Redes sociais ajudam a multiplicar doadores de órgãos
Segundo pesquisa, o sistema americano de captação de órgãos ganhou mais colaboradores depois que os perfis do Facebook passaram a informar a decisão dos usuários sobre transplantes. Para especialistas, o efeito positivo vem do alcance privativo e ao mesmo tempo abrangente da ferramenta social
Paloma Oliveto - Correio Brazilienze
Publicação:03/07/2013 09:00Atualização: 03/07/2013 09:43
Muitos compartilham fotos; alguns, órgãos. Pelo menos foi o que aconteceu nos Estados Unidos, onde o jovem comediante Ricky Cisco atendeu um pedido feito no Facebook e doou um rim para um desconhecido há dois anos. O ator havia se encontrado pessoalmente com a mulher do homem que recebeu o transplante, mas, quando leu a mensagem que ela postou na rede social, em 2011, não pensou duas vezes e ofereceu o órgão. Graças a esse gesto, Jeff Kurze, 37 anos, conseguiu evitar a morte por falência renal.
Se uma história assim é incomum, o site de relacionamentos criado por Mark Zuckerberg pode ajudar a aumentar pelo menos o número de pessoas que se declaram doadoras de órgãos. Uma pesquisa realizada pela Universidade Johns Hopkins em Baltimore constatou que o Facebook é uma ferramenta eficaz para a conscientização sobre transplantes. O estudo, publicado na edição deste mês do Journal of Transplantations, investigou o número de pessoas que se registraram no cadastro nacional dos EUA depois que a rede social permitiu ao usuário especificar, em seu perfil, se é ou não doador de órgãos.
Essa opção pode ser feita desde 1º de maio do ano passado. No Brasil, até agora, 121 mil pessoas se declararam doadoras, de acordo com o Ministério da Saúde. Nos Estados Unidos, aquelas que expressam no perfil esse desejo recebem um link para preencher um formulário e entrar, oficialmente, para a lista de doadores de cada estado. Mesmo que isso não seja obrigatório, muita gente aderiu. No primeiro dia da iniciativa do Facebook, 13.045 pessoas se cadastraram, representando um aumento de 21,1 vezes em relação ao número médio de registros diários, que é de 616 doadores. O crescimento de oficializações variou entre os estados, de 6,9 vezes a mais em Michigan a 108,9 na Geórgia. Esse efeito perdurou durante 12 dias.
De acordo com os pesquisadores, no mesmo período, não houve incremento nas adesões realizadas diretamente nas unidades estaduais do Departamento de Veículos Motores (equivalente, nos EUA, aos Detrans), onde tradicionalmente as pessoas se registram como doadoras. “Isso mostra o potencial positivo das redes sociais em campanhas educativas na área de saúde”, acredita Andrew Cameron, professor da universidade e principal autor do estudo. “Muitas vezes, as pessoas gostariam de se engajar, de ajudar os outros, mas não sabem como. No caso do Facebook, quando um usuário postava em seu perfil que era doador, os amigos recebiam uma mensagem com essa informação. Com isso, o efeito foi se multiplicando”, explica.
O cirurgião conta que a ideia de usar a rede social para conseguir mais doadores surgiu em uma reunião de ex-alunos da Universidade de Harvard. Lá, ele se encontrou com Sheryl Sandberg, vice-presidente de Operações do Facebook, com quem Cameron comentou que estava cada vez mais difícil pensar em estratégias inteligentes de captação de órgãos. A conversa rapidamente ganhou caráter oficial e, em pouco tempo, surgiu a opção de declarar-se doador no perfil. “A Sheryl alcança milhares de pessoas rapidamente, eu não poderia ter me encontrado com pessoa melhor”, comemora.
Engajamento
Nos Estados Unidos, 100 mil pessoas aguardam algum transplante. Como acontece no Brasil, onde o número é de 26.662 de acordo com o Ministério da Saúde, há campanhas eventuais do governo sobre a necessidade de aumentar o cadastro de doadores, mas Cameron aposta na simplicidade das redes sociais como o melhor canal de comunicação. “Acho que, pelo menos em relação à doação de órgãos, é mais fácil você se convencer a colaborar se os seus amigos estiverem engajados também. É algo mais íntimo, está mais próximo da sua realidade”, palpita. Ele lembra que as redes sociais têm conseguido mobilizar milhares de pessoas em diferentes países, inclusive no Brasil, para causas diversas. “Os egípcios derrubaram um ditador, convocando manifestantes pelo Facebook e pelo Twitter”, exemplifica. Para o médico, mais fácil do que isso é estimular os amigos — e os amigos dos amigos — a preencher um cadastro on-line.
Advogado e associado sênior do Instituto para a Melhoria da Saúde Pública, um think tank que se propõe a discutir problemas nessa área, Blair Sadler acredita que a era das redes sociais poderá mudar drasticamente o cenário que se repete por todo o mundo: muitas pessoas na fila e poucos órgãos disponíveis. “Hoje, o maior desafio que temos para reduzir as filas é fazer com que as pessoas expressem suas intenções de serem doadoras e se registrarem como tal”, diz. Para Sadler, o número de indivíduos dispostos a contribuir, post mortem, para salvar vidas é muito grande, mas os doadores em potencial nem pensam a respeito. Além do fato de o Facebook ajudar a divulgar uma ideia, o advogado acredita que a ferramenta torna mais cômodo o registro no cadastro oficial, pois basta seguir um link e preencher dados.
Citando um modelo sugerido pelo colunista do jornal The New York Times Malcom Gladwell, que explica como uma epidemia social se propaga, Sadler acredita que o Facebook cumpre com todos os requisitos para disseminar pelo mundo uma boa ideia. “As pessoas certas estão ali, o ambiente é o certo, o mecanismo de doação é fácil”, diz. Sadler, que está escrevendo um livro sobre políticas públicas de captação e transplante de órgãos, destaca que, para um resultado objetivo, não basta criar uma fan page. Embora reconheça que levantar um assunto que poderá ser compartilhado e “curtido” por milhares de pessoas seja um passo importante, ele insiste que apenas a iniciativa de convidar o usuário a fazer o cadastro oficial vai, de fato, aumentar o número de doadores. “As agências de captação de órgãos precisam ficar atentas não só às redes sociais, mas às melhores formas de usar essa ferramenta”, observa.
Campanhas também devem ser contínuas. O cirurgião Andrew Cameron conta que o número de usuários que se declararam doadores em seus perfis e daqueles que, além disso, se registraram nos cadastros oficiais foi diminuindo ao longo das semanas. “Redes sociais têm esse caráter de efemeridade, tudo é rápido, o que foi assunto no início da manhã pode não ser mais ao cair da noite”, lembra. “Precisamos manter a doação de órgãos na ordem do dia.”
Se uma história assim é incomum, o site de relacionamentos criado por Mark Zuckerberg pode ajudar a aumentar pelo menos o número de pessoas que se declaram doadoras de órgãos. Uma pesquisa realizada pela Universidade Johns Hopkins em Baltimore constatou que o Facebook é uma ferramenta eficaz para a conscientização sobre transplantes. O estudo, publicado na edição deste mês do Journal of Transplantations, investigou o número de pessoas que se registraram no cadastro nacional dos EUA depois que a rede social permitiu ao usuário especificar, em seu perfil, se é ou não doador de órgãos.
Essa opção pode ser feita desde 1º de maio do ano passado. No Brasil, até agora, 121 mil pessoas se declararam doadoras, de acordo com o Ministério da Saúde. Nos Estados Unidos, aquelas que expressam no perfil esse desejo recebem um link para preencher um formulário e entrar, oficialmente, para a lista de doadores de cada estado. Mesmo que isso não seja obrigatório, muita gente aderiu. No primeiro dia da iniciativa do Facebook, 13.045 pessoas se cadastraram, representando um aumento de 21,1 vezes em relação ao número médio de registros diários, que é de 616 doadores. O crescimento de oficializações variou entre os estados, de 6,9 vezes a mais em Michigan a 108,9 na Geórgia. Esse efeito perdurou durante 12 dias.
De acordo com os pesquisadores, no mesmo período, não houve incremento nas adesões realizadas diretamente nas unidades estaduais do Departamento de Veículos Motores (equivalente, nos EUA, aos Detrans), onde tradicionalmente as pessoas se registram como doadoras. “Isso mostra o potencial positivo das redes sociais em campanhas educativas na área de saúde”, acredita Andrew Cameron, professor da universidade e principal autor do estudo. “Muitas vezes, as pessoas gostariam de se engajar, de ajudar os outros, mas não sabem como. No caso do Facebook, quando um usuário postava em seu perfil que era doador, os amigos recebiam uma mensagem com essa informação. Com isso, o efeito foi se multiplicando”, explica.
O cirurgião conta que a ideia de usar a rede social para conseguir mais doadores surgiu em uma reunião de ex-alunos da Universidade de Harvard. Lá, ele se encontrou com Sheryl Sandberg, vice-presidente de Operações do Facebook, com quem Cameron comentou que estava cada vez mais difícil pensar em estratégias inteligentes de captação de órgãos. A conversa rapidamente ganhou caráter oficial e, em pouco tempo, surgiu a opção de declarar-se doador no perfil. “A Sheryl alcança milhares de pessoas rapidamente, eu não poderia ter me encontrado com pessoa melhor”, comemora.
Saiba mais...
No primeiro dia, Sandberg e o próprio Mark Zuckerberg informaram em seus perfis que eram doadores de órgão. Além disso, o criador do Facebook postou uma mensagem em sua timeline: “Esse é um passo adiante na evolução das redes sociais e um veículo poderoso para comunicar e resolver problemas. Esperamos construir uma ferramenta que ajude as pessoas a transformar a forma como todos resolvemos problemas sociais mundiais. Especialistas médicos acreditam que ampliar a consciência sobre a doação de órgãos representa um grande passo para resolver essa crise. E nós acreditamos que, ao simplesmente contar para os outros que você é um doador de órgãos, o poder de compartilhar e contactar pode desempenhar um importante papel”, declararam.- BH faz cirurgia inédita de transplante de músculos
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Engajamento
Nos Estados Unidos, 100 mil pessoas aguardam algum transplante. Como acontece no Brasil, onde o número é de 26.662 de acordo com o Ministério da Saúde, há campanhas eventuais do governo sobre a necessidade de aumentar o cadastro de doadores, mas Cameron aposta na simplicidade das redes sociais como o melhor canal de comunicação. “Acho que, pelo menos em relação à doação de órgãos, é mais fácil você se convencer a colaborar se os seus amigos estiverem engajados também. É algo mais íntimo, está mais próximo da sua realidade”, palpita. Ele lembra que as redes sociais têm conseguido mobilizar milhares de pessoas em diferentes países, inclusive no Brasil, para causas diversas. “Os egípcios derrubaram um ditador, convocando manifestantes pelo Facebook e pelo Twitter”, exemplifica. Para o médico, mais fácil do que isso é estimular os amigos — e os amigos dos amigos — a preencher um cadastro on-line.
Advogado e associado sênior do Instituto para a Melhoria da Saúde Pública, um think tank que se propõe a discutir problemas nessa área, Blair Sadler acredita que a era das redes sociais poderá mudar drasticamente o cenário que se repete por todo o mundo: muitas pessoas na fila e poucos órgãos disponíveis. “Hoje, o maior desafio que temos para reduzir as filas é fazer com que as pessoas expressem suas intenções de serem doadoras e se registrarem como tal”, diz. Para Sadler, o número de indivíduos dispostos a contribuir, post mortem, para salvar vidas é muito grande, mas os doadores em potencial nem pensam a respeito. Além do fato de o Facebook ajudar a divulgar uma ideia, o advogado acredita que a ferramenta torna mais cômodo o registro no cadastro oficial, pois basta seguir um link e preencher dados.
Citando um modelo sugerido pelo colunista do jornal The New York Times Malcom Gladwell, que explica como uma epidemia social se propaga, Sadler acredita que o Facebook cumpre com todos os requisitos para disseminar pelo mundo uma boa ideia. “As pessoas certas estão ali, o ambiente é o certo, o mecanismo de doação é fácil”, diz. Sadler, que está escrevendo um livro sobre políticas públicas de captação e transplante de órgãos, destaca que, para um resultado objetivo, não basta criar uma fan page. Embora reconheça que levantar um assunto que poderá ser compartilhado e “curtido” por milhares de pessoas seja um passo importante, ele insiste que apenas a iniciativa de convidar o usuário a fazer o cadastro oficial vai, de fato, aumentar o número de doadores. “As agências de captação de órgãos precisam ficar atentas não só às redes sociais, mas às melhores formas de usar essa ferramenta”, observa.
Campanhas também devem ser contínuas. O cirurgião Andrew Cameron conta que o número de usuários que se declararam doadores em seus perfis e daqueles que, além disso, se registraram nos cadastros oficiais foi diminuindo ao longo das semanas. “Redes sociais têm esse caráter de efemeridade, tudo é rápido, o que foi assunto no início da manhã pode não ser mais ao cair da noite”, lembra. “Precisamos manter a doação de órgãos na ordem do dia.”