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O Renascimento do Parto: continuação de documentário discute violência obstétrica e o SUS que dá certo

Conheça histórias de mulheres que tiveram a experiência do parto transformada pelo primeiro filme da série, que foi a segunda maior bilheteria do gênero em 2013 no Brasil

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Valéria Mendes - Saúde Plena Publicação:18/09/2014 09:24Atualização:10/10/2014 14:12
A fisioterapeuta Lilian Sarli Tamura optou pelo parto domiciliar. Laís, hoje com 9 meses, nasceu empelicada, ou seja, dentro da bolsa (Foto: Além D'Olhar fotografia / Paula Poltronix / www.alemdolhar.com.br) ((Foto: Além D'Olhar fotografia / Paula Poltronix / www.alemdolhar.com.br))
A fisioterapeuta Lilian Sarli Tamura optou pelo parto domiciliar. Laís, hoje com 9 meses, nasceu empelicada, ou seja, dentro da bolsa (Foto: Além D'Olhar fotografia / Paula Poltronix / www.alemdolhar.com.br)
“Gostaria de sempre ter a oportunidade de passar adiante a experiência de um parto humanizado. Eu, que sou da área da saúde, não tinha essa informação, não sabia que existia parto natural e que ele era diferente do parto normal”. O depoimento é da fisioterapeuta Lilian Sarli Tamura, 28 anos, mãe de Laís, nascida em dezembro do ano passado de um parto domiciliar na casa da avó materna. Ela é uma das mulheres brasileiras que tiveram a história de parto transformada pelo premiado filme ‘O Renascimento do Parto’, de Eduardo Chauvet e Érica de Paula, que, em 2013, foi o documentário nacional com a segunda maior bilheteria do país. Foram mais de 30 mil espectadores, em 50 cidades, durante 22 semanas de exibição.

O Renascimento do Parto: um filme para todo mundo que nasceu

A recente pesquisa ‘Nascer no Brasil’ mostrou que 88% dos partos na rede privada são cesarianas, sendo que a recomendação da Organização Mundial de Saúde é de no máximo 15%. O Brasil é campeão mundial nesse tipo de cirurgia: a média nacional é de 52%, considerando as redes pública e privada. As consequências desse alto índice vão desde o aumento do número de crianças que nascem prematuras, passa pelo enfraquecimento do vínculo mãe-filho, impacta o aleitamento materno e aumenta a chance de depressão pós-parto.

Grávidas precisam se informar para evitar episiotomia desnecessária e 'ponto do marido' no parto vaginal


Mariana Faria de Moraes, 33 anos, é mãe de Fernando, de 3, e dos gêmeos Eduardo e Guilherme, de 2 meses e meio. Depois de sonhar com o parto normal na primeira gestação, precisou de uma cesariana. “Eu nunca entendi as mulheres optarem pela cesárea. E, em 2011, após uma gravidez tranquila, sem nenhuma intercorrência, acompanhada por uma equipe humanizada, me vi em uma mesa de cirurgia, em uma cesárea de emergência bem indicada. Após três horas de expulsivo (fase do parto em que o bebê efetivamente nasce), os batimentos cardíacos do meu filho não estavam mais tranquilizadores, não dava para continuar tentando, não podia arriscar. Doeu no fundo, doeu nos pontos e doeu na alma. Fiz terapia por um bom tempo, não li mais relatos de parto, não assisti mais nada sobre o assunto”, recorda-se.

Mesmo com diabetes gestacional e anemia, Mariana conseguiu ter os gêmeos de parto normal (Reprodução Facebook)
Mesmo com diabetes gestacional e anemia, Mariana conseguiu ter os gêmeos de parto normal
A frustração do sonho fez com ela negasse ao marido um segundo filho. “Depois de algum tempo, tomei coragem e fui assistir ‘O Renascimento do Parto’. Pareceu que aquele documentário encerrava minha terapia. Fiz tudo que estava ao meu alcance e, apesar da cirurgia, meu filho foi recebido sem intervenções e não fomos separados após o fim da cesariana”, conta. Mariana conseguiu elaborar as questões psicológicas que a traumatizaram: “Eu vi que tinha feito tudo que podia. Infelizmente, estava entre as 15% das mulheres que precisam da cesariana. Meu coração se tranquilizou, não queria uma nova gravidez com medo”.

A mãe do trio de meninos mora em Ribeirão Preto e diz que a assistência humanizada ao parto ainda não é uma realidade na cidade. “Era gravidez de gêmeos, eu estava com diabetes gestacional e a equipe que me acompanhou no primeiro parto não se sentiu confortável em me assistir. Consegui um obstetra que aceitava negociar as intervenções, tive muitas complicações, mas ele jamais se assustou com nada”, relata.

Cesárea anterior. Gravidez gemelar. Diabetes gestacional. Polidrâmio (excesso de líquido amniótico). Anemia. “Eu tinha contrações e desconfortos constantes e precisei de repouso. O pouco que saia na rua gerava comentários desagradáveis sobre partos trágicos, UTI e o tamanho da minha barriga”, relembra Mariana. Derrubando mito por mito de indicação de cesariana, Eduardo nasceu com 2.545kg e 45cm e, 28 minutos depois, Guilherme veio ao mundo com 2.995kg e 49cm de parto normal hospitalar em São Carlos. “Eu viajei em trabalho de parto. Um plantonista nos recebeu, meu obstetra chegou em seguida, me examinou e disse: - Por que você só veio agora? Está nascendo!”, recorda-se ela.

O filme

Distantes de boas práticas de assistência ao parto, o cenário que envolve o nascimento no Brasil talvez ajude a entender o fenômeno que é o ‘Renascimento do Parto’: o DVD da obra está em primeiro lugar em vendas entre os documentários nacionais do ano. Em apenas noventa dias de comercialização, já está entre os dez DVDs mais vendidos do país nos últimos cinco anos; o trailer e o vídeo promocional já têm mais de 1 milhão e 200 mil acessos no YouTube e a página do filme no Facebook tem um alcance semanal de três milhões de pessoas.

Agora em carreira solo, Eduardo Chauvet se dedica às filmagens da segunda parte da trilogia que vai abordar a violência obstétrica, infelizmente também muito comum no Brasil, e apontar experiências bem sucedidas do Sistema Único de Saúde (SUS), com destaque para o Hospital Sofia Feldman, em Belo Horizonte. O documentário também vai mostrar modelos de assistência pública ao parto na Inglaterra e Holanda, que adota um atendimento misto (público e privado). Um vídeo promocional da segunda parte do filme foi lançado nesta quarta-feira (17) para ajudar na campanha de financiamento coletivo (saiba mais aqui). Em pouco mais de 4 minutos, as imagens sintetizam o que vem pela frente. Assista:



A previsão é que a obra chegue aos cinemas já em 2015. “Vamos explicar detalhadamente o que é a violência obstétrica. Na cabeça de muitas pessoas o termo não passa de uma viagem. Muitas usuárias do sistema público e privado sequer se atentam para a realidade das práticas obstétricas no Brasil, mas mostraremos os fatos. Outro eixo condutor é o SUS, em que o Hospital Sofia Feldman é um exemplo bem sucedido. Belo Horizonte se tornou referência na luta por boas práticas de assistência ao parto. A cidade está à frente na conscientização das questões que envolvem o nascimento no Brasil”, afirma Eduardo Chauvet.


O diretor diz ainda que vai acompanhar e filmar os partos que estarão no longa-metragem. “Ao contrário do primeiro, em que recebemos as imagens, dessa fez vamos gravar tudo, inclusive um parto domiciliar. Para contrabalancear o eixo da violência obstétrica e o filme não ficar muito ‘pesado’, teremos momentos felizes, de muita emoção, o lado poético, a magia do nascimento. Vamos reforçar as diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS) e propor soluções”, diz.

Parto hospitalar ou parto domiciliar?

A história da experiência de parto da fisioterapeuta Lilian Sarli Tamura começa um ano antes de ela engravidar. Assim como Vivian, 1 ano, filha da modelo Gisele Bündchen – que também é uma ativista do parto humanizado e teve os dois filhos de parto natural domiciliar – a filha de Lilian também nasceu empelicada. A imagem desse instante ilustra esta reportagem. Bebê empelicado é aquele que nasce envolto pelo líquido amniótico. Ou seja, a bolsa não estoura durante o trabalho de parto. “Minha gravidez se iniciou após o momento que eu e meu esposo decidimos engravidar. No princípio, as duas únicas coisas que eu sabia era que eu queria um parto normal (não conhecia o parto natural/humanizado) e que eu me prepararia fisicamente para isso. Como sou da área da saúde, de alguma forma eu sabia que o parto normal seria mais fisiológico e era menos agressivo que uma cirurgia de cesárea. Como fisioterapeuta, depois de anos de estudos sobre estabilização segmentar e assoalho pélvico, sabia da importância de uma preparação física para a gestação, parto e pós-parto”, relata.
Lilian Sarli Tamura começou a preparação para o parto antes mesmo de engravidar. (Foto: Gestação e Saúde / Divulgação) (Gestação e Saúde / Divulgação)
Lilian Sarli Tamura começou a preparação para o parto antes mesmo de engravidar. (Foto: Gestação e Saúde / Divulgação)

A vivência de Lilian foi sistematizada em uma metodologia que ela intitulou ‘Gestação Saúde’. A fisioterapeuta mantém uma página no Facebook onde dá dicas para as futuras mamães e gestantes sobre preparação para o parto. “No quinto mês de gravidez assisti ‘O Renascimento do Parto’ e foi através dele que tive conhecimento da violência obstétrica e das diferenças entre cesárea, parto normal e parto natural. Logo, toda minha preparação física fez mais sentido ainda, pois é no parto natural que o corpo da mulher tem total liberdade para exercer o que sabe: parir”, conta.

Com o apoio do marido, Leonardo Tamura, decidiu-se então por um parto domiciliar na casa da mãe, que mora em Paulínia. Lilian e o companheiro vivem em São Paulo. “No início, queria um parto natural hospitalar com uma equipe humanizada, mas depois que comecei a estudar, vi que a experiência do parto domiciliar é muito diferente e parei de me sentir à vontade com a ideia de hospital. Eu deixei para avisar minha mãe bem no final da gestação e ela não fez cara de espanto. Ela veio do Sul, minha avó teve nove filhos de parto normal em casa; minha mãe dois partos normais em hospital”, conta.

Lilian diz que trabalhou até o final da 38ª semana e então foi para a cidade da mãe. “Na madrugada do dia 11 de dezembro de 2013 começaram as contrações, liguei para o meu marido, que estava em São Paulo e pedi para que ele fosse para Paulínia. Ao meio dia, as contrações já estavam ritmadas de quinze em quinze minutos e foi assim até às 17h. Tenho resistência à dor, meu parto era algo muito esperado e para o qual eu tinha me preparado muito bem. Neste dia, limpei todo o banheiro pela manhã, esfreguei a banheira. Tudo sozinha”, diz.

A fisioterapeuta recorda-se que quando a equipe (obstetra, doula e neonatologista) chegou à casa da mãe, as contrações já estavam de cinco em cinco minutos. “Eles até se assustaram, mas eu estava andando, lidando bem com as contrações”, fala. Na hora do expulsivo, Lilian lembra de ter pensado ‘mas quem vai segurar minha filha?’. “Mas foi natural o nascimento da dela nas minhas mãos. A Laís nasceu empelicada, a doula abriu a película, todos esperaram o cordão umbilical parar de pulsar para cortá-lo. Minha filha foi ao hospital apenas para fazer o teste do pezinho e tomar as primeiras vacinas”, relata.

Lilian diz que passou a gestação inteira sem nunca sentir medo. “Eu achava até estranho, mas não tinha dúvida de que daria certo. Eu estudei muito, sabia a incidência dos riscos. Eu jamais gostaria de estar em uma sala de hospital no momento do nascimento da minha filha. Eu pensava: ‘Graças a Deus estou na casa da minha mãe’. Foi maravilhoso. Foi perfeito”, resume.

Veja trecho do primeiro filme:

    • 26/03/2014
    • Projeto 1:4: retratos da violência obstétrica
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