ESPORTE E CIDADANIA

Caminho para a cidadania

Equipe do projeto Esporte e Cidadania é destaque no caderno especial sobre Ceilândia, publicado em 27 de março no Correio Braziliense.


Publicação: 27/03/2014 14:12 | Atualização: 06/08/2014 10:48

Reproduzido integralmente do Correio Braziliense de 27/03/2014.

Por Marcelo Abreu

PODE SER NUM CENTRO OLÍMPICO OU EM CAMPO DE TERRA. O IMPORTANTE É QUE CRIANÇAS E JOVENS TÊM ENCONTRADO NO ESPORTE A SAÍDA DA EXCLUSÃO.

De longe, ela sorri. O sorriso é encantador. Está sentada na sua inseparável cadeira de rodas. Gabriela Vieira, de 13 anos, tem paralisia cerebral. É umas das 2,5 mil adolescentes que frequentam o Centro Olímpico de Ceilândia (Parque da Vaquejada), no P Norte. Ali, parceria celebrada há três anos entre a Secretaria de Esportes do Governo e a Fundação Assis Chateaubriand, Gabriela tem acesso a um novo mundo. Fez natação, mas agora pratica bocha adaptada—tipo de jogo que lança bolas coloridas o mais perto possível de uma bola branca chamada de jack (conhecida no Brasil como bolim). Gabriela sabe o que faz. Sorri para o professor quando a sua jogada se aproxima da bola branca. Isso tudo a ajuda no equilíbrio e na coordenação motora. Antes do Centro Olímpico, ela não tinha uma atividade externa. “Ficava numa tristeza grande e não tinha vontade pra nada”, conta a mãe, a dona de casa Maria Zélia Vieira, de 43 anos, incansável no bem-estar da filha. Duas vezes por semana, sai do Sol Nascente e chega até o Centro Olímpico. O professor de Gabriela, Dimas Rebouças, 46, é só elogio à aluna. “Ela participou das Paralimpíadas Escolares em São Paulo.“A mãe completa, cheia de orgulho: “Tem 12 medalhas, de ouro, prata e bronze”. E é ali, naquele lugar, no meio daquela gente, que Gabriela encontrou o seu caminho. Não só ela, mas outros tantos adolescentes e adultos carentes da região que jamais teriam acesso a uma atividade esportiva. “É tirar da rua e trazer pro esporte. Mas, mais do treinar atleta, o objetivo do projeto é formar cidadãos com autoestima e valores “, explica Rodrigo Bahia, 31 anos, gerente pedagógico do Centro Olímpico.

 



Corrida para a vida

Todas essas boas histórias estão sendo escritas por moradores de um dos lugares mais carentes de Ceilândia, o Sol Nascente – hoje, a maior invasão do DF, a nova Ceilândia, como alguns chamam, onde vivem cerca de 80 mil pessoas.É de lá que vem grande parte dos alunos matriculados no Centro Olímpico. Raniere Cosmo, de 13 anos, é um menino franzino. Filho de uma zeladora, a luta é diária. Entrou para o atletismo e se especializa em corrida de meio fundo. Com sapatilha doada, ele participa do projeto Futuro Campeão. “É isso que quero pra minha vida”, diz. Ele quer correr contra as dificuldades, a vida sofrida que leva com a mãe em Ceilândia. Raniere quer o lugar a que tem direito. O técnico dele, João Filho, 27 anos, acredita no potencial do garoto. “Ele tem muita vontade. Pode ir longe.” Se Raniere sonha, Vanessa Beatriz Silva, 13, do P Norte, também quer fazer bonito na suavidade dos seus passos. Aluna da ginástica rítmica, uma de suas maiores incentivadoras é a professora Pámela Mamede, 23. Numa competição em Taguatinga, ela conquistou uma medalha de ouro. O pai, açougueiro, quando a filha tem competição, larga tudo para assistir. “Ele torce muito por mim. Toda vez chora”, diz, comovida, a adolescente.


Várzea


E quem pensa que é só nos Centros Olímpicos que o esporte aflora, engana-se. Não tem hora nem local. É só procurar que, em algum canto da cidade, tem uma turma jogando uma pelada. Os campos estão espalhados por todos os lados, e a cultura de reunir a vizinhança para jogar futebol existe antes mesmo de Ceilândia existir – com as pessoas transferidas da Vila do IAPI para o norte de Taguatinga, também foram os times. O atual Ceilândia Esporte Clube, por exemplo, era amador, formado por moradores das invasões, e chamava-se Dom Bosco. Diferentemente do Ceilândia Esporte Clube, muitas equipes não se tornaram profissionais, mas disputam os campeonatos de várzea até hoje e têm mais de três décadas de história, como o Juventus. Os torneios, que começaram antes mesmo de todos os invasores serem realocados, cresceram de acordo com a cidade e hoje reúnem mais de mil expectadores em dias de decisão.