#sentandoparaopartonormal: Mulheres fazem campanha pelo direito de escolher a posição de parir
Modelo tecnicista de assistência ao parto adotado no Brasil coloca a mulher deitada em posição ginecológica, o que atrapalha a evolução do trabalho de parto
Valéria Mendes - Saúde Plena
Publicação:25/03/2015 10:00Atualização: 25/03/2015 11:47
O tema é pertinente porque além de o Brasil ser o campeão mundial em cesarianas - em 2013, por exemplo, mais da metade dos brasileiros e brasileiras (56,7%) nasceu através da cirurgia; nos hospitais privados o índice ultrapassa os 80% e a recomendação da Organização Mundial de Saúde é de, no máximo, 15% -, o modelo de assistência ao parto normal no país é equivocado. Para ser chamado de parto normal não basta que a via seja vaginal e, por essa razão, tem se tornado cada vez mais comum o uso da expressão parto natural para delimitar a diferenciação entre o modelo hipermedicalizado e a abordagem de assistência humanizada ao parto que respeita a individualidade e incentiva a capacidade intrínseca do corpo feminino para dar à luz.
Qualquer intervenção altera a evolução natural do trabalho de parto. O “simples” ato de colocar a mulher deitada de pernas para cima em uma posição antinatural dificulta as contrações involuntárias do útero. Para solucionar esse problema – que foi criado pelo modelo atual de assistência ao parto -, é necessário administrar um hormônio sintético para acelerar essas contrações (a ocitocina). Sem liberdade para se movimentar e com a aceleração artificial das contrações, as dores do parto ficam mais intensas e entra em cena a anestesia. Fora isso, 53,5% das brasileiras que têm seus bebês via vaginal no Brasil são submetidas a episiotomia, corte entre o ânus e a vagina, que, em tese, facilitaria a saída da criança apesar de a prática já ter sido refutada cientificamente na década de 70.
Como se não bastassem todas essas intervenções que fazem a experiência do parto normal no Brasil ser traumática, não é raro o uso de força para empurrar o bebê para fora da barriga da mãe em uma manobra contraindicada na literatura científica, conhecida como Kristeller, e ainda o uso de fórceps para puxar o bebê de dentro do útero.
Verticalizar para facilitar
Médico obstetra do Núcleo Bem Nascer e preceptor da residência médica do Hospital das Clínicas da UFMG, Renato Janone Domont também aderiu à campanha. Ele explica que na posição ginecológica tradicional, também chamada litotomia, o útero gavídico comprime grandes vasos abdominais como a aorta e a cava inferior - responsáveis pela circulação do sangue nos membros inferiores e na pelve -, reduzindo o fluxo sanguíneo uterino. “Há uma queda do padrão contrátil do útero e o prolongamento do processo de nascimento. Todas as grandes sociedades de obstetrícia do mundo como a canadense, norte-americana e inglesa, são categóricas em afirmar que a posição ginecológica tradicional deve ser usada apenas para partos assistidos instrumentais (vácuo extrator ou fórceps). Isso corresponde mais ou menos entre 5 a 9% de todos os partos”, detalha.
A respeito da movimentação da gestante, Renato Janone Domont diz que os estudos científicos mostram que pacientes que não ficam restritas ao leito apresentam partos mais rápidos e menos dolorosos. “No período expulsivo, quando o bebê está nascendo, a posição verticalizada (como cócoras) permite melhora do padrão de contração uterina que fica mais eficiente e intenso, menos dor, mais rapidez na saída do bebê e maior conforto materno”, observa.
Além disso, segundo o especialista, vários trabalhos também já mostraram que há uma ampliação da pelve óssea materna, o que também facilita o nascimento. “Inúmeros trabalhos como os realizados pelo maior estudioso sobre a contratilidade do útero, Caldeyro-Barcia, há mais de 40 anos já mostravam cientificamente que quando a gestante verticaliza e se movimenta as contrações uterinas são mais efetivas e o trabalho de parto mais curto. Existe porém, uma perda sanguínea maior após o nascimento na posição verticalizada e, às vezes, é recomendado horizontalizar a grávida após a saída do bebê”, explica.
Por tudo isso, mães, gestantes, doulas, enfermeiras obstétricas e médicos se manifestaram contra a fala do obstetra carioca com fotos que ilustram o profissional de saúde sentado respeitando a autonomia da mulher no trabalho de parto. Veja algumas:
Para acompanhar as postagens use a hashtag #sentandoparaopartonormal
Saiba mais...
A fala de um obstetra carioca em um congresso no Rio de Janeiro de que seria humilhante para o médico sentar-se no chão para atender um parto repercutiu negativamente entre mulheres e profissionais de saúde que lutam pela humanização do parto no Brasil. Na ocasião, ele teria dito que não estudou por tantos anos para ficar no chão. Apesar de o nome do profissional não ter sido divulgado – e o motivo alegado pelas mulheres que aderiram ao protesto é o risco de processo -, a campanha #sentandoparaopartonormal tem ganhado cada vez mais adesão nas redes sociais. Além de colocar em pauta o protagonismo da mulher na hora de parir, a iniciativa também tem ajudado a informar a razão de a posição ginecológica não favorecer a evolução natural do trabalho de parto.- Hospital público de BH será referência para redução de cesarianas na rede privada do Brasil
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O tema é pertinente porque além de o Brasil ser o campeão mundial em cesarianas - em 2013, por exemplo, mais da metade dos brasileiros e brasileiras (56,7%) nasceu através da cirurgia; nos hospitais privados o índice ultrapassa os 80% e a recomendação da Organização Mundial de Saúde é de, no máximo, 15% -, o modelo de assistência ao parto normal no país é equivocado. Para ser chamado de parto normal não basta que a via seja vaginal e, por essa razão, tem se tornado cada vez mais comum o uso da expressão parto natural para delimitar a diferenciação entre o modelo hipermedicalizado e a abordagem de assistência humanizada ao parto que respeita a individualidade e incentiva a capacidade intrínseca do corpo feminino para dar à luz.
Qualquer intervenção altera a evolução natural do trabalho de parto. O “simples” ato de colocar a mulher deitada de pernas para cima em uma posição antinatural dificulta as contrações involuntárias do útero. Para solucionar esse problema – que foi criado pelo modelo atual de assistência ao parto -, é necessário administrar um hormônio sintético para acelerar essas contrações (a ocitocina). Sem liberdade para se movimentar e com a aceleração artificial das contrações, as dores do parto ficam mais intensas e entra em cena a anestesia. Fora isso, 53,5% das brasileiras que têm seus bebês via vaginal no Brasil são submetidas a episiotomia, corte entre o ânus e a vagina, que, em tese, facilitaria a saída da criança apesar de a prática já ter sido refutada cientificamente na década de 70.
Leia mais aqui: Grávidas precisam se informar para evitar episiotomia desnecessária e 'ponto do marido' no parto vaginal
Como se não bastassem todas essas intervenções que fazem a experiência do parto normal no Brasil ser traumática, não é raro o uso de força para empurrar o bebê para fora da barriga da mãe em uma manobra contraindicada na literatura científica, conhecida como Kristeller, e ainda o uso de fórceps para puxar o bebê de dentro do útero.
O médico obstetra Renato Janone Domont defende posição verticalizada
Verticalizar para facilitar
Médico obstetra do Núcleo Bem Nascer e preceptor da residência médica do Hospital das Clínicas da UFMG, Renato Janone Domont também aderiu à campanha. Ele explica que na posição ginecológica tradicional, também chamada litotomia, o útero gavídico comprime grandes vasos abdominais como a aorta e a cava inferior - responsáveis pela circulação do sangue nos membros inferiores e na pelve -, reduzindo o fluxo sanguíneo uterino. “Há uma queda do padrão contrátil do útero e o prolongamento do processo de nascimento. Todas as grandes sociedades de obstetrícia do mundo como a canadense, norte-americana e inglesa, são categóricas em afirmar que a posição ginecológica tradicional deve ser usada apenas para partos assistidos instrumentais (vácuo extrator ou fórceps). Isso corresponde mais ou menos entre 5 a 9% de todos os partos”, detalha.
A respeito da movimentação da gestante, Renato Janone Domont diz que os estudos científicos mostram que pacientes que não ficam restritas ao leito apresentam partos mais rápidos e menos dolorosos. “No período expulsivo, quando o bebê está nascendo, a posição verticalizada (como cócoras) permite melhora do padrão de contração uterina que fica mais eficiente e intenso, menos dor, mais rapidez na saída do bebê e maior conforto materno”, observa.
Além disso, segundo o especialista, vários trabalhos também já mostraram que há uma ampliação da pelve óssea materna, o que também facilita o nascimento. “Inúmeros trabalhos como os realizados pelo maior estudioso sobre a contratilidade do útero, Caldeyro-Barcia, há mais de 40 anos já mostravam cientificamente que quando a gestante verticaliza e se movimenta as contrações uterinas são mais efetivas e o trabalho de parto mais curto. Existe porém, uma perda sanguínea maior após o nascimento na posição verticalizada e, às vezes, é recomendado horizontalizar a grávida após a saída do bebê”, explica.
Por tudo isso, mães, gestantes, doulas, enfermeiras obstétricas e médicos se manifestaram contra a fala do obstetra carioca com fotos que ilustram o profissional de saúde sentado respeitando a autonomia da mulher no trabalho de parto. Veja algumas: