Criada vacina 100% eficaz contra a malária

Substância desenvolvida por pesquisadores dos EUA impede o desenvolvimento da doença após a aplicação de cinco doses. Segundo especialistas, porém, a produção em grande escala é inviável

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Bruna Sensêve - Correio Braziliense Publicação:09/08/2013 15:00Atualização:09/08/2013 13:53
Clique para ampliar e entender como a pesquisa sobre malária chegou a esses resultados inéditos (Valdo Virgo / CB / DA Press)
Clique para ampliar e entender como a pesquisa sobre malária chegou a esses resultados inéditos
Um grupo internacional de pesquisadores do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos desenvolveu uma vacina contra a malária com 100% de eficácia. Esse é o primeiro imunizante a alcançar tal nível de proteção, mas há largos obstáculos para que ele chegue à população mais vulnerável à doença. A proteção completa foi conquistada após administração intravenosa de cinco doses da vacina. Além disso, especialistas afirmam que a produção em grande escala é praticamente inviável. O trabalho divulgado hoje na revista Science, porém, surpreende ainda se forem levadas em conta estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), que estabeleceu como meta uma vacina contra o mal com pelo menos 80% de eficácia até 2025.

O pesquisador Stephen Hoffman e a equipe liderada por ele selecionaram 57 voluntários, sendo 17 integrantes do grupo de controle, que não foi imunizado. Quarenta participantes foram divididos em grupos que receberam doses variadas da vacina PfSPZ. Nenhum dos seis indivíduos submetidos a cinco doses contraiu a doença após ser exposto ao parasita causador da malária, o Plasmodium falciparum. Das nove pessoas com uma vacinação a menos, três foram infectadas. Os demais participantes apresentaram uma proteção intermediária. A PfSPZ utiliza o princípio básico de imunização, passando aos indivíduos uma versão enfraquecida do agente patológico em uma forma específica do ciclo de desenvolvimento biológico, o esporozoíto.

Essa é apenas uma das formas de o parasita injetar o mosquito ao picar um indivíduo, mas é a única que pode levar ao desenvolvimento da doença em humanos. O esporozoíto entra na corrente sanguínea e segue para o fígado, em que fica incubado por alguns dias até voltar à circulação e infectar os glóbulos vermelhos. Os últimos se rompem com a infecção, o que provoca os picos de febre característicos da malária. A descoberta de que essa forma do parasita poderia agir imunologicamente aconteceu principalmente pela observação da imunidade clínica — a pessoa ainda é infectada, mas não desenvolve a doença — entre moradores de regiões endêmicas. Eles eram picados continuamente e desenvolviam a doença por várias vezes até que começavam a ter tipos de malária mais brandas, alguns assintomáticos.

Extração trabalhosa
Para simular o efeito desse protetor natural, Hoffman retirou os esporozoítos de Plasmodium falciparum de mosquitos inicialmente infectados e desenvolveu o imunizante. O experimento tem como base tentativas anteriores bem-sucedidas de imunização. Segundo o chefe do Laboratório de Pesquisa em Malária do Instituto Oswaldo Cruz, Cláudio Ribeiro, em 1967, um grupo de pesquisadores liderado pela brasileira Ruth Nussenzweig, da Universidade de Nova York, conseguiu imunizar camundongos após administrar doses de esporozoítos irradiados — técnica que torna o parasita incapaz de se reproduzir (leia Para saber mais).

Menos de 10 anos depois, dois grupos americanos fizeram o mesmo experimento com humanos. Eles irradiaram mosquitos infectados e deixaram que voluntários fossem picados. Em seguida, os participantes foram expostos ao agente patológico e, mais uma vez, atingiram a imunização completa. No entanto, a forma como essa “vacinação” foi feita era inviável porque exigiria, por exemplo, que todos os imunizados fossem picados por mosquitos irradiados.

No caso do desenvolvimento de uma substância com esse princípio ativo feito por Hoffman, a dificuldade está em extrair os esporozoítos das glândulas salivares de mosquitos. “É o princípio do vírus atenuado, usado em muitas vacinas hoje, produzidas em larga escala e injetada em milhões de pessoas. Só que é um erro de diagnóstico pensar que pode produzir isso aos montes, dissecando mosquitos um a um”, analisa Ribeiro.

A questão é ainda mais complicada pela necessidade da aplicação de cinco doses intravenosas para a proteção completa. O grupo de pesquisadores prevê o problema e lembra que ainda não é possível saber se a proteção completa está relacionada à dosagem total de PfSPZ, ao número de doses ou ao aumento do intervalo entre a quarta e a quinta dose. “Ao demonstrar que as modificações na dose e no esquema de vacinação podem atingir um limiar imunológico de proteção em humanos, podemos guiar futuros ensaios clínicos destinados a otimizar o esquema de imunização”, justifica Hoffman.

Quanto à dificuldade de administração de uma vacina por via intravenosa para combater a doença infecciosa, ele acredita ser possível que o limite de proteção imunitária atingido nos resultados seja conseguido em seres humanos com doses mais elevadas, mas administradas por outras vias. “Isso pode ser facilitado por matrizes de microagulhas ou por outros dispositivos novos”, sugere.

Para saber mais: Recorde brasileiro
Em fevereiro de 2011, o casal de cientistas Ruth e Victor Nussenzweig anunciou resultados de uma promissora vacina contra malária. Milhares de crianças foram imunizadas na África, sendo que quase metade delas (45,8%) ficou protegida — um recorde até hoje com grandes populações. O casal tem como base o desenvolvimento de esporozoítos sintéticos do Plasmodium falciparum, possíveis de serem produzidos em larga escala. Na década de 1980, a equipe identificou uma proteína na superfície do esporozoíto que, ao ser neutralizada pelo sistema imune, impossibilitava a infecção. A proteína circunsporozoíto (CSP, na sigla em inglês) foi a chave para uma vacina sintética e economicamente executável. Até hoje, essa é tentativa mais viável de imunização contra a malária.

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