Novas regras de partos não garantem fim da 'cultura da cesárea' no Brasil

Apenas três em cada dez mulheres começam a gestação considerando o parto por cesariana, mas oito acabam optando por ela. Para reverter o número, o Ministério da Saúde publicou novas regras que visam estimular a prática do parto normal no país

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Gabriella Pacheco - Saúde Plena Julia Chaib - Correiro Braziliense Publicação:08/01/2015 10:54Atualização:08/01/2015 14:21

'Precisamos proporcionar uma experiência prazerosa no parto e revalorizar o nascimento pelo parto normal', afirma a pediatra Sônia Lansky (Foto Além D' Olhar - Filme 'O Renascimento do Parto')
'Precisamos proporcionar uma experiência prazerosa no parto e revalorizar o nascimento pelo parto normal', afirma a pediatra Sônia Lansky

Não há pesquisa que indique como as mulheres brasileiras enxergam o momento de dar à luz, mas os dados referentes ao nascimento de bebês no país sugerem que o medo e a falta de informação podem ser grandes influenciadores dessa decisão. Os números são estarrecedores: 84% dos partos feitos na rede privada e 40% dos realizados na rede pública são cesáreas. Ambos os números estão bem acima dos 15% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Com a intenção de reverter esse quadro considerado epidêmico o Ministério da Saúde e a Agência Nacional de Saúde (ANS) publicaram na última quarta-feira novas regras para estimular o parto normal.

 

O medo é apenas um dos fatores que pode estar levando as mulheres na direção oposta do parto normal. “Parto com muita intervenção é causa de sofrimento para a mulher e em uma cultura assim, ele se torna um momento de horror”, afirma a pediatra e coordenadora da Comissão Perinatal e dos Comitês de Prevenção de Óbito Materno e Infantil da Secretaria de Saúde de Belo Horizonte Sônia Lansky. Entre as principais causas de violência obstétrica estão a episiotomia (corte entre a vagina e ânus), registrada em 53,5% dos partos vaginais no Brasil, e o uso exacerbado de ocitocina sintética para agilizar o trabalho de parto, que traz malefícios na hora para a mulher e posteriores para a criança.


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Outro fator é a influência médica. De acordo com a pediatra, apenas três a cada dez mulheres começa a gravidez considerando a cesariana, mas oito delas acabam optando por esse tipo de parto. O que as faz tender para a cesariana? A ideia de um parto cercado de sofrimento é considerada como um dos motivos para a mudança, no entanto, ela não descarta que, em vários casos, existe sim o estímulo do profissional motivado por interesses não médicos, seja a comodidade ou o financeiro.


Mesmo diante desses desafios, Lansky é otimista em relação às novas regras referentes ao nascimento no Brasil. “Acho que elas podem sim ajudar no estímulo ao parto normal. O fato do assunto agora estar na mídia e ser discutido pela sociedade mostra que a cesariana, como se faz, é um problema grave de saúde publica. Só de se fazer essa medida já alerta a população de que isso não está adequado”, pontua.


A nova resolução traz, entre outras coisas, mais transparência sobre as práticas de hospitais e médicos. Ela determina que a mulher atendida por médicos de planos de saúde poderá solicitar e ter acesso, em até 15 dias, ao índice de partos normais e cesáreos feitos pelo profissional, hospital ou plano. Caso não entreguem os dados no período determinado, as operadoras dos convênios arcam com multa de R$ 25 mil.


Outra mudança trazida pela nova resolução é a obrigatoriedade das operadoras fornecerem o cartão da gestante, de acordo com padrão definido pelo Ministério da Saúde, no qual deverá constar o registro de todo o pré-natal.


Para evitar cesáreas desnecessárias, também será obrigatória a apresentação do partograma — relatório gráfico sobre o que acontece durante o trabalho de parto — para pagamento do procedimento ao profissional. Se não entregar, o médico deverá justificar ao plano a ausência do documento.


O presidente da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Etelvino Trindade, elogia as iniciativas, mas diz que alguns pontos devem ser discutidos. “A informação do índice de partos pode expor os médicos e deveria ser analisada em contexto. Ela pode ser injusta. Um hospital com tecnologia mais adequada para receber pacientes de maior complexidade, por exemplo, deve ter mais cesarianas”, diz.

Trindade avalia ainda que terão de ser feitas adaptações no sistema para atender a demanda por partos normais, como aumentar os plantões obstétricos. Para o médico, o índice de cesarianas reduzirá, mas a meta de 15% da OMS é inatingível. “As pessoas estão tendo filhos mais tarde, com partos de maior risco, por exemplo. Partindo de uma taxa acima de 70%, reduzir para 50% nos próximos dois anos está excelente.”


A cesariana, quando não tem indicação médica, ocasiona riscos desnecessários à saúde da mulher e do bebê: aumenta em 120 vezes a probabilidade de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte da mãe. Cerca de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no Brasil estão relacionados a prematuridade.


Nova cultura

Historicamente, a ausência de um sistema regulatório efetivo era tido como um dos principais complicadores no incentivo ao parto normal, assim como o papel referencial de orientação da classe profissional. Com as novas regras focadas nesses dois fatores, a expectativa é de melhorias. No entanto, a mudança na cultura das brasileiras é fundamental para a reversão da quantidade de cesarianas.


Para tanto, uma questão, das tantas que rodeiam o assunto, merece ser repetida entre as mulheres: por que não fazer um parto normal? Em outras culturas que reconheceram os riscos da cesariana esse questionamento já é natural. “Aqui as mulheres ainda acham um conforto ter tudo organizado como se a gente pudesse oferecer o momento de nascer algo planejado e não respeitar a natureza do bebê. Fazer cesariana aqui é ainda visto como um status”, pondera Sônia Lansky. “Temos uma série de coisas para mudar, entre elas a garantia de que a mulher seja a protagonista no parto. Isso foi retirado dela e colocado no profissional de saúde, fazendo o parto passar a ser um ato cirúrgico e não um ato de poder da mulher”, completa.



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