem uma rede de atendimento suficiente para proteger o paciente no momento de crise. O paciente demora até três meses para conseguir uma consulta ambulatorial na rede pública”, critica.
A comorbidade entre esquizofrenia e dependência química é outro problema grave que precisa ser enfrentado. Segundo Fátima, 30% dos pacientes com transtorno mental bebem. A médica destaca, porém, que esquizofrênicos não são necessariamente violentos: “Na verdade, são menos perigosos que a população dita normal”. (PO)
Essa é a primeira pesquisa que compara violência e mortalidade nesses pacientes não só com o restante da população, mas entre irmãos
Desde a década de 1970, a Suécia abastece um banco de dados bastante completo e atualizado sobre doenças mentais. Fazel acredita que nenhum outro país disponha de informações tão detalhadas a respeito dos pacientes, que são acompanhados ao longo de toda a vida. Por isso, a pesquisa foi realizada lá, esclarece. Os gráficos das estatísticas, que cobrem o período de janeiro de 1972 a dezembro de 2009, mostram, ao longo dos anos, uma linha ascendente. Embora tanto em equizofrênicos quanto na população em geral índices de suicídios, criminalidade e mortes prematuras (antes dos 56 anos) tenham aumentado nesse intervalo, as taxas foram maiores entre os primeiros.
Essa é também a primeira pesquisa que compara violência e mortalidade nesses pacientes não só com o restante da população, mas entre irmãos. A inclusão dos parentes ocorreu para ajustar fatores de risco intrafamiliares e genéticos. Sabe-se, por exemplo, que filhos de pais criminosos têm maiores chances de cometer suicídio, por fatores ambientais. Ao mesmo tempo, alguns autores sustentam que certos aspectos da violência poderiam ser herdados no DNA. Os pesquisadores queriam constatar se pessoas criadas sob as mesmas condições – fossem boas ou ruins – e com perfil genético semelhante tinham riscos iguais de se envolver com fatos violentos ou se o distúrbio mental influenciava mais que o histórico familiar e/ou genético.
Saiba mais...
Novas estratégias No período estudado, a equipe de Fazel constatou um aumento geral de crimes, suicídios e mortes prematuras. Mas, proporcionalmente, a cada ano, as taxas de violência tiveram crescimento 1,1% maior entre os equizofrênicos; as de suicídio, 1,7% e as de mortalidade antes dos 56 anos, 0,2%. De modo geral, os resultados mostraram que, cinco anos depois do diagnóstico inicial, cerca de um em cada 50 homens e mulheres com o distúrbio mental cometeram suicídio e cerca de um em cada 10 homens e uma em cada 37 mulheres foram condenados por algum crime violento. Um dado chocante é que pacientes com esquizofrenia têm, estatisticamente, oito vezes mais riscos de morrer prematuramente do que o restante da população.- Descoberta de proteína cerebral pode ajudar quem tem esquizofrenia e transtorno bipolar
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Seena Fazel reconhece que ainda não sabe dizer por que houve um aumento na incidência de crimes, mortes precoces e autoextermínio de indivíduos com o transtorno. “Mas está muito claro para nós que é preciso desenvolver novos tratamentos e estratégias – incluindo adoção de políticas públicas – que diminuam esses riscos”, afirma. De acordo com ele, no caso do cometimento de crimes, é possível associar a tendência de crescimento das ocorrências ao abuso de substâncias ilícitas. Embora isso esteja ocorrendo de forma geral na sociedade, pesquisas anteriores indicaram que, no caso da esquizofrenia, as drogas parecem estimular o comportamento violento.
Elizabeth Walsh, pesquisadora forense do Instituto de Psiquiatria Crespigny Park, em Londres, conta que já se demonstrou algumas vezes que o abuso de substâncias ilícitas está associado a um incremento da criminalidade e da agressividade. “Comparando pacientes esquizofrênicos que usam e não usam drogas, o cometimento de atos violentos é significativamente maior no primeiro caso. São dois fatores que parecem discriminar, dentro do quadro desse distúrbio mental, o aumento do risco da violência: o abuso de substâncias químicas e os sintomas psicóticos agudos”, diz Elizabeth, autora de um artigo a respeito do tema, publicado no The British Journal of Psychiatry.
Estigma injusto Para a psiquiatra Sheilagh Hodgins, professora do Departamento de Ciência Mental Forense do King’s College, de Londres, pesquisas como a de Seena Fazel são muito importantes para se conhecer as fragilidades dos pacientes esquizofrênicos e, dessa forma, desenvolver tratamentos que os beneficiem também a sociedade. A especialista, contudo, alerta para o risco de interpretações errôneas, que aumentem ainda mais o estigma contra essas pessoas. “Indivíduos com esquizofrenia são comumente percebidos como imprevisíveis e perigosos, o que pesa imensamente para estigmatizá-los. Consequentemente, quando algumas dessas pessoas cometem crimes, isso é supervalorizado e noticiado”, critica.
Citando estudos realizados na Inglaterra e na Dinamarca, ela reforça que não há diferenças significativas no índice de cometimento de crimes violentos quando se compara a população com ou sem distúrbios mentais. “O que ocorre é que, de fato, o abuso de substâncias ilícitas parece estar diretamente relacionado ao aumento da violência entre pacientes com esquizofrenia. Esse é um aspecto que precisa ser profundamente investigado”, diz. O distúrbio mental em si, contudo, não predispõe a criminalidade, conforme diversas pesquisas têm indicado.
Em um artigo publicado na revista The Lancet Psychiatry, no qual comentam o trabalho de Seena Fazel, Eric Elbogen e Sally Johnson, da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, observam que um dos aspectos mais interessantes do estudo foi o destaque ao risco de suicídio. “A cobertura noticiosa da esquizofrenia e de outros distúrbios psiquiátricos geralmente se foca na violência e no crime. Muito menos atenção se dá ao suicídio e a lesões autoafligidas em pessoas com doenças mentais severas”, escreveram.
Elbogen e Sally destacaram que a maior parte das pessoas com esquizofrenia e distúrbios relacionados não é violenta nem suicida. “Apesar da necessidade de garantir aos pacientes a ajuda necessária para reduzir seus riscos de suicídio, violência ou morte prematura, pesquisas que relatam (esses problemas) também precisam ficar atentas para que os pacientes não sejam afetados ainda mais com estigmas e discriminação”, salientaram.
Apreensão no Brasil
“No Brasil, também é preciso fortalecer a rede de proteção voltada a pacientes esquizofrênicos e com outros distúrbios mentais”, afirma Fátima Vasconcelos, vice-presidente da Associação Psiquiátrica do Rio de Janeiro (Aperj). De acordo com ela, a maior preocupação em relação a essas pessoas é o potencial de atentarem contra a própria vida. “Nos esquizofrêniocos, o risco de suicídio é de 10%, sendo maior nos primeiros anos da doença, quando é de 15%”, diz. O índice é 30 vezes maior que na população em geral.
Em 2006, o Ministério da Saúde publicou uma portaria com diretrizes de prevenção ao suicídio – inclusive entre pacientes com doenças mentais – no atendimento primário, mas o texto não se transformou em política nacional. “Infelizmente, as diretrizes não foram implementadas. O que vemos é um apagão na saúde mental. Leitos foram fechados, sem uma rede de atendimento suficiente para proteger o paciente no momento de crise. O paciente demora até três meses para conseguir uma consulta ambulatorial na rede pública”, critica.
A comorbidade entre esquizofrenia e dependência química é outro problema grave que precisa ser enfrentado. Segundo Fátima, 30% dos pacientes com transtorno mental bebem. A médica destaca, porém, que esquizofrênicos não são necessariamente violentos: “Na verdade, são menos perigosos que a população dita normal”. (PO)