'Expondo o Silêncio': ensaio dá voz às cicatrizes invisíveis (ou não) de vítimas de violência obstétrica
As autoras Cristen Pascucci e Lindsay Askins viajaram pelos Estados Unidos e se encontraram com mães que foram vítimas de traumas na gravidez e no parto
Valéria Mendes - Saúde Plena
Publicação:15/10/2015 10:22Atualização: 15/10/2015 11:17
A realidade, no entanto, está mudando. Em 2014, a Organização Mundial de Saúde (OMS) publicou, em seis idiomas, uma declaração contra a violência obstétrica. Entre as definições para esse tipo de agressão a mulheres no pré-parto, parto e pós-parto a OMS aponta “abuso de medicalização e patologização dos processos naturais do trabalho de parto, que causem a perda de autonomia e da capacidade das mulheres de decidir livremente sobre seus corpos e sua sexualidade”.
Já neste ano, a OMS listou os principais tipos de agressão que vitimam grávidas ao redor do mundo. O mapeamento revisou 65 estudos que abrangiam 34 países, o Brasil incluído, e que mostrou que em todos os continentes mães enfrentam maus-tratos nas unidades de saúde.
Entre eles estão agressão verbal e física, discriminação e preconceito e não cumprimento dos padrões de cuidado como, por exemplo, o excesso de exames de toque que para a gestante pode ser constrangedor, doloroso e gerar um novo trauma (caso a mulher tenha sido vítima de violência sexual e estar em uma posição de vulnerabilidade que a remeta à lembrança do abuso). O mau relacionamento entre as mulheres e os profissionais de saúde também foi listado pela OMS.
Um novo projeto, a série de fotografias 'Exposing The Silence' (Expondo o Silêncio, em tradução livre) dá voz às mulheres vítimas de violência obstétrica com imagens e depoimentos tocantes. O projeto idealizado por Cristen Pascucci, que trabalha em organizações que lutam pelo nascimento respeitoso e uma boa experiência no parto, e pela fotógrafa e doula Lindsay Askins pode ser conhecido na íntegra aqui.
As duas viajaram pelos Estados Unidos e se encontraram com mães que foram vítimas de traumas na gravidez e no parto e relataram suas experiências. A cesariana sem indicação, o excesso de intervenções no parto normal como a episiotomia (corte entre o ânus e a vagina), a separação entre mãe e bebê quando o recomendado pela OMS é o contato pele a pele na primeira hora de vida, a violência verbal e física aparecem nos relatos das norte-americanas. Veja alguns:
A série de fotografias 'Exposing The Silence' dá voz às mulheres vítimas de violência obstétrica com imagens e depoimentos tocantes
Saiba mais...
Uma em cada quatro mulheres brasileiras afirma ter sido vítima de violência obstétrica. No entanto, estima-se que a incidência seja ainda maior já que o conceito ainda não é amplamente conhecido. Até hoje, a ideia é rechaçada e não reconhecida pelos profissionais de saúde principalmente pelo fato de a autoria estar focada apenas no médico. No entanto, abrange todo o sistema de atendimento à gestante. Outro porém é que o tema ainda é pouco divulgado e muitas mulheres ainda não conseguem se reconhecer como vítimas já que só recentemente a violência obstétrica começou a ser tipificada. - 'Violência obstétrica é negligenciada do ponto de vista jurídico e social', afirma autora de documentário
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OMS lista principais tipos de agressão que vitimam grávidas ao redor do mundo. Clique na imagem para ampliá-la
Já neste ano, a OMS listou os principais tipos de agressão que vitimam grávidas ao redor do mundo. O mapeamento revisou 65 estudos que abrangiam 34 países, o Brasil incluído, e que mostrou que em todos os continentes mães enfrentam maus-tratos nas unidades de saúde.
Entre eles estão agressão verbal e física, discriminação e preconceito e não cumprimento dos padrões de cuidado como, por exemplo, o excesso de exames de toque que para a gestante pode ser constrangedor, doloroso e gerar um novo trauma (caso a mulher tenha sido vítima de violência sexual e estar em uma posição de vulnerabilidade que a remeta à lembrança do abuso). O mau relacionamento entre as mulheres e os profissionais de saúde também foi listado pela OMS.
Para além de pesquisas e conhecimento científico que vem sendo produzido sobre o tema, trabalhos autorais como o ‘Projeto 1:4: retratos da violência obstétrica’ de autoria da fotógrafa Carla Raiter e da produtora cultural Caroline Ferreira tentam dar visibilidade a cicatrizes invisíveis (ou não) e provocar a reflexão sobre a condição de nascimento. O Brasil é campeão mundial de cesarianas.
Um novo projeto, a série de fotografias 'Exposing The Silence' (Expondo o Silêncio, em tradução livre) dá voz às mulheres vítimas de violência obstétrica com imagens e depoimentos tocantes. O projeto idealizado por Cristen Pascucci, que trabalha em organizações que lutam pelo nascimento respeitoso e uma boa experiência no parto, e pela fotógrafa e doula Lindsay Askins pode ser conhecido na íntegra aqui.
As duas viajaram pelos Estados Unidos e se encontraram com mães que foram vítimas de traumas na gravidez e no parto e relataram suas experiências. A cesariana sem indicação, o excesso de intervenções no parto normal como a episiotomia (corte entre o ânus e a vagina), a separação entre mãe e bebê quando o recomendado pela OMS é o contato pele a pele na primeira hora de vida, a violência verbal e física aparecem nos relatos das norte-americanas. Veja alguns:
"A cesariana. Nossas feridas, a permanência da minha filha na UTI, a separação, a dor. Tudo isso poderia ter sido evitado, não tinha que acontecer, mas eu não sabia que tinha alternativas, não conhecia as rotinas, nem o protocolo ou como as coisas funcionam na UTI da maternidade. Comecei a me sentir esquisita depois que ela nasceu, como se eu não fosse realmente a mãe dela porque não tinham me 'autorizado'. Eu entrei na maternidade em trabalho de parto mais feliz que nunca. Fui de um hospital para o outro com um sentimento de derrota e vazio, ao invés de um bebê saudável. Fracassei por nós duas e ambas sofremos por causa disso" - Megan
"Eu estava deitada sozinha na sala de cirurgia sem o meu marido. Meus braços se debatiam rapidamente. Eu queria me abraçar. Eles ameaçaram me amarrar, então eu mantive meu corpo em forma de crucifixo. Eu chorei. Eu vomitei. Eu implorei para o anestesista limpar minha boca. Ele fingiu não ver. Isso foi horas antes de eu segurar meu bebê" - Heather
"Você pode ser grata e apreciar o fato de ter um bebê saudável e ainda assim ficar completamente traumatizada pela experiência do parto. Ficar traumatizada não quer dizer que você não seja grata - são duas coisas completamente diferentes" - Kimberly
"Estou falando por tantas mulheres plus size que foram maltratadas no parto; de serem forçadas a tomar decisões que não são baseadas em evidências científicas a ouvirem que suas vaginas são gordas demais para dar à luz ao bebê. Chega! A vergonha não é uma ferramenta eficaz e não vamos mais tolerar esse bullying" - Jen
"Eu queria um parto natural. Eu queria que meu bebê viesse ao mundo da forma mais suave possível. Eu não sabia por que nós dois estávamos passando por aquela experiência. Eu senti como se nós dois tivéssemos nos quebrado após o nascimento dele" - Nicole
"A minha batalha interior maior não é porque ele nasceu cirurgicamente. O que mais me incomoda é que eu não fui a sua 'primeira amiga'. Eu não consegui segurar meu filho depois que ele nasceu. Eu ainda não consigo lidar com isso sabendo que ele estava deitado lá chorando por mim. Eu estava no final do corredor chorando por ele. Eu sentia como se o mundo inteiro estivesse nos mantendo separados um do outro" - Heather
"Eu só queria que o meu corpo fizesse o que ele é apto a fazer. Mas eu senti que eu não tinha escolha, que eu estava impotente" - Sarah
"Como enfermeira, confiava na minha médica e nas opiniões dela. Uma hora depois de ter chegado ao hospital, ela transformou meu parto que poderia ter sido lindo e tranquilo num verdadeiro desastre com suas intervenções desnecessárias. Depois, ela disse que estragou meu parto, mas que pelo menos a incisão que fez foi bonita" - Brittany