Surto de microcefalia leva aborto para a pauta do Supremo

ONG pedirá ao STF que autorize que grávidas com fetos diagnosticados com microcefalia tenham o direito de interromper a gestação. Batalha judicial semelhante envolveu bebês anencéfalos

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Carolina Mansur - Estado de Minas Publicação:31/01/2016 08:17Atualização:31/01/2016 08:24
A ação vai além das questões que envolvem a interrupção da gestação, é focada também na garantia de direitos das mulheres e na saúde (Kym Kiung / Reuters)
A ação vai além das questões que envolvem a interrupção da gestação, é focada também na garantia de direitos das mulheres e na saúde
O surto de zika vírus que assola o país, com quase 4 mil casos de microcefalia suspeitos notificados, inclusive em Minas Gerais, reacende as discussões sobre o aborto. Um grupo liderado pela antropóloga Debora Diniz, do Instituto de Bioética Anis, de Brasília (DF), prepara uma ação pleiteando a autorização do Supremo Tribunal Federal (STF) para a interrupção da gravidez nos casos de bebês diagnosticados com a doença transmitida pelo Aedes aegypti. A expectativa é que a ação seja concluída e apresentada em até dois meses à corte. “Vivemos uma epidemia e foi feito muito pouco. O ministro da Saúde tem dito que ‘perdemos a guerra contra o mosquito’, mas não podemos aceitar. Essa responsabilidade não é das mulheres”, afirma a antropóloga.

Principal articuladora da ação que conseguiu legalizar o aborto de fetos anencéfalos (sem cérebro), aprovado em 2012, Debora diz que a ação vai além das questões que envolvem a interrupção da gestação. Segundo ela, a discussão é focada também na garantia de direitos das mulheres e na saúde. “Pedimos um enfrentamento verdadeiro do mosquito, uma política de saúde sexual e reprodutiva ampla e com acesso a métodos contraceptivos, diagnóstico rápido da microcefalia e também o direito ao aborto”, disse.

Diniz endurece quanto à responsabilidade do governo sobre a epidemia. “Há uma negligência do Estado no combate ao mosquito. Se as mulheres vivem esse momento, é por conta da má gestão, de uma política de reparação de danos fraca e de direitos violados”, afirmou. A advogada e diretora jurídica da Associação Artemis, organização não governamental sem fins lucrativos empenhada na luta pela defesa da vida e contra a violência à mulher Ana Lúcia Keunecke lembra que “dar à luz um bebê com microcefalia não é numa situação provocada pela mãe; na verdade, mostra a incompetência do Estado em não fazer obras de saneamento básico”.

A antropóloga diz que as principais atingidas são mulheres pobres e que a oferta de um salário mínimo para a manutenção das vidas das crianças com microcefalia não é suficiente no enfrentamento da epidemia. A medida que deve ser anunciada pelo governo federal nos próximos dias concederá o benefício desde que crianças com a malformação pertençam a famílias com renda mensal de até R$ 220. O Benefício de Proteção Continuada (BPC), instituído pela Constituição de 1998, garante um salário a idosos com mais de 65 anos e pessoas com deficiência que não tenham meios para se sustentar e nem possam ser sustentados pela família, independentemente de idade.

AGILIDADE
Diante de vários desafios, como as questões religiosas e morais levantadas por grupos organizados e pela Igreja, Debora lembra também a lentidão do processo e as dificuldades judiciais e burocráticas, enfrentadas durante a ação que culminou na autorização da interrupção da gravidez de fetos anencéfalos. O pedido de avaliação pela Anis foi encaminhado para o STF em 2004 e aceito pelos ministros em 2012. Dessa vez, entretanto, a expectativa é de que as respostas sejam mais rápidas. “Nós estamos vivendo um estado de urgência no sentimento das mulheres, na saúde e nos cuidados com as crianças. Espero que, ao receber essa ação, a corte a trate com urgência.”

Favorável à interrupção da gravidez em casos de microcefalia, a advogada Maria Berenice Dias, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito da Família (Ibdfam), lembra as restrições nas leis de aborto e reforça que as condições e limitações enfrentadas pelas crianças, ainda desconhecidas, devem ser consideradas nas análises dos pedidos de aborto pelos juízes. “São crianças que terão necessidades muito especiais e caras e não há garantia de que isso será subsidiado pelo governo, por exemplo”, diz. Hoje, na prática, segundo ela, para conseguir fazer a interrupção da gravidez, é preciso que as grávidas façam um requerimento à Justiça.

VIDA
As incertezas quanto às consequências provocadas pela microcefalia, segundo o pós-doutor em reprodução humana e diácono permanente da Arquidiocese de Belo Horizonte, Paulo Franco Taitson, não podem justificar a interrupção da gravidez. “Anencefalia é completamente diferente de microcefalia. Não significa que a criança ter redução do perímetro cefálico indica óbito. Somos a favor da vida a todo momento”, afirma.

Questionado sobre o aborto em casos de microcefalia, o Conselho Federal de Medicina informou que a “interrupção antecipada da gestação deve ser definida à luz do que determinam o Código Penal do Brasil e o Supremo Tribunal Federal (STF)”. Ainda de acordo com a instituição, a “incompatibilidade com a vida foi a essência para a fundamentação do STF, quando se manifestou favoravelmente pelo aborto de fetos anencéfalos. No caso de fetos com diagnóstico de microcefalia, em princípio, não há incompatibilidade com a vida”. (Com Gustavo Werneck)

Você é a favor do aborto em casos de microcefalia?

Sim
Ana Lúcia Keunecke,
advogada e diretora jurídica da Associação Artemis, organização não governamental sem fins lucrativos empenhada na luta pela defesa da vida e contra a violência à mulher

“Sou favorável, pessoalmente e como diretora jurídica da Associação Artemis, à autonomia da mulher de fazer sua escolha, sua opção de ter ou não uma criança. Dar à luz um bebê com microcefalia não é numa situação provocada pela mãe; na verdade, mostra a incompetência do Estado em fazer obras de saneamento básico. Se tivéssemos um sistema eficaz de saúde e de educação, não teríamos a proliferação do mosquito Aedes aegypti, transmissor da dengue, do zika vírus e de outras doenças. A dengue foi erradicada no Brasil há muitas décadas e depois nos anos 1980 voltou como epidemia. E o direito do cidadão à saúde? Nenhuma mulher quer ficar ‘à espera’ de um bebê com microcefalia, pois isso não é da sua responsabilidade. Ocorre apenas por uma ausência do Estado, que não tem uma estrutura para evitar a contaminação. Em Pernambuco, uma mãe entregou um bebê nascido com microcefalia para adoção, por não ter condições de criá-lo. Agora o juiz vai decidir o que fazer. Em resumo, tudo acontece por uma irresponsabilidade do Estado.”

Não
Paulo Franco Taitson,
pós-doutor em reprodução humana, diretor da Sociedade Brasileira de Reprodução, professor da PUC-Minas e diácono permanente da Arquidiocese de Belo Horizonte

“Quando se tem diagnóstico de microcefalia, podem ocorrer comprometimentos em diversos níveis: simples, moderados e severos. Não podemos, a partir disso, dizer quem tem que viver ou não. A Igreja é sempre contra o aborto, em qualquer situação. Todos têm que ser acolhidos e vistos como seres humanos Temos observado que quem tem o diagnóstico não sabe por exatidão qual é o prejuízo para essa criança. Pode gerar comprometimento motor, de cognição? Pode! Mas esses testes têm de ser feitos depois e acompanhados por fonoaudiólogos e terapeutas. A preocupação é com a vida e os comprometimentos advindos da microcefalia devem ser encaminhados para especialistas. Não podemos praticar o aborto com a justificativa de que a mãe vai ficar onerada para sustentar a criança. As pessoas que militam a favor querem abrir grande porteira para dar condições à mulher para fazer o que quiser, sem pensar no outro, e a vida humana é sagrada.”

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