Recomendado pela OMS há décadas, plano de parto ainda é desconhecido no Brasil
Não é apenas a gestante que desconhece esse direito; médicos e hospitais no país não adotam a conduta. Mas o plano de parto é tão importante que pertence à categoria prioritária de recomendações da Organização Mundial de Saúde para melhorar o nível do atendimento a mães e recém-nascidos em todo o mundo
Valéria Mendes - Saúde Plena
Publicação:28/10/2013 08:20Atualização: 29/10/2013 14:28
Onze mulheres grávidas. Elas querem ser protagonistas do nascimento de seus filhos. Elas lutam para garantir que seus direitos sejam respeitados na hora parto. Elas não aceitam ser submetidas a práticas adotadas indiscriminadamente Brasil afora e sem nenhum respaldo científico. Elas se assustam com o índice de cesarianas praticadas por aqui: 82% na rede privada e 37% na pública - a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda o índice de 15%. Elas sonham alto: querem ajudar a colocar o país no mapa daqueles que são referência em parto humanizado.
Na semana passada se reuniram e decidiram “começar do começo”. Cada uma delas formalizou o seu plano de parto e os onze documentos serão entregues nas 15 maternidades de Belo Horizonte. O objetivo é impactar essas instituições para uma conduta preconizada pela OMS desde 1986 e que está completamente esquecida por aqui. A administradora Juliana de Souza Matos, 34 anos, grávida de João Vítor, é uma delas. Como já tinha uma visita agendada na maternidade Santa Fé para conhecer a estrutura do lugar, aproveitou a oportunidade para iniciar o mutirão de entrega. “Quero protocolar o meu plano de parto, falei com a moça que me recebeu. ‘Plano de quê?’, ela me respondeu e ficou folheando as páginas sem entender do que se tratava. Ela não sabia. Então eu disse que gostaria que fossem entregues ao diretor clínico e que ele repassasse aos profissionais que fazem o atendimento às gestantes. Não senti segurança de que ela irá entregar. Só vou ter confiança se alguém do hospital fizer um contato comigo”, narra.
O desconhecimento não é exclusividade do Santa Fé ou das maternidades da capital mineira. Simplesmente não faz parte da história do pré-natal das mulheres brasileiras. “Eu acho até engraçado porque tem hospital que pensa que é alguma coisa financeira. As pessoas conhecem muito pouco. O plano de parto serve para conscientizar a mulher de que ela pode se orientar a respeito das opções existentes e definir o que ela deseja. No fundo, é um incentivo para o aumento do número de partos normais”, afirma a presidente da Associação de Ginecologistas e Obstetras de Minas Gerais (SOGIMIG-MG), Maria Inês de Miranda Lima.
Mas o que é, afinal?
O documento da OMS ‘Care in Normal Birth: a practical guide’ (Atenção no parto normal: um guia prático, em tradução livre), (clique aqui e veja a versão em inglês e em espanhol) preconiza as boas práticas para o parto normal. Para se ter uma ideia da importância do plano de parto, ele é o primeiro item dos processos que a instituição considera como “claramente úteis e que devem ser encorajados”. No guia, as rotinas são hierarquizadas pela relevância em A, B, C ou D. Resumindo: o plano de parto é o item 1 da categoria A (veja).
Um dado importante nesse contexto é que, ao contrário do que se pensa, a mulher brasileira, no início da gravidez, prefere o parto normal, mais de 70% delas. Ao longo do pré-natal essa vontade é minada pelos mitos fortemente consolidados para se justificar a cesariana no Brasil. O mais assustador, entre eles, é o tal do cordão enrolado no pescoço. “A insegurança e o medo são tão desproporcionais que as pessoas param de pensar: o bebê respira pelo umbigo”, fala a autora do blog Dadadá e advogada que atua na área de direitos reprodutivos, Gabriella Sallit. Foi através de um post em sua página (clique e veja) que as atuais onze mulheres – quem se interessar pode participar – se reuniram para divulgar o plano de parto nos hospitais de BH. “Queremos causar um rebuliço, fazer as pessoas pensarem sobre isso, provocar desconforto nas instituições e iniciar um diálogo”, afirma.
Violência obstétrica: plano de parto pode ser usado como prova
Há quem desconheça – incluindo profissionais de saúde – ou mesmo quem duvide de sua existência, mas pesquisa de 2010 da Fundação Perseu Abramo mostra que uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto (clique a acesse a íntegra do documento).
Violência obstétrica é qualquer ato ou intervenção praticado sem o consentimento explícito e informado da mulher grávida, parturiente ou que deu a luz recentemente que desrespeita sua integridade física, mental, seus sentimentos, opções e preferências. O conceito internacional abrange também os direitos do bebê e, no Brasil, nem a lei do acompanhante é respeitada.
Pediatra, epidemiologista e coordenadora da Comissão Perinatal da secretaria municipal de saúde de Belo Horizonte, Sônia Lansky afirma que a lei brasileira, de 2005, contempla também o setor privado. “O acompanhante traz conforto, segurança, tranquilidade, tudo que ajuda a mulher a se sentir bem para liberar a ocitocina, hormônio que é responsável pela evolução natural do parto. Garante que a mulher vai ter acesso a tudo o que ela precisa, que ninguém vai fazer com ela o que não dever ser feito”, diz. Para ela, é uma questão de direitos humanos. “O acompanhante é quem advoga e defende mulher, é quem vai negociar as práticas e intervenções que poderão ser feitas com ela. Quando a mulher está acompanhada, ela sofre menos maus tratos. Não se pode abrir mão desse direito e ninguém pode refutá-lo sob nenhum aspecto: legal, humano e científico”, completa.
A advogada que atua na área de direitos reprodutivos, Gabriella Sallit, diz que o número de processos de violência obstétrica tem crescido no país. Isso significa que as mulheres estão tomando consciência de seus direitos e lutando contra as irregularidades. No entanto, um dos principais desafios é provar que a violência obstétrica foi praticada. Por isso, Sallit aponta o plano de parto protocolizado no hospital como uma importante ferramenta não só para garantir que os desejos da mulher serão respeitados, mas também para servir como prova em caso de processo. “O plano de parto é a chance de a mulher ter prova construída”, afirma. Mas se o hospital se negar a receber? “Notifica via cartório que a maternidade será obrigada a receber. Marque uma reunião com o diretor clínico. Não desista na primeira tentativa”, responde a especialista.
PPP: do que se trata
O Sistema Único de Saúde autorizou recentemente as salas de PPP (pré-parto, parto e pós-parto) para o sistema público. Esse tipo de quarto é um ambiente único onde a gestante vai ficar durante as três fases do parto, mas a ausência dessa estrutura física ainda dificulta o parto humanizado no país. Os hospitais privados também estão se organizando para oferecer essa opção às mulheres.
Em Belo Horizonte, os hospitais Sofia Feldman e o Risoleta Tolentino Neves já têm as práticas humanizadas. Uma maternidade que está sendo construída em Venda Nova terá, segundo Sônia Lansky, seis quartos individuais cada um com uma banheira. A Maternidade Odete Valadares também oferece um quarto individual para as gestantes. Outros cinco hospitais do SUS estão se adaptando à normativa de parto e nascimento. Sônia diz ainda que todos vão fazer reforma com recurso do projeto Rede Cegonha (clique e conheça). “Isso é lei, a mulher tem direito a um quarto privativo para o parto”, fala. Na rede privada, Mater Dei, Santa Fé e Unimed oferecem o PPP.
Para a coordenadora da Comissão Perinatal da secretaria municipal de saúde, do ponto de vista de um gestor de serviço, qualquer quarto de maternidade poderia se tornar um PPP para que não houvesse a necessidade de a mulher ir para um bloco cirúrgico.
Para pensar antes de se decidir
Excesso de exame de toque – no pré-natal e no trabalho de parto -, episiotomia, ocitocina artificial, ficar de jejum durante o parto, lavagem intestinal. Esses são alguns exemplos das práticas que são adotados como rotina no Brasil, mas que não existe nenhuma evidência científica que justifica a adoção desses protocolos de atendimento.
Sônia Lansky diz que o país vive um distanciamento muito grande do que é preconizado pela OMS como boas práticas da obstetrícia e da neonatologia, com evidências científicas consolidadas. “Vemos a banalização da cesariana no Brasil, 56% dos bebês nascem por uma cirurgia de extração fetal e a recomendação é muito precisa, a cesariana deveria ser exceção e o índice brasileiro estar em torno de 15%”, diz. As razões para esse número assustador são multicêntricas e vai desde à comodidade, passando pela conveniência profissional até chegar ao interesse financeiro. Segundo Sônia, a cesárea eletiva é boa para o hospital porque é uma forma de deixar tudo organizado, de manter a ocupação alta. “Ninguém questiona os indicadores do serviço, não há sequer regulação suficiente do setor público e muitas vezes a mulher atua passivamente ou é manipulada a fazer uma cesariana desnecessária, mas toda mulher e todo bebê têm direito ao acesso ao melhor do conhecimento científico atual”, afirma.
Para ela, a cultura da cesariana desconsidera os riscos de uma grande cirurgia que interfere, por exemplo, no aleitamento materno. “Bebê que nasce de cesariana tem mais chance de ter asma porque não teve contato com as bactérias do corpo da mãe, especificamente da vagina, que desencadeia um melhor sistema imunológico. Esses bebês também têm mais chance de ter doenças alérgicas, maior risco de obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares”, cita. No caso da mulher, a depressão pós-parto está associada à cesariana.
Mãe e bebê sempre juntos
Outra prática muito comum nos hospitais brasileiros é separar mãe e bebê após o nascimento. “Há que ter uma razão muito séria para isso. Não precisa pressa para cortar o cordão umbilical. A norma é apenas secar o bebê por cima da pele. É um momento muito precioso da vida do bebê, ele está alerta, ativo, é o procedimento médico interferindo na capacidade de o bebê ver a própria mãe. A primeira hora após o nascimento é um período sensível de reconhecimento da mãe. Deixar mãe e bebê juntos é promoção de saúde, é redução de violência. Laços profundos se fazem nesse momento. O pai também se envolve e é afetado por tudo isso”, alerta Sônia Lansky.
O caminho da mudança
Para Sônia, essa sucessão de equívocos precisa ser corrigida nas universidades e nos hospitais universitários para que o Brasil reveja seus protocolos, cada vez mais difíceis de serem justificadas diante do conhecimento científico consolidado na literatura médica. “A OMS recomenda que o parto normal transcorra em sua plena fisiologia. Qualquer intervenção precisa de justificativa. A episiotomia só é fundamentada em 12% dos casos. Ruptura de bolsa no início do trabalho de parto também é procedimento errado. O uso de métodos não farmacológicos de alívio de dor – como a bola usada no pilates, a escada de ling, banho, massagem – melhora o processo de dilatação do colo do útero sem interferência artificial. A analgesia é um procedimento que tem repercussões sobre o trabalho de parto e sobre o bebê. Antes dela, é preciso lançar mão de todas as opções naturais”, pontua. Mas por que os hospitais não providenciam esses recursos? Sônia é taxativa: “quem não oferta essas opções ocorre na violência institucional”.
Para ela, a tecnologia promove a falsa sensação de controle da situação para os médicos. “Deixar a natureza agir é contar com o inesperado, mas cabe aos profissionais de saúde perceber se a evolução do parto está adequada ou não. Em 90% dos casos, a evolução é fisiológica e o médico precisa estar lá para atuar no caso de problema. Somos treinados para intervir, para pensar que parto é morte, não temos paciência para esperar, mas se a fisiologia está prevalecendo, não há necessidade de se fazer nada”. Por isso, a figura do enfermeiro obstétrico, treinado para ser cuidador, é fundamental no modelo do parto humanizado. “Além de paciência, esse profissional tem tempo. O mundo inteiro faz isso: o parto é conduzido pelo enfermeiro obstétrico. A proposta não é substituir. O médico tem que estar para atuar quando necessário”, observa.
Para a presidente da SOGIMIG, Maria Inês de Miranda Lima, o caminho é longo, mas não impossível: “quanto mais informação, mais respeito e mais compartilhamento de decisões”.
No dia 11 de novembro, o documentário 'O Renascimento do Parto' será exibido em 500 salas de cinema da rede Cinemark por todo o Brasil. Em Belo Horizonte, as sessões serão no BH Shopping, às 12h e 16h20 (veja a programação).
Leia a matéria: 'O Renascimento do Parto': um filme para todo mundo que nasceu
Na semana passada se reuniram e decidiram “começar do começo”. Cada uma delas formalizou o seu plano de parto e os onze documentos serão entregues nas 15 maternidades de Belo Horizonte. O objetivo é impactar essas instituições para uma conduta preconizada pela OMS desde 1986 e que está completamente esquecida por aqui. A administradora Juliana de Souza Matos, 34 anos, grávida de João Vítor, é uma delas. Como já tinha uma visita agendada na maternidade Santa Fé para conhecer a estrutura do lugar, aproveitou a oportunidade para iniciar o mutirão de entrega. “Quero protocolar o meu plano de parto, falei com a moça que me recebeu. ‘Plano de quê?’, ela me respondeu e ficou folheando as páginas sem entender do que se tratava. Ela não sabia. Então eu disse que gostaria que fossem entregues ao diretor clínico e que ele repassasse aos profissionais que fazem o atendimento às gestantes. Não senti segurança de que ela irá entregar. Só vou ter confiança se alguém do hospital fizer um contato comigo”, narra.
"Queremos mostrar que as mulheres têm desejos que têm que ser respeitados. Esse mutirão é uma tentativa de conscientizar as maternidades de que é preciso mudar não apenas as suas estruturas, mas a cabeça de médicos, enfermeiros, neonatologistas e anestesistas", deseja a mãe de João Vítor.
Mas o que é, afinal?
O documento da OMS ‘Care in Normal Birth: a practical guide’ (Atenção no parto normal: um guia prático, em tradução livre), (clique aqui e veja a versão em inglês e em espanhol) preconiza as boas práticas para o parto normal. Para se ter uma ideia da importância do plano de parto, ele é o primeiro item dos processos que a instituição considera como “claramente úteis e que devem ser encorajados”. No guia, as rotinas são hierarquizadas pela relevância em A, B, C ou D. Resumindo: o plano de parto é o item 1 da categoria A (veja).
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Elaborar esse documento - que é uma lista que inclui, por exemplo, o lugar onde a mulher quer ter o bebê, quem estará presente na hora do parto, quais os procedimentos médicos que a mulher aceita e quais ela quer evitar para ela e para o bebê, a posição em que deseja parir, se ela quer se alimentar durante o trabalho de parto e até que música gostaria de ouvir – significa pensar e refletir sobre o assunto. Quando a mulher se dispõe a isso automaticamente começa a buscar informações sobre os tipos de parto e consegue optar conscientemente por aquele que considera melhor. “A paciente vai intervir até quando isso não oferecer risco para ela ou para o bebê. A função do obstetra é classificar esse risco”, lembra a presidente da SOGIMIG.-
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Um dado importante nesse contexto é que, ao contrário do que se pensa, a mulher brasileira, no início da gravidez, prefere o parto normal, mais de 70% delas. Ao longo do pré-natal essa vontade é minada pelos mitos fortemente consolidados para se justificar a cesariana no Brasil. O mais assustador, entre eles, é o tal do cordão enrolado no pescoço. “A insegurança e o medo são tão desproporcionais que as pessoas param de pensar: o bebê respira pelo umbigo”, fala a autora do blog Dadadá e advogada que atua na área de direitos reprodutivos, Gabriella Sallit. Foi através de um post em sua página (clique e veja) que as atuais onze mulheres – quem se interessar pode participar – se reuniram para divulgar o plano de parto nos hospitais de BH. “Queremos causar um rebuliço, fazer as pessoas pensarem sobre isso, provocar desconforto nas instituições e iniciar um diálogo”, afirma.
Violência obstétrica: plano de parto pode ser usado como prova
Há quem desconheça – incluindo profissionais de saúde – ou mesmo quem duvide de sua existência, mas pesquisa de 2010 da Fundação Perseu Abramo mostra que uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência durante o parto (clique a acesse a íntegra do documento).
Violência obstétrica é qualquer ato ou intervenção praticado sem o consentimento explícito e informado da mulher grávida, parturiente ou que deu a luz recentemente que desrespeita sua integridade física, mental, seus sentimentos, opções e preferências. O conceito internacional abrange também os direitos do bebê e, no Brasil, nem a lei do acompanhante é respeitada.
Pediatra, epidemiologista e coordenadora da Comissão Perinatal da secretaria municipal de saúde de Belo Horizonte, Sônia Lansky afirma que a lei brasileira, de 2005, contempla também o setor privado. “O acompanhante traz conforto, segurança, tranquilidade, tudo que ajuda a mulher a se sentir bem para liberar a ocitocina, hormônio que é responsável pela evolução natural do parto. Garante que a mulher vai ter acesso a tudo o que ela precisa, que ninguém vai fazer com ela o que não dever ser feito”, diz. Para ela, é uma questão de direitos humanos. “O acompanhante é quem advoga e defende mulher, é quem vai negociar as práticas e intervenções que poderão ser feitas com ela. Quando a mulher está acompanhada, ela sofre menos maus tratos. Não se pode abrir mão desse direito e ninguém pode refutá-lo sob nenhum aspecto: legal, humano e científico”, completa.
A advogada que atua na área de direitos reprodutivos, Gabriella Sallit, diz que o número de processos de violência obstétrica tem crescido no país. Isso significa que as mulheres estão tomando consciência de seus direitos e lutando contra as irregularidades. No entanto, um dos principais desafios é provar que a violência obstétrica foi praticada. Por isso, Sallit aponta o plano de parto protocolizado no hospital como uma importante ferramenta não só para garantir que os desejos da mulher serão respeitados, mas também para servir como prova em caso de processo. “O plano de parto é a chance de a mulher ter prova construída”, afirma. Mas se o hospital se negar a receber? “Notifica via cartório que a maternidade será obrigada a receber. Marque uma reunião com o diretor clínico. Não desista na primeira tentativa”, responde a especialista.
Assista ao documentário ‘Violência Obstétrica: a voz das brasileiras’:
Modelo de quarto PPP (pré-parto, parto e pós-parto). Hosptial Universitario Germans Trias i Pujol e Barkantine Birth Center
O Sistema Único de Saúde autorizou recentemente as salas de PPP (pré-parto, parto e pós-parto) para o sistema público. Esse tipo de quarto é um ambiente único onde a gestante vai ficar durante as três fases do parto, mas a ausência dessa estrutura física ainda dificulta o parto humanizado no país. Os hospitais privados também estão se organizando para oferecer essa opção às mulheres.
Em Belo Horizonte, os hospitais Sofia Feldman e o Risoleta Tolentino Neves já têm as práticas humanizadas. Uma maternidade que está sendo construída em Venda Nova terá, segundo Sônia Lansky, seis quartos individuais cada um com uma banheira. A Maternidade Odete Valadares também oferece um quarto individual para as gestantes. Outros cinco hospitais do SUS estão se adaptando à normativa de parto e nascimento. Sônia diz ainda que todos vão fazer reforma com recurso do projeto Rede Cegonha (clique e conheça). “Isso é lei, a mulher tem direito a um quarto privativo para o parto”, fala. Na rede privada, Mater Dei, Santa Fé e Unimed oferecem o PPP.
Fonte: Ministério da Saúde/Datasus
Para a coordenadora da Comissão Perinatal da secretaria municipal de saúde, do ponto de vista de um gestor de serviço, qualquer quarto de maternidade poderia se tornar um PPP para que não houvesse a necessidade de a mulher ir para um bloco cirúrgico.
Para pensar antes de se decidir
Excesso de exame de toque – no pré-natal e no trabalho de parto -, episiotomia, ocitocina artificial, ficar de jejum durante o parto, lavagem intestinal. Esses são alguns exemplos das práticas que são adotados como rotina no Brasil, mas que não existe nenhuma evidência científica que justifica a adoção desses protocolos de atendimento.
Sônia Lansky diz que o país vive um distanciamento muito grande do que é preconizado pela OMS como boas práticas da obstetrícia e da neonatologia, com evidências científicas consolidadas. “Vemos a banalização da cesariana no Brasil, 56% dos bebês nascem por uma cirurgia de extração fetal e a recomendação é muito precisa, a cesariana deveria ser exceção e o índice brasileiro estar em torno de 15%”, diz. As razões para esse número assustador são multicêntricas e vai desde à comodidade, passando pela conveniência profissional até chegar ao interesse financeiro. Segundo Sônia, a cesárea eletiva é boa para o hospital porque é uma forma de deixar tudo organizado, de manter a ocupação alta. “Ninguém questiona os indicadores do serviço, não há sequer regulação suficiente do setor público e muitas vezes a mulher atua passivamente ou é manipulada a fazer uma cesariana desnecessária, mas toda mulher e todo bebê têm direito ao acesso ao melhor do conhecimento científico atual”, afirma.
Para ela, a cultura da cesariana desconsidera os riscos de uma grande cirurgia que interfere, por exemplo, no aleitamento materno. “Bebê que nasce de cesariana tem mais chance de ter asma porque não teve contato com as bactérias do corpo da mãe, especificamente da vagina, que desencadeia um melhor sistema imunológico. Esses bebês também têm mais chance de ter doenças alérgicas, maior risco de obesidade, diabetes e doenças cardiovasculares”, cita. No caso da mulher, a depressão pós-parto está associada à cesariana.
Mãe e bebê sempre juntos
Outra prática muito comum nos hospitais brasileiros é separar mãe e bebê após o nascimento. “Há que ter uma razão muito séria para isso. Não precisa pressa para cortar o cordão umbilical. A norma é apenas secar o bebê por cima da pele. É um momento muito precioso da vida do bebê, ele está alerta, ativo, é o procedimento médico interferindo na capacidade de o bebê ver a própria mãe. A primeira hora após o nascimento é um período sensível de reconhecimento da mãe. Deixar mãe e bebê juntos é promoção de saúde, é redução de violência. Laços profundos se fazem nesse momento. O pai também se envolve e é afetado por tudo isso”, alerta Sônia Lansky.
O caminho da mudança
Para Sônia, essa sucessão de equívocos precisa ser corrigida nas universidades e nos hospitais universitários para que o Brasil reveja seus protocolos, cada vez mais difíceis de serem justificadas diante do conhecimento científico consolidado na literatura médica. “A OMS recomenda que o parto normal transcorra em sua plena fisiologia. Qualquer intervenção precisa de justificativa. A episiotomia só é fundamentada em 12% dos casos. Ruptura de bolsa no início do trabalho de parto também é procedimento errado. O uso de métodos não farmacológicos de alívio de dor – como a bola usada no pilates, a escada de ling, banho, massagem – melhora o processo de dilatação do colo do útero sem interferência artificial. A analgesia é um procedimento que tem repercussões sobre o trabalho de parto e sobre o bebê. Antes dela, é preciso lançar mão de todas as opções naturais”, pontua. Mas por que os hospitais não providenciam esses recursos? Sônia é taxativa: “quem não oferta essas opções ocorre na violência institucional”.
Para ela, a tecnologia promove a falsa sensação de controle da situação para os médicos. “Deixar a natureza agir é contar com o inesperado, mas cabe aos profissionais de saúde perceber se a evolução do parto está adequada ou não. Em 90% dos casos, a evolução é fisiológica e o médico precisa estar lá para atuar no caso de problema. Somos treinados para intervir, para pensar que parto é morte, não temos paciência para esperar, mas se a fisiologia está prevalecendo, não há necessidade de se fazer nada”. Por isso, a figura do enfermeiro obstétrico, treinado para ser cuidador, é fundamental no modelo do parto humanizado. “Além de paciência, esse profissional tem tempo. O mundo inteiro faz isso: o parto é conduzido pelo enfermeiro obstétrico. A proposta não é substituir. O médico tem que estar para atuar quando necessário”, observa.
Para a presidente da SOGIMIG, Maria Inês de Miranda Lima, o caminho é longo, mas não impossível: “quanto mais informação, mais respeito e mais compartilhamento de decisões”.
No dia 11 de novembro, o documentário 'O Renascimento do Parto' será exibido em 500 salas de cinema da rede Cinemark por todo o Brasil. Em Belo Horizonte, as sessões serão no BH Shopping, às 12h e 16h20 (veja a programação).
Leia a matéria: 'O Renascimento do Parto': um filme para todo mundo que nasceu
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- 26/03/2014
- Projeto 1:4: retratos da violência obstétrica
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