Pesquisa confirma que carbonato de lítio é eficaz para tratar transtorno bipolar em crianças e adolescentes

Cientistas dos EUA atestam, pela primeira vez, que o lítio ameniza os sintomas do transtorno em pacientes com 7 a 17 anos. A próxima etapa do estudo é detectar se o benefício se mantém a longo prazo

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Correio Braziliense Publicação:23/11/2015 14:30Atualização:23/11/2015 14:47
Clique na imagem para ampliá-la e saiba mais  (Valdo Virgo / CB / D.A Press)
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Desde que a bipolaridade foi diagnosticada também em crianças e adolescentes, há cerca de 20 anos, médicos têm indicado o carbonato de lítio para o tratamento do transtorno. Há, no entanto, um problema quanto a essa prescrição: a eficácia da substância na estabilização do humor é comprovada apenas em adultos. Essa lacuna científica foi, em parte, preenchida por um estudo desenvolvido no Johns Hopkins Children’s Center, nos Estados Unidos. Após dois meses acompanhando pacientes com idade entre 7 e 17 anos tratados com lítio, pesquisadores confirmaram melhora na variação de humor e em outros sintomas do transtorno.

Eles compararam esses resultados com os de voluntários que receberam placebo e observaram que não houve, no primeiro grupo, um ganho de peso significativo — um dos efeitos colaterais da droga. “Durante anos, o lítio foi prescrito para crianças com transtorno bipolar sem dados cientificamente rigorosos sobre a efetividade e os riscos dele. Agora, temos essa comprovação a curto prazo. O próximo passo é fazer um estudo a longo prazo para observar os efeitos colaterais da droga”, destaca Robert Findling, especialista em psiquiatria e comportamento, e coordenador do estudo norte-americano publicado recentemente na revista Pediatrics.

Os efeitos no corpo humano do lítio ainda não foram totalmente comprovados, mas há indícios de que esse carbonato tenha uma ação neurológica. Quando ingerido durante muito tempo, porém, provoca diversas complicações. O professor de psiquiatria da Universidade de Brasília Raphael Boechat lista algumas delas: “Aumento de peso, retenção de líquido, hipotireoidismo e problemas renais. São riscos cumulativos. Por isso, o perigo de começar o tratamento muito cedo”, nota.

Boechat diz que a substância ainda é considerada a melhor droga para o tratamento de transtornos. “Trata-se da primeira opção para pacientes adultos, mas deve haver muita cautela. Precisam ser feitas muitas avaliações, o peso tem que ser mantido com dietas. É um tratamento complexo para evitar os efeitos colaterais. Em crianças, o rigor tem que ser ainda maior”, ressalta.

O psiquiatra pondera também que, apesar de arriscado, é importante diagnosticar e tratar ainda na infância o transtorno bipolar para evitar complicações graves na adolescência e na vida adulta, como o uso de alucinógenos e até mesmo o suicídio. “A vida do bipolar começa muito prejudicada. Há grandes chances de o adolescente com o transtorno se tornar um usuário químico ou cometer crimes. É provável que ele se transforme em um adulto problemático, compulsivo, com hábitos sexuais anormais e problemas sociais”, alerta.

Humor
O diagnóstico do transtorno bipolar em crianças é recente. No fim da década de 1190, a ciência começou a perceber a manifestação da bipolaridade logo na infância. Mesmo com alguns avanços científicos, os especialistas seguem tendo dificuldade para identificar o problema. “Os desafios ocorrem devido à falta de especificidade dos sintomas. Essas crianças são frequentemente irritáveis, podem entrar em brigas sérias, ser distraídas e impulsivas. O estado de humor deve ser observado. A flutuação espontânea acompanhada de comportamentos é a chave para a distinção entre características de personalidade e a bipolaridade”, detalha Findling em entrevista ao Correio.

Nessa mesma linha, Boechat considera importante que familiares e pedagogos fiquem atentos a mudanças frequentes no humor dos pequenos e que não tenham preconceito em procurar um profissional para diferenciar os traços de personalidade de uma manifestação bipolar. “A criança deve ser avaliada em comparação com ela mesma. Se ela muda de comportamento facilmente e há prejuízos graves, precisa-se consultar um especialista. Ela pode ser apenas uma criança tímida, mas esses comportamentos devem ser observados”, ressalta. “Não devemos rotular os comportamentos das crianças, mas ficar atentos às alterações de humor sem motivo aparente e prolongadas. Boa parte dos adolescentes problemáticos talvez teria uma vida mais tranquila se tivesse sido tratada na infância.”

Contra o Parkinson
O lítio também é um atenuador de efeitos colaterais provocados por um conhecido tratamento de Parkinson, um medicamento composto por levodopa e carbidopa. Outro estudo norte-americano, conduzido pelo Instituto Buck e publicado em julho na revista Brain Research, mostrou, em ratos, que baixas doses de lítio diminuem os movimentos involuntários causados quando o remédio antiparkinsoniano é ingerido durante pelo menos por seis anos.

Tardio
4,2 milhões de brasileiros sofrem de transtorno bipolar, de acordo com o último levantamento da Associação Brasileira de Psiquiatria, feito em 2012. Na maioria dos casos, o paciente é diagnosticado após 10 anos da primeira manifestação do transtorno, pois há sintomas semelhantes aos da depressão, do deficit de atenção (TDAH) e da esquizofrenia.



Manejo delicado
“O lítio foi um marco divisório no século passado no tratamento da bipolaridade. Fez realmente uma diferença na vida dessas pessoas. Mas, em crianças, deve haver mais cuidado no uso dessa medicação porque ela é de difícil manejo e o organismo, o cérebro e as relações sociais desses pacientes ainda estão em evolução. Acredito que outras medicações mais simples, que se tem mais controle dos efeitos, devem ser testadas primeiro. Em casos mais graves, quando todos os cuidados foram tomados, aí sim passamos para o lítio. Mesmo em adultos, é preciso fazer muitos testes porque uma dose de lítio pode facilmente passar para um estado tóxico.”

Sônia Palma, vice-presidente da Associação Brasileira de Transtorno Afetivo (Abrata) e especialista em psiquiatria infanto juvenil

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