ENTREVISTA

Jovens precisam melhorar habilidades para o mundo do trabalho e a vida

Coordenadora de Educação da Unesco no Brasil, Rebeca Otero destaca os principais desafios para o país


Camila de Magalhães -

Publicação: 28/04/2015 21:31 | Atualização: 28/04/2015 22:40
'A leitura ajuda a tomada de decisões e promove o desenvolvimento do ser humano', destaca Rebeca Otero (Camila de Magalhães/FAC/D.A Press)
'A leitura ajuda a tomada de decisões e promove o desenvolvimento do ser humano', destaca Rebeca Otero

 

No mês em que se comemora o Dia Mundial do Livro (23 de abril), a coordenadora de educação da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), Rebeca Otero, concedeu entrevista à Fundação Assis Chateaubriand e ressaltou a importância da leitura para a formação de crianças e jovens e a influência desse hábito para o sucesso no mercado de trabalho. Ela falou ainda sobre o papel de entidades do terceiro setor no complemento à educação escolar e elencou os principais desafios para o país, no que se refere aos objetivos de educação para todos, estabelecidos pela Unesco. Confira a entrevista.

Como avalia o baixo desempenho de boa parte dos jovens brasileiros em provas de redação e interpretação?

Rebeca Otero (RO): É um reflexo da falta de leitura. Hoje nossos jovens têm uma deficiência muito grande na leitura. Leem e não conseguem compreender o que leem. No caso da última edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o que pegou mais foi desconhecimento do tema. Temos que reverter isso. O jovem tem que ser capaz de escrever mesmo sobre o desconhecido, ter conhecimento geral. É importante que se sinta capaz de fazer uma dissertação, discutir o lado positivo e negativo das coisas. E, para isso, precisa de leitura. Os resultados mostram que jovens não leem jornais, revistas. Estão o tempo todo no celular, em redes sociais com informações que, muitas vezes, não são de fontes seguras. Deixam de ler jornal ou revista para ler algo de fonte não segura, algo que não vai acrescentar para o seu desenvolvimento. É fundamental o acesso a notícias, ao que acontece no país, se atualizar. Para isso, tem que ler reportagens, documentários sobre a atualidade. Principalmente o jovem que vai para o mundo do trabalho.

Qual é a importância de organizações da sociedade civil adotarem um papel complementar à escola e se dedicarem ao estímulo à leitura para jovens em situação de vulnerabilidade social?

RO: A leitura traz informação, faz com que o jovem possa desenvolver seu pensamento, ajuda a tomada de decisões, promove o desenvolvimento do ser humano. O Brasil ainda não é um país de leitores e precisa se transformar num país de leitores. Com uma série de deficiências que temos e a falta de grandes bibliotecas, é preciso haver estímulo à leitura.

E para que possa reverter essa situação, é importante o trabalho das escolas e das famílias, além de uma sociedade civil engajada, com instituições promovendo que os jovens leiam, com maior disponibilidade de livros e outras formas de disseminação, em locais abertos, para que possam ter acesso a mais obras e estimular o discernimento para escolha de bons livros. É preciso que possamos investir mais, pois é lendo mais que se aprimora a capacidade de compreensão de textos e também a escrita. O livro ainda é um mecanismo muito bom e barato.

Quais são os maiores desafios do Brasil em relação à educação para todos?

Rebeca Otero: 'Há um índice grande de analfabetos funcionais em todas as idades' (©UNESCO/Edson Fogaça)
Rebeca Otero: 'Há um índice grande de analfabetos funcionais em todas as idades'

RO: Tivemos muitos avanços nos últimos anos, mas o Brasil é um país muito grande, com regiões muito diferentes e distantes, com responsabilidade de três níveis do governo, o que dificulta um pouco a implementação da educação. Ainda temos muito a crescer em alguns pontos.

1) O primeiro é reduzir número de analfabetos funcionais e dar condições de leitura a pessoas acima de 24 anos. Segundo o Ministério da Educação, 99% dos jovens de 19 a 24 anos são alfabetizados. Mas há um índice grande de analfabetos funcionais em todas as idades, em torno de 18,3%. São pessoas que tiveram pelo menos quatro anos de escolaridade e não têm habilidade de leitura suficiente. Não conseguem ler e compreender e compreender o que leram.

2) Também é preciso melhorar a habilidade dos jovens para o mundo do trabalho e para a vida. Dar condições para que a pessoa tenha autonomia para boas escolhas. A leitura e o acesso à informação são fundamentais nesses casos. Devemos reduzir a exclusão intraescolar, que é o caso daqueles que entram na escola, mas não aprendem.

3) Outro ponto é o acesso e conclusão do ensino médio. Menos de 60% dos jovens acessam o ensino médio e boa parte não concluem. E uma parte dos que concluíram zeraram a redação do Enem, o que é preocupante.

4) Por fim, a qualidade inclui tudo isso. Para a melhoria, é preciso que as escolas tenham bibliotecas, acesso à internet, cursos de formação continuada para professores. Tudo isso vai contribuir com a qualidade da educação.

As discussões da agenda pós-2015 já começaram. O que a Unesco vai colocar em pauta para melhorias na educação os próximos anos?
RO: A Unesco vai realizar o Fórum Mundial de Educação em maio, na Coreia do Sul, para discutir o pós-2015 com relação aos seis objetivos de Educação para todos. A maior parte dos 164 países não alcançou esses objetivos. Então, alguns objetivos continuam e entram outros.

Uma das discussões que haverá será o financiamento da educação. Há uma diretriz de que países apliquem, em educação, de 4% a 6% do PIB ou de 15% a 20% dos seus orçamentos. Muitos países ainda não conseguem aplicar recursos dessa forma. Vamos trabalhar indicadores para avaliar essas metas e repactuar novamente com os países.

Será abordada ainda a questão da tecnologia no campo da educação e o desenho de melhores indicadores de qualidade. O que também vai entrar muito é a educação para cidadania mais global e a sustentabilidade.