Musculação ajuda a eliminar gordura do fígado e combate esteatose
Participantes de pesquisa reduziram 10% do problema em três meses de treino
Isabela de Oliveira - Correio Braziliense
Publicação:12/08/2015 14:00Atualização: 12/08/2015 11:20
A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é, na verdade, uma constatação de que o fígado está sob um estresse metabólico, sobrecarregado com uma quantidade de gordura acima da capacidade dele: de 5% a 10% do seu volume. Afeta cerca de 30% das pessoas, sendo considerado o problema hepático mais comum do mundo ocidental. O excesso de peso e de gordura abdominal, o diabetes, o colesterol elevado e as altas taxas de triglicerídeos aumentam o risco de uma pessoa desenvolver problema.
Embora seja apenas um indício de que alterações no estilo de vida são urgentes, sem tratamento pode evoluir para a cirrose e a esteato-hepatite não alcoólica (EHNA), um quadro de inflamação que alcança de 15% a 20% dos pacientes com gordura no fígado. Enquanto a situação ainda não atinge esses extremos, os médicos recomendam alterações no estilo de vida, incluindo a redução de peso e a realização de atividades físicas. Em relação aos exercícios, porém, a sugestão quase nunca valoriza a musculação, privilegiando mais os aeróbicos.
Agora, é possível que resultados de um estudo israelense publicado recententemente no World Journal of Gastroenterology consigam promover algumas mudanças nessas recomendações: pesquisadores das universidades de Haifa e de Tel Aviv e do Centro Médico Sourasky descobriram que o treinamento de força, e não somente o aeróbico, é um excelente meio para reduzir a gordura no fígado. Shira Zelber-Sagi, principal pesquisadora do trabalho, diz que a estratégia pode ajudar principalmente indivíduos com limitações físicas ou baixa motivação para exercícios aeróbicos.
Peso mantido
A equipe liderada por Zelber-Sagi analisou 82 pessoas com 20 a 65 anos e diagnosticadas com DHGNA seis meses antes do início do estudo. Os participantes foram aleatoriamente divididos em um grupo de treinamento de resistência e um de controle, orientado a praticar alongamento. Durante o experimento, os participantes não podiam mudar a dieta habitual e tinham que continuar tomando os medicamentos prescritos.
Ao longo de três meses, foram submetidos a pesagens, avaliações de pressão arterial e exames de sangue para as enzimas hepáticas, lipídios e açúcar (insulina). O treinamento de musculação foi definido de acordo com um protocolo uniforme, com o nível de resistência ajustado às capacidades do paciente: consistia em várias séries de diferentes exercícios de resistência envolvendo os braços, o peito e as pernas, com duração de 40 minutos e praticados três vezes por semana.
No fim de três meses, os investigadores descobriram que a musculação provocou uma diminuição notável da gordura do fígado, cerca de 10%. “O treinamento de resistência não se destinava a reduzir o peso corporal significativamente, e a perda global foi de fato muito ligeira, cerca de 1kg. No entanto, parece que o treinamento de resistência teve um impacto específico na queda dos níveis de gordura no fígado, conforme medido no exame de ultrassom”, detalhou Shira Zelber-Sagi. Segundo ela, os resultados também sugerem que o treinamento de força promoveu uma queda significativa no colesterol no sangue.
Insulina
Raymundo Paraná, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), explica que os achados fazem sentido, visto que o exercício físico melhora a resistência à insulina, reduzindo, assim, a produção de colesterol no fígado e o seu nível no sangue. “Sempre se discutiu qual é a melhor: a atividade aeróbica ou a musculação. A primeira, fisiologicamente, apresenta vantagens com a acentuada melhora do condicionamento físico e a perda mais rápida da gordura visceral”, compara o também ex-presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH).
Contudo, a atividade anaeróbica, como no caso da musculação, ameniza a resistência à insulina. “É como se esse hormônio fosse uma chave, e receptores nas células, fechaduras. Uma pessoa que tem resistência à insulina possui chaves truncadas, fazendo com que o hormônio se acumule porque não consegue se ligar a sua fechadura”, explica o médico.
Entre outros problemas, o excesso de insulina promove armazenamento de gordura no abdômen e no fígado. Porém, com a musculação, uma pessoa com esse distúrbio consegue amenizar a situação. “A musculatura esquelética é rica nos receptores de insulina e, ao exercitar os músculos, acabamos expressando mais dessas estruturas, as fechaduras, fazendo com que fique mais fácil para as chaves, ou a insulina, encontrá-las”, esclarece o especialista brasileiro.
Diante das evidências, julga Raymundo Paraná, a melhor estratégia é combinar treino de força com exercícios aeróbicos, não deixando nenhum deles como coadjuvante, como propôs em 2007 a American Heart Association. Na resolução, a entidade entendeu que a musculação seria apenas um complemento dos demais exercícios. “O presente estudo é um dos primeiros a testar essa questão em um grande grupo de pacientes. Nós demonstramos uma redução de 10% na esteatose que não pode ser explicada pela perda de peso ou pela mudança na dieta. O corpo também melhorou de composição, especialmente no tronco”, afirma Shira Zelber-Sagi.
A pesquisadora cita ainda que o estudo também é pioneiro ao indicar uma redução nos níveis de ferritina no sangue. Essa proteína encontrada no fígado facilita o armazenamento de ferro. Níveis elevados dela indicam lesões no órgão, além de inflamação. Portanto, uma queda nas taxas da ferritina reflete em melhora global na condição hepática.
Diante de tantos benefícios, os especialistas aconselham pacientes com esteatose a não demorarem para iniciar atividades físicas rotineiras, tanto as de musculação quanto as aeróbicas. “Nós sabemos como é difícil emagrecer e permanecer com dietas de redução de peso. Por conseguinte, é importante encontrar maneiras adicionais que possam tratar pacientes numa base de longo prazo e ainda oferecer elevada qualidade de vida. Treinamento anaeróbio é um desses caminhos”, garante Shira Zelber-Sagi.
Sem soluções mágicas
“Os pacientes obesos e sedentários são presa fácil para charlatões que fazem promessas falsas de dietas milagrosas, como a detox, que têm muito risco e pouca comprovação científica. A privação de calorias para emagrecimento rápido pode fazer com que a pessoa saia da doença hepática gordurosa não alcoólica e progrida para a esteato-hepatite não alcoólica. Toda gordura abdominal quebrada rapidamente libera ácidos graxos livres que vão direto para o fígado, piorando o estresse oxidativo. Exercício e dieta adequada são curas para quase todos os males. Porém, ainda que estejam ao alcance de quase todos, são difíceis de aderir porque todos buscam por um comprimido mágico, que é muito mais simples do que comprometimento com a mudança.”
Raymundo Paraná, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia
Saiba mais...
Não sobram dúvidas de que o treinamento de resistência é o caminho mais rápido para o desenvolvimento e a manutenção da força e da potência muscular. Diante dos benefícios inegavelmente visíveis no corpo dos praticantes, a atividade tem uma legião de adeptos. Mas mais do que um meio para se alcançar o corpo perfeito, a musculação, segundo um estudo israelense, também parece ser um santo remédio para o tratamento da esteatose, a gordura no fígado.- SUS terá que fornecer remédio para tratamento de doença no fígado
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A doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) é, na verdade, uma constatação de que o fígado está sob um estresse metabólico, sobrecarregado com uma quantidade de gordura acima da capacidade dele: de 5% a 10% do seu volume. Afeta cerca de 30% das pessoas, sendo considerado o problema hepático mais comum do mundo ocidental. O excesso de peso e de gordura abdominal, o diabetes, o colesterol elevado e as altas taxas de triglicerídeos aumentam o risco de uma pessoa desenvolver problema.
Embora seja apenas um indício de que alterações no estilo de vida são urgentes, sem tratamento pode evoluir para a cirrose e a esteato-hepatite não alcoólica (EHNA), um quadro de inflamação que alcança de 15% a 20% dos pacientes com gordura no fígado. Enquanto a situação ainda não atinge esses extremos, os médicos recomendam alterações no estilo de vida, incluindo a redução de peso e a realização de atividades físicas. Em relação aos exercícios, porém, a sugestão quase nunca valoriza a musculação, privilegiando mais os aeróbicos.
Agora, é possível que resultados de um estudo israelense publicado recententemente no World Journal of Gastroenterology consigam promover algumas mudanças nessas recomendações: pesquisadores das universidades de Haifa e de Tel Aviv e do Centro Médico Sourasky descobriram que o treinamento de força, e não somente o aeróbico, é um excelente meio para reduzir a gordura no fígado. Shira Zelber-Sagi, principal pesquisadora do trabalho, diz que a estratégia pode ajudar principalmente indivíduos com limitações físicas ou baixa motivação para exercícios aeróbicos.
Peso mantido
A equipe liderada por Zelber-Sagi analisou 82 pessoas com 20 a 65 anos e diagnosticadas com DHGNA seis meses antes do início do estudo. Os participantes foram aleatoriamente divididos em um grupo de treinamento de resistência e um de controle, orientado a praticar alongamento. Durante o experimento, os participantes não podiam mudar a dieta habitual e tinham que continuar tomando os medicamentos prescritos.
Ao longo de três meses, foram submetidos a pesagens, avaliações de pressão arterial e exames de sangue para as enzimas hepáticas, lipídios e açúcar (insulina). O treinamento de musculação foi definido de acordo com um protocolo uniforme, com o nível de resistência ajustado às capacidades do paciente: consistia em várias séries de diferentes exercícios de resistência envolvendo os braços, o peito e as pernas, com duração de 40 minutos e praticados três vezes por semana.
No fim de três meses, os investigadores descobriram que a musculação provocou uma diminuição notável da gordura do fígado, cerca de 10%. “O treinamento de resistência não se destinava a reduzir o peso corporal significativamente, e a perda global foi de fato muito ligeira, cerca de 1kg. No entanto, parece que o treinamento de resistência teve um impacto específico na queda dos níveis de gordura no fígado, conforme medido no exame de ultrassom”, detalhou Shira Zelber-Sagi. Segundo ela, os resultados também sugerem que o treinamento de força promoveu uma queda significativa no colesterol no sangue.
Insulina
Raymundo Paraná, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA), explica que os achados fazem sentido, visto que o exercício físico melhora a resistência à insulina, reduzindo, assim, a produção de colesterol no fígado e o seu nível no sangue. “Sempre se discutiu qual é a melhor: a atividade aeróbica ou a musculação. A primeira, fisiologicamente, apresenta vantagens com a acentuada melhora do condicionamento físico e a perda mais rápida da gordura visceral”, compara o também ex-presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH).
Contudo, a atividade anaeróbica, como no caso da musculação, ameniza a resistência à insulina. “É como se esse hormônio fosse uma chave, e receptores nas células, fechaduras. Uma pessoa que tem resistência à insulina possui chaves truncadas, fazendo com que o hormônio se acumule porque não consegue se ligar a sua fechadura”, explica o médico.
Entre outros problemas, o excesso de insulina promove armazenamento de gordura no abdômen e no fígado. Porém, com a musculação, uma pessoa com esse distúrbio consegue amenizar a situação. “A musculatura esquelética é rica nos receptores de insulina e, ao exercitar os músculos, acabamos expressando mais dessas estruturas, as fechaduras, fazendo com que fique mais fácil para as chaves, ou a insulina, encontrá-las”, esclarece o especialista brasileiro.
Diante das evidências, julga Raymundo Paraná, a melhor estratégia é combinar treino de força com exercícios aeróbicos, não deixando nenhum deles como coadjuvante, como propôs em 2007 a American Heart Association. Na resolução, a entidade entendeu que a musculação seria apenas um complemento dos demais exercícios. “O presente estudo é um dos primeiros a testar essa questão em um grande grupo de pacientes. Nós demonstramos uma redução de 10% na esteatose que não pode ser explicada pela perda de peso ou pela mudança na dieta. O corpo também melhorou de composição, especialmente no tronco”, afirma Shira Zelber-Sagi.
A pesquisadora cita ainda que o estudo também é pioneiro ao indicar uma redução nos níveis de ferritina no sangue. Essa proteína encontrada no fígado facilita o armazenamento de ferro. Níveis elevados dela indicam lesões no órgão, além de inflamação. Portanto, uma queda nas taxas da ferritina reflete em melhora global na condição hepática.
Diante de tantos benefícios, os especialistas aconselham pacientes com esteatose a não demorarem para iniciar atividades físicas rotineiras, tanto as de musculação quanto as aeróbicas. “Nós sabemos como é difícil emagrecer e permanecer com dietas de redução de peso. Por conseguinte, é importante encontrar maneiras adicionais que possam tratar pacientes numa base de longo prazo e ainda oferecer elevada qualidade de vida. Treinamento anaeróbio é um desses caminhos”, garante Shira Zelber-Sagi.
Sem soluções mágicas
“Os pacientes obesos e sedentários são presa fácil para charlatões que fazem promessas falsas de dietas milagrosas, como a detox, que têm muito risco e pouca comprovação científica. A privação de calorias para emagrecimento rápido pode fazer com que a pessoa saia da doença hepática gordurosa não alcoólica e progrida para a esteato-hepatite não alcoólica. Toda gordura abdominal quebrada rapidamente libera ácidos graxos livres que vão direto para o fígado, piorando o estresse oxidativo. Exercício e dieta adequada são curas para quase todos os males. Porém, ainda que estejam ao alcance de quase todos, são difíceis de aderir porque todos buscam por um comprimido mágico, que é muito mais simples do que comprometimento com a mudança.”
Raymundo Paraná, professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia