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Diabetes gestacional precisa de atenção e cuidado, mas não impede parto normal; veja histórias

Doença atinge entre 3% e 8% das gestantes e deve ser diagnosticada precocemente e acompanhada com rigor no pré-natal para evitar complicações graves como feto macrossômico, hipoglicemia do bebê e parto prematuro

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Valéria Mendes - Saúde Plena Publicação:15/09/2015 10:33Atualização:15/09/2015 10:56
Mulheres diagnosticadas com diabetes gestacional têm entre 20% e 50% de chance de desenvolver diabetes tipo 2 em um período de cinco a dez anos depois do parto (SXC.hu)
Mulheres diagnosticadas com diabetes gestacional têm entre 20% e 50% de chance de desenvolver diabetes tipo 2 em um período de cinco a dez anos depois do parto
A notícia de uma gravidez desejada é um momento marcante. O percurso de 9 meses que prescinde saúde e vida, no entanto, pode ter alguns percalços. Um dos mais comuns é o diabetes gestacional. A doença que atinge entre 3% e 8% das mulheres grávidas classifica a gestação como de alto risco, mas essa noção vem sendo cada vez mais abandonada pelas equipes de saúde que têm optado pelo termo ‘gestação de cuidados especiais’. Além de diminuir o peso do diagnóstico e ser do ponto de vista emocional mais positiva, a expressão ainda ajuda na compreensão de que essa doença gestacional não impede o parto normal. Se no Brasil, faz-se muita cesariana sem nenhum respaldo científico é importante pontuar que o diabetes gestacional não é indicação para a cirurgia e muitas mulheres conseguem parir seus filhos apesar da doença. Para o desenrolar positivo, no entanto, é imprescindível o controle metabólico, pré-natal bem feito, exames, atividade física e dieta.

O diabetes gestacional é uma intolerância a carboidratos diagnosticada pela primeira vez durante a gravidez e que pode persistir ou não após o parto. Embora esse tipo de diabetes desapareça após o nascimento do bebê, as mulheres diagnosticadas com diabetes gestacional têm entre 20% e 50% de chance de desenvolver diabetes tipo 2 em um período de cinco a dez anos depois do parto.

Ginecologista e obstetra do Instituto Nascer, Quesia Villamil explica que existe mais de uma maneira para se diagnosticar a doença e dependendo do caminho escolhido pelo especialista, os parâmetros de glicose considerados variam de um para o outro. Membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), o endocrinologista Rodrigo Nunes Lamounier corrobora a controvérsia na literatura médica em relação ao diagnóstico do diabetes gestacional e reforça que os valores de referência mais utilizados são os da Organização Mundial de Saúde (OMS). A recomendação OMS é administrar 75g de dextrosol em jejum e repetir a dose duas horas depois.

A curva glicêmica – nome do exame – é geralmente feita entre a 24ª e 28ª semana de gestação, mas caso a mulher tenha parente de primeiro grau que teve diabetes gestacional, o exame é solicitado já no início da gestação.

Rodrigo Nunes Lamounier explica que a grande maioria das gestantes consegue controlar a glicose apenas com dieta. “Em termos gerais, a orientação nutricional consiste em distribuir melhor os carboidratos ao longo das refeições”, diz. Além disso, as gestantes podem precisar acompanhar o nível de glicose ao longo do dia com um medidor de glicemia. Caso a alimentação recomendada associada a uma atividade física não seja suficiente para controlar os níveis de glicose, a gestante pode ter que usar insulina.

Para a obstetra e membro da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (Sogimig), Inessa Beraldo independentemente de não existir consenso de qual o melhor método para se fazer o rastreamento de diabetes gestacional, o mais importante é diagnosticar o problema para evitar complicações obstétricas e para o neonato. “O risco de parto prematuro é seis vezes maior para as mulheres com diabetes gestacional, a mulher também tem risco aumentado de ter pré-eclampsia, feto macrossômico (quando o bebê ganha muito peso), o bebê pode ter a síndrome da angústia respiratória e precisar de UTI, além do risco de desenvolver cardiopatias”, pontua.

Segundo ela, o tratamento pautado em dieta, atividade física e medicação (insulina) quando necessário, melhora o prognóstico da gestação como um todo e diminui a chance de complicações. Inessa Beraldo explica que o ideal é que o medidor de glicose aponte, em jejum, um resultado abaixo de 90 miligramas por decilitro e que a glicemia duas horas depois do almoço se estabeleça abaixo de 120mg/dl. “Essas são as metas de controle que devem ser mantidas para diminuir o risco de complicações”, afirma.

 (Soraia Piva / EM / D.A Press)


'Meu marido participou ativamente, foi incluído no nascimento da nossa filha. Ele ficou abraçado comigo, teve a mesma visão que eu tive do nascimento da Lais. Isso fez diferença para ele como homem, como pai. Participar do parto muda o vínculo familiar' -  Renata Luisa Vaz de Melo, 35 anos, fotógrafa (Arquivo Pessoal )
"Meu marido participou ativamente, foi incluído no nascimento da nossa filha. Ele ficou abraçado comigo, teve a mesma visão que eu tive do nascimento da Lais. Isso fez diferença para ele como homem, como pai. Participar do parto muda o vínculo familiar" - Renata Luisa Vaz de Melo, 35 anos, fotógrafa
Parto normal hospitalar
A fotógrafa Renata Luisa Vaz de Melo, 35 anos, é mãe de Lais, 2 anos e 3 meses, e está grávida de 31 semanas de Sara. Quando recebeu o diagnóstico de diabetes gestacional na primeira gestação, em certa medida, esperava pela notícia já que suas irmãs também foram diagnosticadas com a patologia quando engravidaram. Mesmo assim, não conseguia se despreocupar em relação à saúde da filha. Apesar de não ter precisado tomar insulina, os níveis de glicose de Renata se mantiveram acima do esperado, mas estáveis, durante a gravidez. “Eu fiz até um ultrassom para saber se a circunferência abdominal acompanhava o crescimento da Lais dentro do útero”, recorda-se.

A garotinha nasceu de um parto normal hospitalar com 38 semanas e meia. “Eu tive uma equipe médica que fez toda a diferença, que me deu segurança. Como o desenvolvimento da Lais estava dentro da normalidade, não tinha razão para me alarmar. Ela nasceu super bem, não teve nada”, conta.

Quando engravidou de Sara, a fotógrafa iniciou imediatamente um acompanhamento regular com um endocrinologista e vê a diferença quando compara as duas gestações: “Enquanto na 30ª semana de gestação da Lais eu ganhei 15 quilos, nesse mesmo tempo da gestação de Sara, só engordei 6 até agora”.

Ela deseja que a segunda filha também venha ao mundo de parto normal e diz que como se trata de um ato fisiológico, “não precisa se preocupar”. Para a fotógrafa, o respeito à fisiologia do corpo e ao nascimento, experiências pelas quais passou, fez toda a diferença para ela enquanto mãe. “A Lais não foi tirada de mim às pressas. O trabalho de parto durou 36 horas, doze no hospital, meu marido participou ativamente, foi incluído no nascimento da nossa filha. Ele ficou abraçado comigo, teve a mesma visão que eu tive do nascimento da Lais. Isso fez diferença para ele como homem, como pai. Participar do parto muda o vínculo familiar”, pondera.

Renata foi diagnosticada novamente com diabetes gestacional na gravidez de Sara e não nega que a doença impacta sua experiência como gestante, mas, por outro lado, a condição motivou mudanças alimentares em longo prazo. “Crio a minha filha sem a necessidade de açúcar e será assim também com a Sara”, afirma.

Parto normal ou cesariana?
O parto normal é não indicado para gestantes que não conseguiram um bom controle metabólico, para aquelas que têm antecedente de morte perinatal e em casos de feto macrossômico (bebê muito grande). A recomendação atual da OMS é oferecer a cesariana para mulheres com diabetes gestacional quando o peso do bebê estiver acima de 4,5 quilos. “Essa indicação não é absoluta já que o ultrassom no final da gravidez erra entre 10% a 20% e a mulher tem ainda opção do parto assisitido (com fórceps)”, explica Quesia Vilamil.

A complicação obstétrica mais séria em casos de diabetes gestacional, de acordo com a especialista, é a distócia de ombro que ocorre quando nasce a cabeça do bebê, mas não nasce o ombro. “Acontece em caso de diabetes gestacional mal controlado porque não se trata de um bebê grande saudável, mas de um bebê que engordou ao custo do excesso de glicose materna”, explica. Diante desse cenário, o uso do fórceps pode ser necessário. Além disso, o bebê pode ter ainda lesão de plexo braquial e ficar alguns meses sem mexer o bracinho.

A recomendação atual da OMS é oferecer a cesariana para mulheres com diabetes gestacional quando o peso do bebê estiver acima de 4,5 quilos (SXC.hu)
A recomendação atual da OMS é oferecer a cesariana para mulheres com diabetes gestacional quando o peso do bebê estiver acima de 4,5 quilos
A ginecologista salienta que em casos de diabetes prévia, as recomendações e protocolos não são os mesmos do diabetes gestacional. “A mulher já engravidou dentro de uma doença. Não se pode comparar diabetes prévia com diabetes gestacional”, reforça Quesia.

Parto em casa
Em Minas Gerais, apenas o Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte, disponibiliza equipe para parto domiciliar em casos de gestação de baixo risco, mas o diabetes gestacional é considerado impedimento para que a mulher tenha seu bebê em casa com a equipe dessa unidade de saúde. A Casa de Parto do mesmo hospital também não assiste partos nessas condições. No entanto, o diagnóstico não alterou os planos da jornalista e professora de yoga, Isabela Libânio, 37 anos. Ela queria um parto domiciliar para Dhyana Flor, 2 anos.

Isabela já não era mais mãe de primeira viagem e também tinha enfrentado a doença gestacional quando carregava Nina Lakshmi, hoje com 7 anos, na barriga. Além disso, confiava na enfermeira obstétrica que auxiliou o parto da caçula, que além da vasta experiência como parteira, é, segundo ela, professora universitária e especialista em neonatologia. Assim, a professora de yoga estava segura de sua opção. “Eu já tinha tido uma cesárea e queria o parto em casa. Não queria que nada me tirasse desse foco”, diz.

Isabela investiu então na caminhada como atividade física e seguiu à risca a dieta passada pelo endocrinologista. Além disso, fazia o acompanhamento diário da glicose três vezes ao dia. ”Como sou professora de Kundalini yoga, trabalhei bem internamente a segurança e preparo para o parto domiciliar. Descobri que devemos dar crédito à voz interna, à nossa própria autoconfiança. Eu me sentia tão saudável que não achava que o parto domiciliar representava algum perigo para mim ou para minha filha”, diz.

Quando Dhyana nasceu, a mãe conta que foi realizada a medição de glicose dela e que o resultado deu normal. Com 1 ano e 6 meses, a família repetiu o exame e também não deu alteração. A caçula nasceu com 3,180 quilos e Isabela engordou 13 quilos na gestação. Ela diz que sempre se alimentou de maneira saudável, mas afirma que restringir a alimentação não foi tão simples. “Eu achei ruim. Se eu saía um pouquinho fora da dieta, o resultado da medição da glicose já dava alterado”, relembra. Com o nascimento da caçula, o diabetes não persistiu, mas Isabela relata que, desde então, faz acompanhamento dos níveis de glicose.

Quesia Vilamil reforça que assim como a cesariana prévia é contraindicação para parto domiciliar, o diabetes gestacional também é. “Quando o neném é muito grande o útero fica muito esticado e pode não voltar completamente. Assim, a mulher pode ficar sangrando e precisar de medicação ou transfusão de sangue. O bebê pode precisar também de glicose venosa e um acompanhamento pediátrico mais de perto”, pondera.

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